
Ricardo Vollbrecht
Consultor jurídico do Sindag e Ibravag, o advogado formado pela PUCRS, é mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Unisinos e especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, membro da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB/RS.
A Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC nº 132/2023) criou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), classificados como tributos sobre valor agregado, com o principal intuito de simplificar o sistema tributário nacional, substituindo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – e suas 27 legislações estaduais – e também a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A Reforma também instituiu o Imposto Seletivo (IS), chamado de “imposto sobre o pecado”, pois tributa bens ou serviços considerados nocivos para a saúde pública ou para o meio ambiente. A ideia é impor maior carga tributária sobre alguns produtos, como combustíveis fósseis e tabaco, com a pretensão de inibir o seu consumo pelo aumento do custo.
No ano de 2024, foi encaminhada pelo Poder Executivo proposta de regulamentação do novo sistema, via projeto de lei complementar, recebendo na Câmara dos Deputados o número 68/2024 (PLP nº 68/2024). Com relação ao Imposto Seletivo, o projeto do Governo Federal indica bens que seriam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, cuja comercialização deve ser sobretaxada, a saber: I – veículos; II – embarcações e aeronaves; III – produtos fumígenos; IV – bebidas alcoólicas; V – bebidas açucaradas; e VI – bens minerais extraídos. Assim, toda venda de embarcação ou de aeronave, por exemplo, deve ser tributada pelo IS, conforme a proposta do Executivo. Na justificativa do PLP nº 68/2024, consta que a incidência do IS sobre a aquisição de veículos, aeronaves e embarcações tem como fundamento o fato de haver emissão de poluentes pelo uso destes equipamentos, o que causaria danos ao meio ambiente e ao homem.
Com relação às aeronaves agrícolas é importante destacar que são aviões projetados para a atividade de aviação agrícola, destinados a operações com propósito especial para a agropecuária (pulverização, polvilhamento, semeadura, controle de rebanhos e de animais predatórios), assim como para a conservação da flora e da fauna, via combate a incêndios, controle de vetores e povoamento de águas, conforme definido no parágrafo 21.25(b)(1) e (2), do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil RBAC nº 21 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O Brasil possui um modelo nacional de avião agrícola há mais de 50 anos, o Ipanema, atualmente fabricado pela Embraer. Mais de 55% da frota brasileira é composta de aeronaves Ipanema, modelo que está no mercado desde a década de 19701. Em segundo lugar, com cerca de 21% do mercado brasileiro, estão as aeronaves agrícolas fabricadas pela empresa norte-americana Air Tractor, com modelos maiores, levando maior quantidade de produtos e contando com motor turbo-hélice.
O avião agrícola Ipanema tem uma versão movida a etanol, com motor homologado para álcool pela Embraer desde 2004, sendo, mundialmente, o primeiro modelo de série a sair de fábrica equipado com motor movido a álcool, um verdadeiro orgulho nacional. O segmento etanol no Brasil engloba ainda aeronaves que foram posteriormente convertidas para uso deste combustível sustentável. A Anac regulamenta o uso do etanol por aviões agrícolas, pela Instrução Suplementar – IS nº 137.201-0012. De acordo com levantamento feito pelo Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) em 20213, 34,77% da frota aeroagrícola é composta por aviões movidos a etanol.
Dentro deste contexto, não há justificativa para a tributação pelo imposto seletivo das aeronaves agrícolas, em especial aquelas abastecidas com biocombustível. Assim como os automóveis considerados como sustentáveis terão alíquota zero, o avião agrícola também deve receber o mesmo tratamento, pois tem eficiência energético-ambiental, com produção nacional, integrando importantes cadeias agrícolas, que contribuem para a sua sustentabilidade.
Somada a questão ambiental, do ponto de vista econômico, os aviões agrícolas integram a cadeia produtiva de importantes produtos agrícolas, como cana-de-açúcar, arroz, soja, algodão, banana, milho, batata, madeira plantada, entre outros. A cultura de cana-de-açúcar é considerada de alta dependência da pulverização aérea, onde mais da metade das aplicações de defensivos são realizadas por via aérea. Já nas lavouras de arroz, 72% das pulverizações são realizadas com aviões agrícolas, o que deixa a orizicultura nacional como a cultura mais dependente da aviação agrícola. É importante referir ainda a participação da pulverização aérea nas culturas do algodão (44%), milho (15,5%) e soja (10%), destacando que a maior área tratada é da cultura da soja, com 10,7 milhões de hectares tratados por via aérea, seguida da cana-de-açúcar e do algodão, com 8,8 e 6,9 milhões de hectares tratados ao ano, respectivamente4.
Diante da importância das aeronaves agrícolas para a produção de alimentos, o Sindag, com a nossa assessoria jurídica, encaminhou ao Senado Federal, via Frente Parlamentar da Agropecuária, sugestão de emenda ao PLP nº 68/2024, para constar de modo expresso na lei complementar que não estão sujeitas ao imposto seletivo os aviões agrícolas. Sensíveis a este pleito, o senador Luis Carlos Heinze, com a Emenda nº 303-U, e, também, a Senadora Professora Dorinha Seabra, com a Emenda nº 813-U5, acataram a sugestão do Sindag e propuseram a inclusão do § 3º, ao art. 406, do PLP nº 68/2024, nos seguintes termos: “Não estão sujeitas ao imposto seletivo as aeronaves agrícolas, assim inscritas no Registro Aeronáutico Brasileiro – RAB”.
Espera-se que o Senado Federal altere o PLP nº 68/2024 e exclua da incidência do IS as aeronaves agrícolas, sob pena de haver cobrança de tributo seletivo sobre equipamento agrícola, cuja essencialidade é reconhecida ao realizar serviço integrante da cadeia produtiva agropecuária, sendo ainda sustentável em seus três aspectos: econômico, social e ambiental. Se a proposta do Poder Executivo não for corrigida, certamente os contribuintes irão ao Poder Judiciário, para afastar a inconstitucionalidade da incidência de IS sobre aviões agrícolas.
Fontes consultadas
1 – ANTUNIASSI, Ulisses Rocha. CARVALHO, Fernando Kassis. CHECHETTO, Rodolfo Glauber. MOTA, Alisson Augusto Barbieri. Entendendo a tecnologia de aplicação: aviões, helicópteros e drones de pulverização. Botucatu: FEPAF, 2021. 2ª. ed. rev. ampl., p. 19.
2 – Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/boletim-de-pessoal/2022/bps-v-17-no-4-24-a-28-01-2022/is-137-201-001e/visualizar_ato_normativo. Acesso em 14 ago 2024
3 – ARAÚJO, Eduardo Cordeiro de. Frota Brasileira de Aeronaves Agricolas. SINDAG, 30 jan 2022. p. 12
4 – ANTUNIASSI, Ulisses Rocha. Op. cit., p. 21-22.
5 – Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9784077&ts=1723822079993&disposition=inline&ts=1723822079993. Acesso em 16 ago 2024