A INFRAESTRUTURA
Apesar de já amplamente utilizadas em diversos setores da economia, a adoção de meios digitais no negócio aeroagrícola tem sido mais lenta. A primeira grande dificuldade é justamente o acesso à internet que se apresenta com limitações nas áreas rurais do Brasil.
O que mudou? O barateamento da banda larga e dos equipamentos de wi-fi, que hoje já estão instalados em muitas residências e na imensa maioria dos hotéis, proporciona aos usuários de internet um nível satisfatório de serviço. Também, aumentaram a disponibilidade e cobertura de redes 4G e 5G no Brasil – o rural já é digital em muitas áreas.
Já os smartphones, antes artigos de luxo, foram amplamente adotados pelas pessoas, colocando em suas mãos computadores mais potentes que aqueles que levaram o homem à Lua na década de 60. Tudo isso por meio da ampliação da capacidade de horas das baterias, que possibilitam ao smartphone realizar tarefas mais complexas e por mais tempo.
Outro desafio era utilizar servidores locais, isto é, máquinas físicas na empresa, que sempre foi uma penosa tarefa no campo. Afinal, para um bom funcionamento do gerenciamento das informações é preciso garantir duas conexões: entre servidor e internet, e da internet ao usuário. Sendo um servidor local, além de eventuais instabilidades de rede e limitações de máquinas, também ficava sujeita ao fornecimento de energia, algo que pode ser instável na zona rural.
Felizmente, com a ampliação dos conhecimentos em tecnologia, este problema foi resolvido, substituindo os servidores físicos por uma plataforma em cloud, as chamadas soluções em nuvem. Com isso, desaparecem as limitações na conexão servidor-internet e na atualização tecnológica destes equipamentos, proporcionando estabilidade de conexão, acesso mundial aos dados por meio da internet e tudo isso com melhor processamento das tarefas e armazenamento de dados. Essa mudança significativa na tecnologia gerou maior satisfação dos usuários pela agilidade, velocidade e acessibilidade aos dados.
O CLIENTE
Foi quando, em 2019, a pandemia do COVID-19 veio para acelerar este processo e mudou radicalmente hábitos e práticas no mundo empresarial. As pessoas passaram a fazer reuniões via teleconferência, sendo que essa tecnologia já existia, mas era menos utilizada. As pessoas passaram a preferir os meios eletrônicos para receber informações e realizar boa parte das suas comunicações sociais.
Logo, foi somente a partir desta mudança de hábito que os clientes começaram a preferir reuniões on-line e a estarem constantemente incomodados com eventuais burocracias em papel impresso que insistem em não desaparecer.
Estes mesmos clientes passaram a estar municiados com seus poderosos smartphones e conectados às outras pessoas (da família e do trabalho) pelas plataformas de troca de mensagens, como, por exemplo, o Whats- App, outra tecnologia que também já existia, mas foi consagrada pela pandemia ao patamar de item essencial.
ASSINATURA ELETRÔNICA
Outra questão que precisou ser analisada com cuidado no processo de digitalização do negócio, foram as assinaturas eletrônicas, algo que já havia sido regulamentado no Brasil em 2001 (!), mas que por falta de hábito somente após a pandemia passou a fazer parte do chamado “novo normal”.
Para garantir a perfeita validade das assinaturas eletrônicas, precisamos garantir logins e senhas individuais e intransferíveis para os usuários do sistema e, por mera preferência estética, mantivemos uma foto da assinatura física em alguns dos documentos, como ocorre em serviços do gênero DocuSign (empresa americana que permite o gerenciamento de contratos eletrônicos).
TENTATIVAS E RESISTÊNCIA
Depois de muitas tentativas sem sucesso, finalmente, encontramos, neste novo contexto de sociedade, o parceiro de tecnologia para viabilizar a digitalização dos nossos processos. A Cavok Aviação (líder no País em soluções tecnológicas na aviação), que possuía uma ferramenta ERP (sigla em inglês para planejamento de recursos operacionais) que já funcionava em outras empresas da aviação civil e oficinas de manutenção, mas que sofreu adaptações para atender a especificidade do negócio aeroagrícola. Foram 15 meses de trabalho do nosso time de gestão em parceria com o desenvolvedor para ser bem-sucedido. Em tecnologia, aprendemos que não convém reinventar a roda. Melhor encontrar uma ferramenta em funcionamento já existente e adaptá-la ao uso.
Ao longo da implementação, também nos deparamos com um temido fator organizacional: a resistência à mudança. Esta dificuldade latente nas empresas só foi superada a conta da grande convicção com o projeto por parte da alta direção e das lideranças internas, num esforço constante e conjunto de comunicação, transparência e treinamentos de adaptação da equipe.
COMO FICOU?
Todos os processos de negócio (comerciais, financeiros e de operação) foram digitalizados. Cotações que já eram digitais desde 2005, agora estão acompanhadas de todos os documentos relacionados: contratos eletrônicos e informações das aplicações.
Relatórios operacionais e respectivos mapas de aplicação são originados, aprovados, finalizados on-line no sistema ERP – com a participação dos seus responsáveis (piloto, técnico agrícola executor e engenheiro agrônomo) para então serem encaminhados aos clientes por e-mail ou Whats- App, que, por sua vez, aprovam os serviços também de maneira digital. Sem dúvida, visualmente, o maior símbolo deste processo de digitalização foi o fim dos relatórios operacionais físicos, que somavam centenas de folhas de papel todos os meses. A melhoria da experiência do cliente e da eficiência do processo são notáveis.
Após esta etapa de digitalização será difícil lembrar como é que se trabalhava com tantos papéis nas operações no campo. Os ganhos de eficiência são imensuráveis. O tempo entre a geração de registros de aplicação e o processamento administrativo praticamente foi para zero, e relatórios digitais passam a ter seus arquivos dos mapas DGPS organizados de maneira instantânea – antes uma tarefa morosa.
A FISCALIZAÇÃO
Havia também uma urgência por digitalizar os processos, em especial, depois que a própria fiscalização sobre o setor passou a preferir o método digital no que tange à documentação. Tanto que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou, no ano passado, uma plataforma dentro do Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro) para cadastrar empresas e aeronaves e receber virtualmente informações das operações aeroagrícolas. Esse sistema, que ainda está passando por ajustes, deve eventualmente obrigar empresas a fornecer dados das operações digitalmente. Quem não conseguir migrar para o digital na originação dos seus registros fatalmente acabará trabalhando dobrado para atender a esta exigência do Mapa.
VISÃO DE FUTURO
O próximo passo, após os ganhos de eficiência nos processos, será naturalmente o uso dos dados gerados para a condução de otimização empresarial, um tema amplo que demandará toda a nossa atenção a partir de agora. Estas análises de dados terão a capacidade de identificar, por exemplo, como estão as rentabilidades das aplicações face à projetada. Como os dados chegam rapidamente para a gestão da empresa, será possível identificar discrepâncias e propor ações de melhoria de maneira efetiva, diretamente no campo, ao longo da execução dos trabalhos – quase um just in time. Sem dúvida, está posta uma grande oportunidade de evolução na gestão empresarial do setor aeroagrícola. Novos tempos, mais digitais e inteligentes.
Quem é o Autor?
Bruno Vasconcelos é sócio e principal executivo da SANA Agro Aérea e gestor de recursos de terceiros registrado na CVM com certificação CGA (Certificação de Gestores da Anbima). Foi membro e presidente do Conselho de Administração da Cooperativa de Crédito SICOOB Crediacil entre 2011 e 2020; é membro fundador do Ibravag e membro do Conselho de Administração do Sindag desde 2016. Formado em Administração pela FGV-EAESP e especialista em governança coorporativa pelo IBGC.