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75 anos da Aviação Agrícola Brasileira

Como um voo de combate a gafanhotos em Pelotas, em 1947, fez do 19 de agosto o Dia Nacional da Aviação Agrícola e deu ao País uma das ferramentas mais eficientes e seguras

Publicado em: 30/09/22, 
às 06:41
, por IBRAVAG

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Pelotas, 1947. Dias atipicamente quentes no inverno do Cone Sul do continente americano haviam trazido, pelo segundo ano consecutivo, nuvens de gafanhotos até abaixo do paralelo 28 da Argentina. Fenômeno comum no território argentino, registrado desde os tempos da colônia espanhola. Revoadas em massa de gafanhotos famintos por lavouras (e quase tudo o que fosse verde no meio do caminho) já havia feito surgir no país, ainda no século 19, um serviço especializado em seu controle. Mas novamente os insetos haviam cruzado do Chaco para Santa Fé e entrado na província de Corrientes, costeando a fronteira gaúcha para entrar no Uruguai.

No ano anterior, eles haviam feito o mesmo caminho para invadir o território gaúcho pelo sul e sem resistência. Desta vez, seria diferente.

Era pouco depois das quatro horas da tarde de 19 de agosto (há exatos 75 anos), quando um biplano Muniz M-9 do Aeroclube de Pelotas começou a roncar seu motor Havilland Gipsy Six de 200 hp. No comando, estava Clóvis Gularte Candiota, então com 26 anos de idade, porém um dos mais experientes pilotos da região – “filho” da campanha Dê Asas ao Brasil, que equipou aeroclubes nos anos 40, e veterano dos voos de patrulha na costa gaúcha na Segunda Guerra Mundial. Junto com ele, o agrônomo Antônio Leôncio de Andrade Fontelles, chefe do posto local do Ministério da Agricultura, se preparava para colocar em funcionamento um pulverizador, que ele havia encomendado de um funileiro local e que foi acoplado ao avião. O projeto do aparelho havia sido copiado de publicações estrangeiras. E eles estavam prestes a tentar uma técnica que surgiu 26 anos antes, nos Estados Unidos.

A nuvem de gafanhotos sobre a qual haviam recebido o alerta de agricultores da região acabou interceptada ao final da tarde, na altura do atual bairro Areal – na zona leste da cidade. Os insetos estavam se assentando onde então era uma área rural. Feita a aplicação, Candiota e Fontelles não conseguiram confirmar imediatamente se a operação havia dado certo. “Com o que sabíamos de aviação, e com o que não sabíamos de gafanhotos, pareceu-nos inútil a batalha. E já nos preparávamos para suportar as naturais zombarias dos amigos, quando a tragédia amainasse”, chegou a contar o piloto, em um relato feito 24 anos depois, no primeiro evento de aviação agrícola realizado no Brasil – promovido em São Paulo, pelo Ministério da Agricultura. Porém, no clarear do dia seguinte o sucesso da operação em Pelotas foi confirmado, com a visão dos gafanhotos eliminados.

Sucesso de pioneiros colocou a ferramenta em políticas públicas

FAZENDA IPANEMA: estrutura do Ministério da Agricultura no interior paulista funcionou como uma verdadeira academia, tendo formado mais de 1 mil pilotos em 85 turmas, entre elas, a 28ª, que entre 15 de setembro a 24 de outubro de 1986 teve (em pé, a partir da esquerda): Angelo Ernesto Bove, Milton José da Silva, Luciano Sanchotene Fernandes Lima, Carlos Marquardt, César Augusto Toresan, Teomar Benito Cereta, José Baés Quintana, o engenheiro agrônomo Wellington Pereira Alencar de Carvalho (coordenador) e o instrutor Deodoro Ribas. Agachados: Marcos Lages Scortegana, Ivan Paulo de Carvalho Fontoura, José Renato Vieira Oliveira, Milton Queiroz Carneiro e Alcides Paluan.
Foto: Divulgação/Sindag

As operações ainda seguiram nas semanas seguintes – a praga de gafanhotos entre 1946 e 47 foi uma das maiores da história do País. Pouco depois, Candiota e Fontelles se tornaram sócios na primeira empresa aeroagrícola do País, a Serviço Aéreo Nacional de Defesa Agrícola – Sanda. A empresa prestou serviços de combate a gafanhotos e outras pragas para o governo gaúcho e produtores rurais.

Ela durou até o final dos anos 50, quando Fontelles foi para o Rio de Janeiro e Candiota trocou a aviação pelo comércio e ações sociais. O próprio governo gaúcho acabou assumindo depois o serviço de aviação agrícola para os produtores, a exemplo do que o Ministério da Agricultura fez com a campanha contra a broca-do-café, em São Paulo.

Aliás, foi a campanha nos cafezais paulistas que deu ao País a sua primeira piloto agrícola mulher (e segunda no mundo). A paulista Ada Rogato realizou seu primeiro voo agrícola em 7 de fevereiro de 1948 – um sábado de carnaval, menos de seis meses do primeiro voo de Candiota e Fontelles no Sul. Ela estava a serviço do Instituto Brasileiro do Café (IBC), operando entre os Municípios de Gália, Garça, Marília e Cafelândia. Aos 27 anos, ela era escriturária no Departamento de Defesa Sanitária de São Paulo (que funcionava no mesmo prédio do IBC, que procurava um piloto para a tarefa).

Nessa época Ada já tinha sido a primeira mulher na América do Sul a se tornar piloto de planador (1935), primeira mulher piloto de avião brevetada pelo aeroclube de São Paulo (1936) e primeira paraquedista mulher do Brasil. Para completar, ela havia cumprido no litoral de seu Estado (assim como Candiota havia feito na costa gaúcha) diversas missões de voo de patrulha sobre o mar, durante a Segunda Guerra Mundial – procurando submarinos alemães. Em sua história, ela ainda teria dezenas de outros feitos reconhecidos mundialmente.

Clóvis Candiota faleceu em abril de 1976 e, em abril de 1989, tornou-se Patrono da Aviação Agrícola. Isso pelo Decreto-Lei 97.699, que também oficializou o 19 de agosto como Dia Nacional da Aviação Agrícola. Ada faleceu dez anos depois, quando era diretora do Museu da Aeronáutica, da Fundação Santos Dumont, em São Paulo. Até hoje considerada a maior heroína da aviação brasileira.

CERTIDÃO DE NASCIMENTO

Com a maior aposta na ferramenta aérea, nos anos 1960 também começaram a surgir novas empresas de aviação agrícola. E foi então que o setor começou de fato a ser organizado, a partir de um trabalho conjunto entre os Ministérios da Agricultura e da Aeronáutica. Primeiro, com a criação dos Cursos de Aviação Agrícola (Cavag), pelo Decreto nº 56.584, de 20 de julho de 1965. Trabalho que teve a atuação direta do então major aviador Marialdo Rodrigues Moreira, mais tarde cedido do Ministério da Aeronáutica para a pasta da Agricultura e nomeado, em 1966, para dirigir a então recém-criada Divisão de Aviação Agrícola (DIAV).

O primeiro Cavag foi realizado em 1967, na Fazenda Ipanema – uma área do Ministério da Agricultura no atual município de Iperó, São Paulo. Em 1969, o Ministério da Agricultura criou também os cursos de Coordenadores e de Executores em Aviação Agrícola (CCAA e CEAA), para qualificar, respectivamente, agrônomos e técnicos agrícolas para atuarem nas operações aéreas em lavouras. Ambos também ministrados na Fazenda Ipanema. Local, aliás, que foi o berço da formação dos profissionais do setor até 1991, quando foi fechado e os cursos passaram para a iniciativa privada por delegação do Mapa.

Primeira operação aeroagrícola foi com um avião nacional

LINHA DE PRODUÇÃO: Modelo M7, antecessor do avião que marcou o início da aviação agrícola, sai da linha de produção da fábrica em 1936

O biplano Muniz utilizado na primeira operação aeroagrícola no Brasil era um avião de fabricação nacional. O M-9 era uma variante mais moderna do Muniz M-7, por sua vez, a primeira aeronave produzida em série no Brasil. Os biplanos foram projetados pelo então major do Exército Antônio Guedes Muniz. O M-7, o pioneiro, teve seu primeiro voo em 17 de outubro de 1935.

Com bom rendimento e resistência, os Muniz eram aparelhos de treinamento e foram vendidos primeiro para a Escola de Aviação Militar. Depois, a produção começou a ser direcionada para aeroclubes. A fabricação estava a cargo da Fábrica Brasileira de Aviões, fundada em 1934 pelo industrial Henrique Lage, no Rio de Janeiro. A empresa foi a primeira fábrica de aviões instalada no Brasil. Ela mudou de nome depois para Companhia Nacional de Navegação Aérea (CNNA) e encerrou sua produção em 1948. Até 1951 ainda se manteve no ramo de manutenção, antes de fechar definitivamente as portas.

Depois desse episódio, outro fato marcante para o setor aeroagrícola nacional foi o surgimento do avião Ipanema, que voou pela primeira vez em 1971. Mais de cinquenta anos depois, o modelo está em sua sétima geração – prometendo a oitava para 2023 (anunciando novidades na manutenção das asas). Além disso, o avião, que foi batizado em homenagem à antiga Fazenda Ipanema, representa 55% da frota aeroagrícola nacional – que tem cerca de 2,5 mil aeronaves e é a segunda maior do planeta.

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