Nenhuma cultura no brasil ganhou mais destaque com os reflexos econômicos da pandemia do novo coronavírus em 2020 quanto o arroz. Ao menos até esse início do último quadrimestre do ano. O cereal em casca passou de 45 reais a saca de 50 quilos no começo de 2020 para mais de 100 reais em setembro. A alta do dólar e o aumento do consumo nos lares foram o tempero que provocou o barulho. Com as famílias se deslocando menos e a renda caindo, a busca foi por alimentos de fácil preparo em casa e de cardápio básico. Com o auxílio emergencial para as famílias de baixa renda, essas também investiram em garantir arroz no prato.
Some-se a isso o aumento da procura internacional pelos produtos brasileiros (mais baratos lá fora pela desvalorização do real). Pesando aí também a qualidade do arroz brasileiro. Além de certificação de origem, o cereal também foi testado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como livre de resíduos químicos. Isso, em grande parte, pelo emprego da tecnologia aeroagrícola, já que se trata de uma cultura altamente dependente do trato aéreo. O caso é que, de repente, os 11,18 milhões de toneladas produzidas pelo Brasil na safra 2020/2021 – Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – começaram a parecer pouco. Sendo o mercado sensível à lei da oferta e da procura e a receios de todo o gênero, veio a explosão nos preços e o medo de faltar o produto nas prateleiras dos supermercados.
De acordo com o diretor de Negócios Internacionais da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Mário Pegorer, os estoques do cereal são os mais baixos da história. Assim, alertado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) solicitou a retirada da Tarifa Externa Comum (TEC) como forma de garantir o abastecimento e conter a alta dos preços do grão, principalmente na gôndola do supermercado.
A decisão é válida até 31 de dezembro deste ano, restrita a 400 mil toneladas do cereal de países de fora do Mercosul, onde a taxa já é zerada. A decisão, que vale desde 9 de setembro, veio na contramão da votação, com 16 votos contrários e seis favoráveis à retirada da TEC na reunião de 1º de setembro da Câmara Setorial do Arroz, no próprio Mapa. Participaram representantes dos produtores, indústrias, cooperativas e governo. Pesou, no fim das contas, o medo da alta na cesta básica do brasileiro, por parte do governo.
A medida pegou de surpresa entidades como a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) – veja na entrevista mais adiante. O Estado gaúcho reponde por cerca de 70% do arroz produzido no país.
Discussão envolveu a Frente Parlamentar da Agropecuária
O presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) no Congresso Nacional, deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS), conta que o alerta vermelho do preço do arroz ocorreu quando a saca chegou a bater os 130 reais. Daí, houve movimentação também no parlamento. “Primeiro, conversamos com os produtores e entidades organizadas, para que fossem liberando o produto para não permitir que os preços subissem muito.” Paralelamente, a conclusão do governo foi de que arroz a mais de 120 reais significaria uma tomada de medidas.
“E porque o preço de 120? Porque o arroz da Tailândia chegaria aqui a esse preço”, explica o parlamentar. Segundo Moreira, a autorização para importação sem a TEC foi para 400 mil porque esse seria, em tese, o volume necessário para abastecer o mercado interno até o final do ano. Mas vai haver importação? “Provavelmente não”, aposta o presidente da FPA. “Primeiro, porque leva 60 dias para o produto chegar no Brasil. Além disso, o arroz de fora não tem a qualidade do nosso.” Para completar, Moreira lembra que o preço do dólar já faria com que o produto importado chegasse acima dos 120 reais a saca, segundo o teto de viabilidade estimado pelo governo. Além disso, no final de janeiro começa a entrar no mercado o arroz de Santa Catarina – segundo maior produtor nacional.
Para o líder da FPA, a aposta é de que nos próximos anos o arroz continue com preço bom para o produtor. Para o consumidor, provavelmente haverá retração, mas não como antes, já que a procura externa deve continuar alta. “Temos uma série de países interessados em comprar o nosso arroz. Visitamos outros países e acertamos com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) a colocação do arroz brasileiro em todas as feiras alimentares do mundo.” Segundo Moreira, isso representa um mercado em potencial para 4,5 milhões a 6 milhões de toneladas. Bem mais do que as 1,15 milhão de toneladas do cereal exportadas de janeiro a agosto deste ano, segundo dados do Ministério da Agricultura.
“Mas nós não temos esse arroz. Por mais que se produza para o ano que vem, a tendência é se conseguir aumentar a produção em no máximo 15%.” O caminho aí seria investir em infraestrutura e em ações como o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, previsto no Projeto de Lei 4199/20, que tramita na Câmara dos Deputados. A iniciativa visa a reduzir o custo do transporte de mercadorias no Brasil apostando no meio marítimo entre os portos nacionais. Com estimativa, em alguns casos, de baixar em 40% o custo do transporte no comparativo com o meio terrestre.
Além disso, Moreira lembra que o preço mais atrativo do arroz deve fazer o cereal ganhar importância também em outros Estados. Tanto no produto irrigado quanto sequeiro. “Arroz a 50 ou 60 reais a saca não é viável porque qualquer outra produção rende mais. Mas a 70, 80 reais ou mais a saca é viável em muitos lugares do País.” Com a demanda em alta, isso representa espaço para muitos estados incrementarem sua produção sem que a maior oferta torne a inviabilizar os preços para produção.
Irga: 80 anos gerando variedades de alta produtividade
Segundo a Conab, das 11,18 milhões de toneladas na safra 2020/2021, 7.866,9 milhões de toneladas foram colhidas no Rio Grande do Sul (veja o mapa na página 23). Não por acaso, já que há oito décadas a vocação orizícola local está intimamente ligada ao Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). Criado em junho de 1940, o Irga não só contribuiu para tornar o Estado o maior produtor de arroz do Brasil, como também elevou o País a um importante player no mercado internacional do grão.
Focada no desenvolvimento de uma agricultura com sustentabilidade ambiental, econômica e social, a instituição teve suas variedades genéticas presentes em 60% das lavouras gaúchas. O que levou o Estado a uma média recorde de 8.401 quilos de arroz por hectare na safra 2019/2020. Fator de orgulho para os profissionais da autarquia, segundo seu diretor-técnico, o engenheiro agrônomo Ivo Mello. “O instituto logrou disponibilizar um acervo técnico/científico que nos proporcionou alçar níveis de produtividade invejáveis comparados a outras regiões produtoras de arroz no planeta. ”Em outras palavras, um tema de casa feito com esmero”.
MELHORAMENTO
Das primeiras variedades adaptadas de outras regiões e clima, no final da década de 1970, o instituto desenvolveu um tipo de arroz agulha. O melhoramento teve como base a mudança de hábito do consumidor brasileiro que passou a preferir o grão longo e fino, incentivando a semeadura das variedades americanas, como a Bluebelle.
Com o fortalecimento do programa de melhoramento genético do Irga, por meio da parceria com o Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), o Instituto lançou a variedade BR IRGA 409, até hoje a mais semeada por causa de sua qualidade industrial. De acordo com Mello, antes da revolução verde (movimento que se expandiu a partir dos anos 1960), a maioria das variedades antigas que já levavam o nome do IRGA (EEA 406, por exemplo) tinham grãos longos e grossos ou curtos, como o cateto. Nesses dois casos, o grão cozido ficava pegajoso.
A pesquisa visando à maximização da produtividade a partir da melhoria genética, considerando que a última variedade lançada foi a IRGA 431 CL, fez com que a instituição colocasse no mercado, nos últimos 50 anos, mais de 32 variedades. Mello lembra que algumas delas têm as versões convencional e CL (Clearfield, significa campo limpo e é uma variedade tolerante a herbicidas do grupo das imidazolinonas). Somado a isso, a transferência de tecnologia, como os projetos 10 e 10+, implantados no início do século, permitiu ao Brasil ter excedente de arroz.
Instituição gaúcha é referência internacional
O Irga se mantém com recursos próprios, provenientes da Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura (CDO). A contribuição, regulamentada em lei, é paga por importadores, beneficiadores e exportadores do arroz em casca e em qualquer estágio de industrialização. A instituição conta com a Estação Experimental do Arroz, com 180 hectares no município de Cachoeirinha, além de seis Coordenadorias Regionais e Núcleos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Nates) em 41 municípios. O Instituto tem ainda campos experimentais regionais em Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Cachoeira do Sul (junto à Barragem do Capané), Palmares do Sul (na Granja Vargas), Camaquã e Torres.
A instituição já se tornou referência internacional em tecnologia orizícola, recebendo seguidamente técnicos e delegações de diversos países – de quase todos os continentes. A entidade também é parceira da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Abertura Oficial da Colheita do Arroz e Grãos em Terras Baixas no Rio Grande do Sul.
O evento anual terá em 2021 sua 31ª edição, de 9 a 11 de fevereiro, na Estação Experimental Terras Baixas, da Embrapa Clima Temperado, em Capão do Leão, no Sul do Estado. Dos 9 hectares da área do evento, 5,8 hectares estão sendo preparados com lavouras experimentais de arroz, soja, milho e pastagens. Entre as opções orizícolas, estão, claro, variedades do Irga.
Ferramenta imbatível em qualidade
O cereal (oryza sativa) originário da Ásia chegou ao Brasil nas diferentes ondas de imigração no século 19, como forma de garantir a segurança alimentar das famílias que se estabeleceram no Brasil. O arroz se tornou um negócio promissor para os gaúchos somente a partir do início do século 20. As condições ambientais favoráveis combinadas com a genética introduzida e com mercados ascendentes proporcionaram as condições ideais para o desenvolvimento das lavouras. Segundo Ivo Mello, a disponibilidade de solos planos e recursos hídricos favoreceram os empreendimentos. “Eles passaram a atender a mercados em outras partes do País e eventualmente fora do Brasil”, ressalta o diretor-técnico do Irga.
A partir dos anos 50 veio o “casamento” com a aviação agrícola, hoje ferramenta fundamental para o setor. Para Mello, a pulverização aérea é imbatível na qualidade das aplicações de produtos fitossanitários nos arrozais, pelas características da área plantada, com taipas e quadros inundados que dificultam as aplicações com equipamentos terrestres. O agrônomo ressalta que o timing é o principal benefício da aviação agrícola. Mas ele destaca que é fundamental atenção ao planejamento, para garantir a segurança.
Investimentos em sanidade e segurança
Para o engenheiro agrônomo Fernando Hoerbe, da Agropecuária Harmonia, em Cachoeira do Sul, a reestruturação da lavoura de arroz gaúcha requer também grandes investimentos em equipamentos, tecnologia digital, infraestrutura de lavoura e benfeitorias. “Não há mais espaço para amadorismo, em todos os segmentos envolvidos: funcionários capacitados, equipamentos em perfeito funcionamento, insumos de qualidade e prestação de serviço de alto nível”, enumera. Apesar do Estado ser, segundo ele, a “região do planeta com condições edafoclimáticas para produzir o melhor arroz longo fino do mundo”, Hoerbe lembra que a alternância da cultura com outras atividades é importante para segurança financeira do produtor. “Cultivares de alta qualidade e produtividade, rotação de culturas, integração lavoura pecuária.”
Coincidentemente, a Agropecuária Harmonia fica no município considerado Capital Nacional do Arroz, por seus laços históricos com a cultura. Hoje, segundo Hoerbe, as técnicas de instalação e manejo da lavoura permitem semear na melhor época: tratamento de sementes com inseticida e fungicida, drenagem perfeita, piso de resteva de soja ou preparo antecipado do solo. Sem falar na taipa de base larga – que permite o trânsito e a semeadura sobre ela, dessecações sequenciais, aplicação de herbicidas pré e pós-emergência da cultura (terrestre ou aérea), distribuição de fertilizantes de cobertura (terrestre e aérea), antecipação da irrigação, controle de pragas e doenças com pulverizações aéreas e controle da irrigação.
“Para lembrar, há 20 anos, pulverizávamos 10 litros por hectare de produto químico. Hoje precisamos de muita qualidade para distribuir 50 gramas/por hectare em cada centímetro quadrado, para não termos risco de fitotoxicidade ou ineficiência de resultado”, destaca, referindo-se à segurança exigida na produção. “Já na colheita, oportunizamos realizá-la em solo estruturado para facilitar as tarefas do uso da várzea no pós-colheita, como drenagem, implantação de forrageiras e pastoreio. Drenagem pré-colheita, colheita no “ponto”, recepção, limpeza, secagem e armazenagem próprias são pré-requisitos para manter a qualidade da produção e desenvolver estratégias de comercialização.
Segundo maior produtor nacional, SC busca espaço
A safra de arroz 2019/2020 de Santa Catarina alcançou a produtividade de 8,1 toneladas por hectare, de acordo com a Estimativa de Safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de setembro. Dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural no Estado (Epagri) apontam que a colheita média por hectare chegou a 8,391 toneladas. Números que refletem a adoção de práticas de manejo e o desenvolvimento de pesquisas que garantam o melhor rendimento da planta. Uma necessidade quando se observa que o segundo maior produtor de arroz do país carece de espaço para ampliar a lavoura.
“Todas as áreas destinadas ao cereal já estão sendo cultivadas”, conta o coordenador estadual do Programa Grãos, com especialidade em arroz e recursos hídricos, na Epagri, Donato Lucietti. Segundo ele, a produção catarinense está calcada em pequenas propriedades. Então, o agricultor precisa aumentar a produtividade por hectare para ampliar sua margem de lucro e manter a atividade.
Por conta disso, o departamento Genética e Melhoramento de Arroz Irrigado da Epagri, na Estação Experimental de Itajaí, vem trabalhando no sentido de garantir ao pequeno produtor valor agregado ao seu produto. Além do desenvolvimento de variedades que suportam melhor o processo de parboilização, também vem preparando cultivares de arroz especial.
A gerente da unidade, Ester Wickert, conta que em 2013 foram lançadas a SCS 119 Rubi, para arroz vermelho, e a SCS 120 Ônix, que é uma cultivar de pericarpo preto. Em 2019, outra cultivar chegou ao mercado: a SCS 123 Pérola, que, como diz o nome, é um grão mais arredondado, mais fosco, próprio para risoto. Enquanto a maior parte da produção catarinense é destinada à parboilização, isto não quer dizer que não possa ser beneficiado como arroz branco ou integral, de acordo com a engenheira agrônoma, as variedades especiais não chegam a 2% da área cultivada. Ela estima que, em todo o Brasil, não deve ultrapassar 5% do total plantado. Ester observa ainda que o plantio começou a aumentar há cerca de cinco anos. “Até 20, 30 anos atrás, conhecia-se o arroz agulhinha e só. Era o que se comia. A partir do momento que as pessoas tiveram acesso à informação, veio a demanda por esses produtos”, observa.
Projeto piloto utiliza drones na pulverização de lavouras
Junto ao desenvolvimento de sementes que garantam ganhos de produtividade, o manejo também faz parte da cadeia produtiva do arroz. E sem perder o foco na sustentabilidade ambiental. Em Santa Catarina, a estrutura fundiária com propriedades menores e com zonas ambientalmente sensíveis restringe o uso de aeronaves agrícolas em boa parte do Estado. Apesar da aviação ser a única ferramenta regulamentada e fiscalizada, com uma série de protocolos de pulverização para garantir segurança contra deriva e contaminação.
A situação levou os produtores rurais, especialmente nas áreas menores, a se valerem da aplicação terrestre. Porém recentemente são os drones que vêm ganhando espaço nas propriedades, por meio de projetos como a Unidade Piloto de Proteção de Cultivos com Drones da Cooperativa Agroindustrial Cooperja, de Jacinto Machado (SC), em parceria com a empresa Agrize Tecnologia Agrícola. Inicialmente um projeto-piloto, enquanto a ferramenta remota aguarda regulamentação do Ministério da Agricultura (veja na página 9), trata-se de “um caminho sem volta”, segundo avalia o CEO da Agrize, Igor Luduwichack.
Opinião compartilhada pelo engenheiro agrônomo Jordanis Hoffmann, do Departamento de Tecnologia da Cooperja. Conforme Hoffmann, o projeto experimental na safra 2019/2020 pulverizou um total de 600 hectares e já iniciou um novo ciclo de aplicações na safra 2020/2021. Contratos que devem crescer a partir da satisfação de quem já usou o serviço na safra e que devem encontrar novo cenário a partir da consolidação do ambiente regulatório.
Já no sul do Estado catarinense, a aviação atua em áreas de maior extensão, mas já foi mais presente. De acordo com o extensionista rural da Gerência Regional da Epagri em Tubarão, José Cerilo Calegaro, a retomada da aviação agrícola na região traria um incremento muito grande para as lavouras de arroz. “Principalmente pela rapidez nas aplicações”. Quem atua ali é o empresário Paulo Cezar Araújo dos Santos, da Aeroagrícola São Miguel, que planeja agregar avião e drones para recuperar espaço.
Santos trabalha na região desde 1995. Já manteve três aeronaves para atender os orizicultores do Sul catarinense, porém hoje atua apenas com uma equipe e uma aeronave na base de Tubarão – os outros quatro aviões ficam na base de Capão da Porteira, no Rio Grande do Sul. Ele já comentou com o filho, que estuda Ciências Aeronáuticas na PUC/RS, em Porto Alegre. “O drone pode ser uma coisa que vá nos ajudar, mas não vai tomar o espaço do avião. Será complementar.”
Ele conta que tem clientes que cultivam áreas superiores a 700 hectares. “Um cliente chega a 1,2 mil hectares em Tubarão e tem outra lavoura em Imbituba de 600 hectares. Outro, planta 1,1 hectares em uma área só.” Segundo ele, com avião dá para voar lavouras de 20 hectares. “Menos que isso, torna-se inviável”, observa. É aí que deve entrar o equipamento remoto.
Tocantins espera triplicar área plantada até 2030
Terceiro maior produtor do Brasil, Tocantins contabilizou 687,4 mil toneladas de arroz em casca em 131,6 mil hectares na safra 2019/2020, conforme levantamento da Conab. A expectativa é quase triplicar a área ocupada pela orizicultura até 2030. De acordo com o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, o agrônomo Daniel Fragoso, há expectativa de ampliação da área plantada para até 300 mil hectares. Isso nos cerca de 1,2 milhão de hectares aptos para a produção do cereal nas planícies do Vale do Rio Araguaia.
Tudo na carona dos preços atrativos do mercado, com incremento, inclusive, na produção em terras altas – o chamado arroz de sequeiro. Variedade que teve redução em relação à safra 2018/2019, quando ocupou 12,9 mil hectares (na última safra foram plantados 11,8 mil hectares). Nesse caso, as boas perspectivas são validadas pelas novas variedades – BRS A501 e a BRS 502, lançadas neste ano pela Embrapa para áreas em que a planta é suprida apenas com água da chuva.
Confirmando-se esse cenário, a orizicultura chegaria a um patamar competitivo com outras culturas mais atrativas para os produtores do Estado, como a do milho. “Mesmo assim, são nas áreas próprias para o plantio de arroz irrigado, região sudoeste do Tocantins, que prospectamos uma maior ampliação da área plantada”, observa Fragoso.
Um campo literalmente fértil para quem oferece soluções voltadas à sustentabilidade ambiental na orizicultura. E a aviação agrícola está dentro desse contexto, já que no Tocantins as propriedades são principalmente de grande e médio porte. “Há produtores que chegam a plantar até 10 mil hectares”, exemplifica o pesquisador da Embrapa. Cenário onde a pulverização aérea acaba sendo amplamente usada, tanto pela eficiência quanto pela regulamentação e controle rígidos de qualidade e segurança.
Para Fragoso, o próprio quadro de pandemia no mundo torna necessário cada vez mais a adoção de práticas sustentáveis na produção do arroz. Isso, por conta, principalmente, de um mercado consumidor ainda mais atento à qualidade sanitária dos alimentos que ingere. “A gente está vendo que se não forem buscados os selos ou certificações de qualidade, o produtor pode ter entraves para a comercialização de seus produtos.” E aí, segundo ele, a pesquisa tem atuado no sentido de buscar essas soluções e novas tecnologias que contribuam para uma agricultura sustentável.
Operadores aeroagrícolas, somente os legalizados
O produtor rural Vicente Ceolin, que há 32 anos tem lavoura de arroz irrigado em Lagoa da Confusão, considera a pulverização aérea essencial. “Aqui a gente tem problemas com doenças na planta e, depois de 30 ou 40 dias da semeadura, quando as terras já estão inundadas, a aplicação de defensivos agrícolas precisa ser feita por avião. Se coloca o Uniport (pulverizador terrestre autopropelido), ele atola. Não tem jeito”, diz o agricultor, lembrando que só contrata empresas com documentação em dia. “Se não for regulamentada nem trabalha, afirma Ceolin, que começou a preparar o solo em setembro, para o arroz ser plantado em meados de outubro, dependendo das chuvas. Conforme a diretora da Precisa Aeroagrícola, de Lagoa da Confusão, Hoana Almeida Santos, um grande problema é que há operadores aeroagrícolas clandestinos disputando o mercado com as empresas legalizadas – quase sempre pilotos que adquiriram aviões agrícolas, mas não abriram suas firmas. Isto é, gente voando fora do radar das autoridades reguladoras e “vandalizando o mercado”, segundo expressa a empresária.
Diretora do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), Hoana conta que a orientação da entidade é que esses operadores legalizem seu negócio. A ideia é garantir ao produtor a segurança de que a aplicação está sendo feita dentro das exigências legais, de forma segura e com qualidade de cobertura da planta. Ao mesmo tempo, o Sindag também tem solicitado ao Ministério da Agricultura maior fiscalização para punir quem não cumpre a lei.
A legislação sobre aviação agrícola é bastante ampla, obrigando as prestadoras de serviço à contratação de profissionais qualificados – piloto, engenheiro agrônomo, técnico agrícola com especialização e mecânico certificado. Além de exigir local para descontaminação de aeronaves (com tratamento de resíduos) e relatórios pormenorizados de cada operação. “Quem é clandestino não investe nesses cuidados e aproveita para voar a preços muito abaixo do mercado”, completa Hoana.
Sudoeste do Estado se transforma em polo agrícola
“Os investimentos em arroz têm crescido muito.” A afirmação do superintendente da Associação dos Produtores Rurais do Sudoeste do Tocantins (Aproest), Wagno Milhomem, refere-se à organização do polo agrícola de Lagoa da Confusão. Com a ampliação de silos, armazéns e locais de secagem, transformando o município em uma referência na orizicultura do país. Tanto que a Aproest, criada em 2017, já ocupa cadeira própria na Câmara Setorial do Arroz do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). E não é para menos: a entidade congrega os municípios de Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão, Cristalândia, Dueré e Pium, que concentram 96% da produção do cereal no Estado, conforme dados da Conab de 2019.
Se por um lado a cadeia produtiva do arroz ganha forças por outro lado a atenção sobre a sustentabilidade ambiental do negócio aumenta. Tanto que a Aproest tem auxiliado os produtores a manterem compromisso nesse sentido junto a entidades como o próprio Ministério Público Estadual, especialmente, no que diz respeito aos cuidados com os recursos hídricos. Problema, aliás, que não chega a afetar as lavouras de arroz, que se desenvolvem durante o período chuvoso. De acordo com Milhomem, a entidade tem investido forte também na conservação das áreas de preservação permanente (APPs), especialmente matas ciliares, e tudo que envolve à produção rural sustentável.
Mas ele sabe que, quando se fala em agronegócio, há outros gargalos. Um deles é a resistência da sociedade em relação ao uso da aviação agrícola. A ferramenta embora regulamentada, eficiente e segura, sofre com o preconceito gerado pela falta de conhecimento. Mesmo assim, o superintendente é taxativo: “a aviação permanece atendendo às lavouras. É importante para a produção.”
No Mato Grosso, arroz ainda serve para abrir caminho à soja
O Mato Grosso, que já foi o segundo maior produtor de arroz do país, hoje ocupa a quarta posição no ranking nacional, com uma colheita de 404,8 mil toneladas em uma área de 118,7 mil hectares. A Estimativa de Safra 2019/2020 da Conab divulgada em setembro reflete a opção dos agricultores do Estado pelo plantio de soja, milho e algodão. O cereal, que tem a capacidade de corrigir a acidez do solo, entrou na planilha do agronegócio mato-grossense para abrir área para as culturas que garantem maior rentabilidade. É neste contexto que a Garra Aviação Agrícola, de Primavera do Leste, já está contratada para pulverizar uma lavoura de 1 mil hectares do grão.
Segundo o diretor da empresa aeroagrícola, Ticiano Tomazi Bürgin, o produtor pretende abrir 5 mil hectares, plantando a cada ano 1 mil hectares de arroz, para no ano seguinte já entrar com a soja. Para a superintendente da Regional da Conab Mato Grosso (Sureg-MT), a engenheira agrônoma Francielle Tonietti Capilé Guedes, há expectativas de que a produção de arroz se intensifique na próxima safra diante da valorização do grão na safra 2019/2020. Mas, para ela, o momento é de observar. “Apesar do aumento do preço, não há certeza que o produtor vai realmente optar pelo arroz ou pela soja e pelo milho.”
Mesmo com a redução da área plantada em 214 hectares em 2019/2020 em relação à safra anterior, Mato Grosso aumentou a produtividade no ciclo agrícola que está se encerrando: passou de 3.196 quilos por hectare para 3.410 quilos por hectare, um aumento de 6,7%. Francielle destaca, que mesmo com a redução do plantio, o Estado produz mais do que consome e o excedente acaba abastecendo Estados do Norte do Brasil – principalmente Acre e Pará.
Estado volta a exportar por conta da Covid-19
De acordo com o presidente do Sindicato Estadual das Indústrias de Arroz no Estado de Mato Grosso (Sindarroz- MT), Rodrigo Santos Mendonça, o Estado voltou a exportar neste ano para a Bolívia, por conta da pandemia do novo coronavírus. Mesmo assim, a indústria de beneficiamento de arroz se ressente da situação. Mendonça acompanhou o apogeu e o declínio da lavoura orizícola mato-grossense e acredita que a situação vivida hoje se deve ao desmantelamento da cadeia produtiva do arroz com a abertura da importação do cereal de países do Mercosul sem nenhuma restrição. Essa inundação do arroz de fora fez com que os preços pagos aos produtores caíssem muito, fazendo com que as terras destinadas ao cereal fossem ocupadas por soja, milho e algodão. Com isso, a indústria também precisou enxugar.
Mesmo com o cenário complicado, principalmente neste ano, Mendonça acredita que 2021 será positivo para todos e que ninguém precisa ter medo do desabastecimento. “Tem pouco arroz? Tem, mas não vai faltar. A única coisa é que está caro.” Completando a afirmação, Mendonça afirma que no Mato Grosso a indústria tem arroz para entregar ao supermercado. Quanto ao preço, repete a fala dos produtores. “O arroz estava defasado, deveria estar subindo gradualmente para não ter esse impacto, mas agora subiu de uma vez. Acredito que no ano que vem vai cair um pouco o preço, mas nunca mais vai ser aquele preço de antes.”
Além da venda do grão, a indústria também está atenta ao desenvolvimento e consumo de derivados do arroz, principalmente da farinha, como substituta da farinha de trigo. Mas em mercados, como o matogrossense, o mercado para as novidades ainda é bastante restrito. “Só para ter uma base, o arroz integral representa 1% de vendas na minha empresa”, conta Mendonça. Para ele, o mercado da farinha, em especial para os celíacos, pela ausência do glúten, está crescendo. E não descarta a possiblidade de construir uma nova área para a produção da farinha.