Abertura-Nova

Um defensor incansável da aviação agrícola

Presidente do Ibravag, Júlio Augusto Kämpf acredita na transmissão e produção do conhecimento para a atividade aeroagrícola brasileira ser referência mundial

Publicado em: 10/10/23, 
às 08:14
, por IBRAVAG

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Uma liderança que começou a ser lapidada aos 11 anos de idade, quando foi morar no internato para estudar, o presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola (Ibravag), Júlio Augusto Kämpf, sempre foi um agregador institucional. E levou esse entusiasmo para o campo profissional, tendo participado da estruturação da entidade que preside desde 2018, bem como do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), onde atua desde 1997, incluindo três gestões e meia na Presidência.

A trajetória na aviação agrícola começou por acaso. Ao passar em frente à secretaria do Aeroclube de Cachoeira do Sul/RS, sua terra natal, resolveu inteirar-se sobre o curso de formação de pilotos. Na ocasião, tinha entre 16 e 17 anos. A paixão pela aviação nasceu com a vivência. Decidido a ingressar na aviação agrícola, Kämpf é remanescente do extinto Cavag da Fazenda Ipanema (Iperó/SP), de onde guarda boas lembranças e amizades de uma vida toda.

Defensor da sustentabilidade da atividade, o dirigente entende que o setor é fundamental para garantir a produtividade nacional. Também defende a inclusão da ferramenta nas políticas públicas de controle de vetores e no combate a incêndio. Para que isso ocorra de forma adequada, entende que as pesquisas científicas são fundamentais e espera que sejam alavancadas com a aproximação do Ibravag com universidades e centros de pesquisas.

Processos que, no seu entender, devem vir acompanhados da educação, compreendendo transmissão do conhecimento, comunicação e desenvolvimento de tecnologia, o tripé de sustentação do Ibravag. Somente assim, entende que o setor possa manter o protagonismo de sua história e tornar-se referência para os demais países.

O senhor fez o Cavag (Curso de Piloto Agrícola) na Fazenda Ipanema?

Sim. Isso foi no segundo semestre de 1982. O momento da prova da carteira de piloto agrícola foi bastante tenso, porque estava definindo o meu futuro profissional. – Será que vai dar? E eu estou jogando minhas fichas todas aqui. No fim, já estava no sangue, já estava voando.

O senhor foi aluno do José Carlos Christofoletti e do Deodoro Ribas, duas lendas da aviação agrícola. Como foi esse período?

Foi empolgante. Na época em que cursei o Cavag, quem estava como coordenador do curso era o Christofoletti. Nesse período, o Cenea (Centro Nacional de Engenharia Agrícola, ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa e responsável pelos cursos de formação de pilotos agrícolas, coordenadores de voo e técnico agrícola) estava passando por mudanças. Logo depois que me formei no Cavag, houve uma cedência de área, e o projeto voltado à formação de profissionais para a aviação agrícola foi desmontado lentamente. Eu tive aula com o Christofoletti e com o Ribas. Aprendi muito com os dois. Aliás, os dois professores que eu tive nessa época já receberam a Medalha Mérito da Aviação Agrícola (distinção concedida pelo Sindag). Foi um período de grande aprendizado na Fazenda Ipanema.

Antes de fazer o curso de piloto agrícola, o senhor iniciou as faculdades de Administração de Empresas e Sociologia. Os cursos, embora não concluídos, explicam a sua vocação por agregar institucionalmente durante toda a sua vida profissional?

Sem dúvida nenhuma, trouxe uma certa base, um pouco mais de cultura. Porém, isso começa muito antes da universidade. Eu saí muito cedo de casa. Com 11 anos, estava no internato do Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul/RS, para estudar. Dentro do internato, em uma turma de 80/90 colegas, havia necessidade de ter uma postura firme. Então, uma certa liderança surgiu naturalmente. E, no meu retorno para Cachoeira, fui presidente do grêmio estudantil do Colégio Barão do Rio Branco. Em 1985, já há três anos na aviação agrícola, eu e alguns colegas criamos a Associação dos Pilotos Agrícolas do Rio Grande do Sul, a Aspargs. Na época, existia um outro núcleo aqui no Rio Grande do Sul chamado Associação dos Aplicadores (Assupla), que era dos empresários. As duas entidades sempre tiveram um ótimo relacionamento. Foi uma coisa bem inteligente, porque houve uma evolução do setor como um todo.

Depois, como empresário, embora não tenha participado da fundação do Sindag, o senhor atuou na estruturação da entidade, inclusive da conquista da sede própria?

O Sindag foi fundado em 19 de julho de 1991. Antes era uma federação. E esse sindicato tinha como sede Brasília, mas já funcionava de fato no Rio Grande do Sul, apoiado pela estrutura da Assupla, e no escritório volante (um trailer) do presidente da época, o Euclides de Carli (1993/1995 e 1995/1997). Em 1997, um grupo de operadores aeroagrícolas sentiu a necessidade de trazer a sede da entidade para Porto Alegre/RS. Eu entrei no Sindag em 1997. O presidente, na época, foi o Telmo Fabrício Dutra, grande mentor do setor. Eu lembro que nós, mais o Francisco Dias da Silva, o Kiko, estávamos em Porto Alegre com as caixas de papelão cheias de documentos, procurando um local para guardá-las, pois não tínhamos dinheiro para pagar o aluguel de uma sede. Posteriormente, a gente conseguiu um local com a dona Terezinha Rocha, já falecida, que foi a primeira secretária. Ela tinha uma empresa de contabilidade e prestava serviço para várias aeroagrícolas. Então, tinha muito conhecimento sobre a aviação agrícola. Logo depois disso, entrou a dona Maria Eneida Miguel, também falecida, que começou a dar um apoio para nós. Foram tempos difíceis. Telefone não existia no interior desse Brasil. Tudo era por carta. Esse período foi de consolidação do sindicato, inclusive o estatuto foi revisto.

ENTROSAMENTO: Kämpf, na época presidente do Sindag, aproveita viagem para a Convenção da Associação Norte-Americana de Aviação Agrícola (na sigla em inglês NAAA) de 2018, nos Estados Unidos, para entregar projeto de ações da entidade setorial ao presidente da Air Tractor, Jim Hisch

O senhor, o Carlos Heitor Belleza e o Nelson Antônio Paim foram presidentes do Sindag por três mandatos. Como o senhor avalia esse período?

Eu sempre estive colocado dentro da diretoria do Sindag para colaborar. Eu fui presidente por três gestões mais metade do terceiro mandato de Nelson Antônio Paim (Poxoréu). A minha participação foi contínua, independente de ocupar um cargo na diretoria ou não. Estive na diretoria também do Carlos Heitor Belleza e José Ramon Rodriguez de Rodriguez, que foram grandes presidentes do Sindag. Eles ampliaram as relações com os órgãos governamentais, principalmente, com o Mapa e com o DAC (Departamento de Aviação Civil), hoje Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). No período do presidente Nelson Paim, ocorreu a consolidação dos congressos, que começaram a ampliar a visibilidade do setor, aumentando o número de associados e possibilitando a contratação de profissionais. Eu me lembro que no início, muitas vezes, fazíamos assembleia e não tinha sequer quórum suficiente para assinar a ata. Hoje, é bastante gratificante ver que o Sindag está com 235 empresas associadas, praticamente 90% das empresas ativas do setor no Brasil. É uma satisfação ver o interesse dos operadores colaborando e ajudando o sindicato a crescer. Atualmente, o Sindag tem uma visibilidade muito forte dentro do agronegócio brasileiro. Esse sindicato é reconhecido pelo seu material, pela sua postura, pelos trabalhos que já foram entregues, pela participação dentro da sociedade. Isso é motivo de orgulho para toda a categoria.

O INÍCIO DE TUDO: Depois do primeiro voo solo, em Cachoeira do Sul, o tradicional banho de óleo. Comemoração contou com a presença de seu pai.
Foto: Acervo pessoal

O Ibravag vem como um reforço. Como surgiu o instituto?

O Ibravag tem uma história bastante longa. Havia uma lacuna no Sindag devido à legislação sindical, que inviabilizava a captação de recursos para ampliar o leque de atividades. Ao mesmo tempo, as fazendas começaram a adquirir aeronaves agrícolas para uso dentro da propriedade, os chamados operadores privados, que hoje somam um número significativo dentro do Brasil. Com isso, surgiu a ideia de criar esse instituto, para contemplar a aviação privada e assim, junto com o Sindag, poder abraçar toda a cadeia aeroagrícola. No sindicato, podem se associar as empresas de aplicação com drones e de aeronaves. Já a aviação privada, bem como agrônomos, pilotos, enfim, pessoas físicas ficam sob o guarda-chuva do Ibravag. Instituto que está alicerçado em três pilares – educação, comunicação e desenvolvimento de tecnologia. Estamos trabalhando forte agora na transferência de conhecimento, que consideramos a base da sustentabilidade do setor. Para isso, firmamos em 2022, uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional) e lançamos o BPA Brasil. O programa Boas Práticas Aeroagrícolas é focado na gestão administrativa e operacional das empresas. Outro projeto que estamos desenvolvendo é na área da comunicação com a sociedade. A Revista Aviação Agrícola surgiu, em 2018, para melhorar a nossa comunicação com a sociedade, explicando a eficácia da ferramenta e os métodos adotados. Muitas vezes, a população urbana tem pouco conhecimento do que é o agro como um todo, principalmente do que é a aviação agrícola e seus benefícios. O setor teve a sua imagem, de forma bastante equivocada e prejudicial, associada à intoxicação de pessoas e do meio ambiente. Por sinal, a palavra agrotóxicos só existe no Brasil. Somos acusados de coisas, que, cientificamente, estão comprovadas que não ocorreram. Na audiência pública “Desafios e oportunidades da aviação agrícola no País”, da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento rural (CAPDR) da Câmara dos Deputados, em Brasília, que ocorreu no dia 30 de agosto deste ano, especialistas expuseram que grande parte das acusações se esconde atrás das questões ambientais, quando na verdade são movidas por fatores ideológicos, econômicos e falta de conhecimento científico. O Brasil vai ser o maior produtor e exportador de grãos do mundo, pois é o País que tem água doce e terra para evoluir. Além disso, é o País que tem conhecimento, que tem uma sociedade agrícola forte, com tecnologia de ponta, que cresceu barbaramente nos últimos 30 anos. Um dos grandes incentivadores desse projeto agrícola brasileiro foi o Alysson Paolinelli*. Ele criou a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a agricultura no cerrado. Então, não existe País no mundo com clima tropical que tenha essa produção e esse controle ambiental. Assim, crescemos muito e hoje somos exportadores de tecnologia, tanto embarcada em equipamentos, quanto de aplicação. O mundo está vendo. Inclusive, muitos grupos e universidades começaram a estudar o campo, trazendo uma evolução muito grande para a aviação agrícola. E uma das referências disso é o Brasil.

*Alysson Paolinelli (1936/2023) foi ministro da Agricultura de 1974 a 1979. Ele é o entrevistado da primeira edição da Revista AvAg – agosto de 2018).

RECONHECIMENTO: Presidente do Sindag, Júlio Kämpf, e o ex-presidente da entidade Telmo Fabrício Dutra (ele faleceu em 2010), entregam homenagem à funcionária Maria Eneida Miguel (já falecida) em 2008, durante o Congresso Sindag, na época era o nome do Congresso da Aviação Agrícola, que ocorreu em Foz do Iguaçú/PR

O senhor sempre esteve à frente dessas questões envolvendo novas tecnologias, em busca de uma aviação agrícola mais segura e sustentável. O que motivou o senhor a comprar essas brigas?

Naquele ano que comecei a voar, 1982, já se tinham uma certa tecnologia, mas a gente estava voando quase de uma forma insana. O objetivo era voar muito baixo, tínhamos que quase encostar as rodas da aeronave no chão, e isso acabava sendo perigoso, cansativo, adrenalina sempre lá em cima. Com o passar dos anos, a gente foi vendo que isso não podia dar certo. Era uma coisa muito tensa. Não existia muitas regras, normas, nem de prevenção. Eu sempre busquei por maior rentabilidade do avião e maior segurança operacional e de resultado. Em certo momento, conheci um pessoal da Inglaterra, da Micron Group, e lancei um desafio: “fazer algumas modificações no estilo de trabalho da minha empresa”. Eles aceitaram esse desafio e passaram 30 dias em Cachoeira do Sul, testando e aperfeiçoando equipamentos, bem como fazendo estudos. A equipe me passou muito conhecimento. E esse momento foi muito legal. Voltei a estudar. Eu queria saber cada vez mais sobre aviação, sobre gota, aperfeiçoamento de equipamentos, segurança de voo, maior produtividade da aeronave, como tirar o melhor proveito disso, pois era o momento de uma das várias crises da agricultura. Outros colegas, aqui no Brasil, também estavam buscando gente de fora para ouvir novas propostas e metodologia, e também lançando desafios para os pesquisadores. E a provocação foi positiva. As pessoas começaram a se mexer com mais rapidez e viram que precisavam evoluir nisso. E hoje o Ibravag tem esse papel de aproximar a aviação agrícola das universidades e dos centros de pesquisas para que surjam novos nomes dentro do Brasil com conhecimento de tecnologia de pulverização.

TRANSPARÊNCIA: Presidente do Ibravag, Júlio Augusto Kämpf é um defensor da pesquisa científica e comunicação com a sociedade urbana para derrubar mitos e preconceitos contra a aviação agrícola.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Uma das suas bandeiras foi a inserção da aviação agrícola nas políticas públicas de controle de vetores, tendo como base o sucesso da aplicação de 1975 no litoral paulista. O que falta para essa ideia se tornar realidade?

Nós temos que pensar que o controle de vetores está na nossa Legislação como uma prerrogativa da aviação agrícola. Logicamente, eu não participei desse projeto em 1975, mas o meu mentor Eduardo Cordeiro de Araújo estava na coordenação do programa na Baixada Santista, e o José Carlos Christofoletti também atuou nessa operação, que envolveu várias instituições do Estado de São Paulo. Era o combate ao mosquito Culex, que transmitia a encefalite. Esse trabalho foi pioneiro aqui no Brasil e teve êxito. Tudo está bem documentado cientificamente, no entanto, o assunto ficou esquecido. Eu retomei esse debate com o engenheiro agrônomo Eduardo Cordeiro de Araújo (ex-piloto agrícola, ex-empresário, é uma das personalidades mais influentes da aviação agrícola brasileira e conselheiro do Sindag e do Ibravag) por volta de 2002/2004. Durante vários anos, nós conversamos com várias instituições, principalmente com o Ministério da Saúde. Infelizmente, não houve uma boa receptividade. Depois, no governo do Michel Temer, foi sancionada a Lei 13.301/2016, que permite a utilização da aviação agrícola em epidemias, desde que comprovada cientificamente a sua eficácia e autorizada por autoridade competente. Bom, nesse caso, a autoridade competente é o Ministério da Saúde e, para comprovar cientificamente, precisamos fazer pesquisa. Desde então, tentamos firmar parcerias com universidades, com a Embrapa, com as mais diversas instituições para realizarmos uma pesquisa científica sobre controle de vetores e criar um protocolo nacional para casos de emergência a exemplo do que foi feito para o combate a gafanhotos e entregue ao Ministério da Agricultura graças ao empenho do Sindag. Insisto na elaboração de um protocolo, pois o documento deixa claro como será a operação, quais tecnologias usar, quais os equipamentos mais eficazes, quais as entidades que serão envolvidas na operação e, também, qual entidade fará o controle dos números, ou seja, registrará a eficácia dos trabalhos que são realizados.

HISTÓRIA: Nelson Antônio Paim, Thiago Magalhães Silva e Júlio Augusto Kämpf posam para foto após receberem distinção em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao Sindag. A entrega da placa ocorreu durante o Congresso da Aviação Agrícola 2022, em Sertãozinho/SP.
Foto: Graziele Dietrich/C5 NewsPress

Neste ano, o senhor participou do 18º Workshop de Vigilância de Arbovírus e Controle de Mosquitos de Saint Agustine, em março, promovido pelo Distrito de Controle de Mosquitos de Anastasia (AMCD, sigla em inglês). Como foi esse encontro?

Eu tive a oportunidade de participar desse encontro, onde durante três dias, de 20 em 20 minutos, trabalhos científicos sobre controle de vetores de todo o mundo eram apresentados. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos estuda-se controle de mosquitos dentro do deserto do Arizona, a própria marinha americana (United States Navy) tem grandes estudos sobre repelentes – no primeiro momento até achei engraçado isso –, mas depois percebe-se que é possível perder uma guerra por causa de uma infestação de pulga ou por causa da sarna dentro de um porta-aviões que fica em alto-mar por longos períodos. Aí que eu vi a magnitude desse trabalho que o exército também faz para controlar doenças transmitidas por vetores. Foram apresentadas muitas pesquisas produzidas no Vietnã, Tailândia, Oriente e, também, nos Estados Unidos. A sociedade norte-americana não aceita mosquitos e exige que o Estado intervenha quando começa a proliferação do inseto. Na América Central, vários países usam a aplicação aérea no controle de vetores, como a ilha de Trinidad Tobago, Cuba, México. E a população chama o poder público para esse controle. E tem controle público e privado também. É muito interessante a preocupação que eles têm com isso e o investimento que fazem. Lamento que o Brasil não esteja avançando nessa questão de saúde pública tão importante. Embora, conforme relatório do Ministério da Saúde, em 2019, foi registrado mais de 5 mil casos de microcefalia por causa da Zika (doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti). Esse número deve ter aumentado. Além da doença, houve mortes.

O senhor, inclusive, defende o uso de produtos biológico no controle de vetores?

Hoje, tem vários tipos de aplicação, várias tecnologias que podem ser usadas. Temos inclusive produtos biológicos que poderiam fazer a prevenção de uma epidemia. Lembro que quando usamos biológicos sempre vamos atingir a larva. Para combater o inseto adulto, somente o químico, chamado adulticida, é eficaz. Claro, que são produtos autorizados e produzidos dentro das especificações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Eu não vejo o País trabalhar em cima de uma proposta preventiva. A própria Embrapa, por meio do Cenargen*, desenvolveu alguns produtos biológicos para o controle de larvas e não conseguimos que o Ministério da Saúde fomentasse uma pesquisa científica sobre esse produto. Se negar a fazer pesquisa científica é uma coisa que até hoje eu não entendo. A adoção de um protocolo de controle aéreo de vetores, ao meu ver, poderia ser desenvolvido em três etapas fundamentais: primeiro, conscientizar a população da importância de fazer a sua parte para evitar a proliferação dos vetores; em segundo lugar, o Estado fazendo a sua parte, que começa pelo saneamento básico; e em terceiro lugar, o Estado desenvolvendo políticas públicas de controle de vetores, utilizando aplicações preventivas de larvicidas e em caso de epidemia, adulticidas, por meio da aviação agrícola. Os resultados de pesquisas do mundo inteiro arquivadas pelo Ibravag demonstram a eficácia da ferramenta. Outros países usam helicóptero, aviões e equipamento terrestre para controlar o inseto. Aqui, no Brasil, as aplicações aéreas também seriam adequadas, principalmente pelo número de terrenos baldios e locais de difícil acesso dentro das cidades. Além disso, a velocidade do avião permite que uma área de 3 a 4 mil hectares seja feita em até duas horas, dentro do melhor horário conforme a biologia do vetor. Então, em poucas horas por dia e fazendo um trabalho sequencial, em poucos dias teríamos um controle bastante eficiente desses transmissores de doenças.

*Cenargen – Centro Nacional de Recurso Genéticos criado em 1974 pela Embrapa e que recentemente passou a ser chamado de Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Aqui não se está falando de produtos químicos. Na sua primeira gestão, 2007/2009, já se falava nos biológicos para combater o transmissor da febre amarela?

Sim, dá para controlar a febre amarela e outras doenças também. Mas nós já fomos até a cidade de Rio Branco, no Acre, onde há grande incidência da malária e muitos casos de dengue, com a ideia de fazer um estudo científico junto com o Cenargen/Embrapa, para ver a eficácia dos biológicos aplicados com aeronave naquela região. Porém, o estudo não foi autorizado. Desde essa época, não conseguimos fazer nenhuma pesquisa científica. Obrigatoriamente, moralmente ou cientificamente, a autoridade competente deveria participar desse projeto. O Ministério da Saúde deveria colaborar de alguma forma para que pesquisas fossem realizadas.

COMBATE A VETORES: Durante o 18º Workshop de Vigilância de Arbovírus e Controle de Mosquitos de Saint Agustine, uma pausa para registrar a passagem pelo Disease Vector Education Center, de Anastasia Mosquito Control District, com o especialista em aplicação de agroinsumos Alan McCracken (esq.)

E essa aproximação com o Cenargen para discutir o controle de vetores não vingou, mas isso foi uma abertura para a elaboração do Redagro? Esse projeto já era uma visão assim de futuro?

Não. Apesar do Cenargen ser dentro da Embrapa, esse assunto era com essa entidade, que aliás é reconhecida no mundo inteiro quando o assunto é produtos e desenvolvimento de biológicos. Existia um período que a Embrapa estava pesquisando pouco a tecnologia de aplicação. Então, fizemos uma proposta de aproximação do Sindag com a empresa de pesquisa, para desenvolver um grande projeto de transferência de conhecimento de ambas as partes. Essa aproximação resultou em vários estudos no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso, no Paraná, e as conclusões foram positivas. Talvez, devêssemos ter continuado a pesquisar, ter um trabalho constante sobre tecnologias de aplicação, desde o costal, para melhorar os equipamentos, que sem dúvida nenhuma é o modelo mais perigoso em termos de contaminação do profissional, porque o produto fica direto nas costas da pessoa e com baixíssima proteção. Acredito que o drone vai substituir esse trabalho manual. Temos que evoluir. Os produtos estão evoluindo. Atualmente, estamos trabalhando muito com bioinsumos. Eu estive na Embrapa Meio Ambiente – Jaguariúna, o Evaristo de Miranda era chefe dessa unidade na época e depois fez aquele relatório magnífico sobre a área preservada do Brasil e dos municípios. E na ocasião já se falava que na década de 2020 os biológicos iriam explodir no mundo, que isso era um processo que não tinha volta. A indústria já estava investindo muito dinheiro naquela época visando a esse futuro. E hoje nós temos vários produtos biológicos sendo aplicados. É uma transformação, é uma mudança de tecnologia, que precisamos dar um acompanhamento melhor, pesquisando como tirar melhor proveito desses produtos.

Assim, o Ibravag chega como um braço do Sindag voltado para a comunicação, educação e desenvolvimento de tecnologia. Esses estudos sobre o uso de aviões no controle de vetores podem ser retomados dentro do Ibravag?

Como eu já falei, estamos fazendo essa aproximação com as universidades e outras entidades para ampliar esses núcleos de pesquisas. No entanto, isso também depende de investimento de capital. Eu acredito que muita coisa possa evoluir, que possamos criar novos métodos e controles. Nós temos alguns desafios interessantes, como o controle cada vez mais eficaz da gota. A tecnologia para isso já existe, mas precisamos estar em contínuo aperfeiçoamento e transmitir esse conhecimento para todos os envolvidos na operação aeroagrícola, inclusive pessoal de solo.

MEMÓRIA: Encontro de ex-alunos do Cavag nos tempos da Fazenda Ipanema, com o engenheiro agrônomo José Carlos Christofoletti, que foi professor dos pilotos agrícolas.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

O Ibravag está caminhando para a o quinto ano de fundação e já fez o maior aporte de recursos da história da aviação agrícola no Brasil em um único projeto – o programa Boas Práticas Aeroagrícolas (BPA). Isso mostra que o setor estava carente de uma entidade que contemplasse a transmissão de conhecimento?

De uma certa forma, sim. Nós da diretoria do Sindag e os demais associados já vínhamos sentindo a necessidade de cursos de capacitação para suprir lacunas deixadas na formação. Por exemplo, alguns pilotos não tinham conhecimento de como regular a barra de um avião, porque isso, muitas vezes, não é determinante dentro de uma escola de aviação, mas na ponta final, no campo, especialmente dentro das propriedades privadas, pode causar problemas. Até mesmo agrônomos tinham pouco conhecimento sobre tecnologias de aplicação. Nós fizemos um levantamento que apontou que das 512 escolas de agronomia existentes no Brasil, talvez, dez dediquem disciplinas às tecnologias de pulverização. Então, isso mostra que tem um gargalo de conhecimento a ser preenchido. Então esse é o desafio que temos dentro do Ibravag: aumentar o conhecimento dos profissionais do setor. Inclusive, para isso, estamos iniciando um convênio com o Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia). Com isso, essa aviação brasileira que já é reconhecida mundialmente se transformará, talvez, em um exemplo mundial a ser seguido. Enfim, o Brasil tem como ser protagonista nesses assuntos, mas isso carece de pesquisadores, de instituições que se envolvam com isso, entidades particulares para financiar e colaborar com essas pesquisas. Esse, para mim, é o modelo que marca o desenvolvimento de uma nação. Hoje, no Brasil, acontece o contrário. A primeira coisa que se fala é proibir, em vez de trabalhar cientificamente uma tecnologia, pesquisar para reduzir cada vez mais o impacto da atividade sobre qualquer sistema. Proibir não é evolução, proibir, para mim, é retrocesso.

VISITA: Durante Congresso AvAg 2022, o presidente do Ibravag e o presidente do Sindag recebem a chefe da Divisão da Aviação Agrícola (DAA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Uéllen Lisoski Duarte Colatto.
Foto: Jane Catarina de Oliveira

O senhor falou há pouco sobre essa questão da transmissão de conhecimento. O instituto já nasceu com a Revista Aviação Agrícola fazendo a comunicação com o público externo, um dos grandes gargalos do setor do agronegócio como um todo. A revista completa cinco anos e vem renovada com uma linha editorial mais contundente. Por quê?

Eu acho que é um processo natural. Quando o Conselho de Administração do Ibravag iniciou esse projeto foi de uma forma modesta, mas com um conteúdo muito bom, porém conservador. A revista ganhou visibilidade dentro da sociedade, como uma publicação honesta, transparente, trazendo artigos científicos, reportagens com especialistas e personalidades respeitados no agro. Depois de cinco anos, as dificuldades e os problemas também se modificaram. E sentimos que a revista já tem maturidade suficiente para se colocar um pouco mais posicionada politicamente dentro do cenário brasileiro. Chegamos ao momento de renovar, para que ela tenha maior penetração na sociedade urbana também. Chegou a hora de se posicionar diante de temas controversos que atacam o agro brasileiro, principalmente, a aviação agrícola.

O senhor tem batido forte nessa questão da sustentabilidade e na necessidade do setor aeroagrícola contribuir para a segurança alimentar. Qual é a tendência da aviação agrícola?

O Brasil é um dos principais players do agronegócio global e até 2030, a produção agrícola brasileira deve crescer mais de 20%, segundo pesquisa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Portanto, pensar em sustentabilidade em toda a cadeia produtiva e segurança alimentar são a realidade de todos os produtores brasileiros, faz parte do dia-a-dia. E a aviação agrícola, como parte importante dessa cadeira produtiva, precisa ter uma evolução constante. As empresas que adotarem estratégias e modelos de negócios alinhados às melhores práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança) se diferenciarão no mercado e criarão as bases de seu crescimento. Quanto mais cedo a empresa se preparar para enfrentar esse desafio, maiores serão suas chances de sucesso. Esse é um dos pilares do nosso projeto Boas Práticas Aeroagrícolas (BPA). Capacitar as empresas de aviação agrícola em nove pilares de atuação, entre eles: gestão empresarial, governança, sustentabilidade e segurança operacional.
Quando falamos em tendências da aviação agrícola, podemos falar de novas tecnologias, da Inteligência Artificial (IA), do estudo de genética das plantas, do uso de biológicos, do avanço significativo da meteorologia e de como tudo isso, quando bem aplicado, auxilia o nosso setor e uma aplicação aérea de precisão. O fato é que o futuro é algo inimaginável. Entretanto, há algumas tendências que conseguimos prever e podemos nos antecipar. E tudo isso passa por uma boa gestão das empresas.

Por que está ocorrendo essa avalanche de pedidos de proibição da aviação agrícola, inclusive em municípios, levando-se em consideração que os mesmos produtos aplicados por trator são aplicados por avião? Por que a aviação agrícola fica como a vilã da história?

É como eu falei anteriormente. A ferramenta está sendo usada atacada como se fosse a causadora das controversas “contaminações”. É uma questão ideológica, calcada em interesses econômicos e geopolíticos, disfarçada de uma pauta ambientalista global. Somos torpedeados com críticas constantes pela forma como conduzimos nossa política interna de meio ambiente. Porém, possuímos uma legislação ambiental/florestal que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Precisamos resgatar nossa identidade como nação para crescermos. A meu ver, o País deveria estar pensando em promover o desenvolvimento, o emprego, condições sociais para a população, alimento de boa qualidade, riqueza. Isso é a forma de dar sustentabilidade a uma nação. O Brasil ainda está vendendo produtos e riquezas in natura – soja em grão, minério de ferro, pluma de algodão, boi vivo, nós poderíamos estar vendendo produtos industrializados. Isso traria uma qualidade social para o País fantástica. São milhares e milhares de empregos que seriam produzidos. Enquanto se discute sobre os níveis de agrotóxicos utilizados no Brasil, produtos amplamente testados, autorizados e regulamentados, 35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto, resultando em doenças que poderiam ser evitadas e que podem levar à morte por contaminação. Somente 50% do volume de esgoto do País recebe tratamento. Acho que está na hora de começarmos a falar sobre esses desafios e propostas de soluções.

TRANSPARÊNCIA: Presidente do Ibravag, Júlio Augusto Kämpf é um defensor da pesquisa científica e comunicação com a sociedade urbana para derrubar mitos e preconceitos contra a aviação agrícola.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Para onde caminha a Aviação Agrícola? E o que esperar daqui cinco ou dez anos?

Ela caminha para ser um exemplo de tecnologia, de conhecimento e de ciência. O Brasil precisa ter uma legislação coerente e o setor precisa ter segurança jurídica para avançar. É por isso que nós temos o BPA (programa Boas Práticas Aeroagrícolas), que passa por todos os processos de uma empresa de aviação agrícola. Não adianta você ter uma tecnologia de ponta se você tem uma gestão inadequada. Uma coisa leva a outra. Você tem que crescer em todos os níveis. Desde os relacionamentos pessoais, os comprometimentos com a sociedade. Esse é o caminho que a aviação agrícola inevitavelmente vai ter que percorrer. Sem essa adaptação de gestão global, os operadores não vão conseguir usar uma tecnologia de ponta lá no final. Isso é uma cadeia. Você tem que evoluir como um todo. Você tem que ter os seus membros, as suas equipes integradas nesse processo. Isso é a sustentabilidade de uma atividade.

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