Nascido em uma família de produtores rurais no interior do Estado de São Paulo, Francisco Graziano Neto defende que é possível produzir alimentos e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo. Engenheiro agrônomo, produtor rural, professor, escritor e político, Xico Graziano orgulha-se de ter propagado o conceito agroambiental no Brasil, por volta dos anos 2007 e 2008. Na época era articulista do jornal O Estado de S. Paulo, onde escreveu por dez anos e despertava questionamentos dos amigos ambientalistas e ruralistas que não conseguiam colocá-lo nem do lado dos agropecuaristas, nem dos ambientalistas. Assim, acabou definindo-se como um agroambientalista.
Para Xico Graziano, proteger a terra é a forma de garantir a produção rural. “Nós não teríamos futuro se não protegêssemos o solo”, pontua, ao frisar que a agricultura evoluiu, novas técnicas de manejo foram adotadas e a tecnologia de ponta possibilitou que se produzisse mais, com melhor qualidade e em menos terra. Adepto da agropecuária conservacionista, ou regenerativa, para usar um termo mais atual, não varre para baixo do tapete as mazelas do passado, nem do presente. Ele admite que se praticava a agricultura predatória no Brasil, que a Amazônia e demais biomas, como o Pantanal, precisam ser preservados e que é preciso produzir alimento. Afinal, são mais de 8 bilhões de pessoas habitando o planeta conforme estimativa oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgada em novembro de 2022 e, por isso mesmo, entende que “a pegada ecológica” precisa ser cada vez mais forte.
Além de engenheiro agrônomo e produtor rural, Xico Graziano é mestre em Economia Agrária (USP), doutor em Administração (FGV/SP). Atualmente é professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas, articulista do Poder360 (www.poder360.com.br), consultor em sustentabilidade e conferencista. Na sua biografia, constam onze livros publicados sobre a questão agrária, política e democracia. Destaque para o livro Agricultura: Fatos e Mitos – Fundamentos para um debate racional sobre o agro brasileiro em coautoria com os engenheiros agrônomos e pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Décio Luiz Gazzoni e Maria Thereza Pedrosa. A obra apresenta o que é realidade e ficção nos debates envolvendo o tema sustentabilidade no agronegócio.
O que motivou o senhor a fazer agronomia e seguir como produtor rural?
Xico Graziano – A minha origem é rural. Eu sou criado na Fazenda Santa Clementina em Araras/SP, que é minha terra natal. De lá, eu fui estudar agronomia em Piracicaba/SP e fiz minha vida profissional.
O senhor se consolidou na política partidária, sendo um dos criadores do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). O que o levou a trilhar esse caminho?
Xico Graziano – O PSDB foi fundado em 1988. Naquela época, eu trabalhava no governo do Estado, aqui em São Paulo. O Franco Montoro () havia vencido as eleições em 1982, que foram as primeiras diretas para governador. Eu fui trabalhar na Secretaria da Agricultura e ajudei a fundar o Conselho Estadual do Meio Ambiente aqui em São Paulo e que foi o primeiro do Brasil. Desde aquela época, eu sempre trabalhei na área da sustentabilidade ligada ao agro. O Franco Montoro foi um dos fundadores do PSDB, o Fernando Henrique Cardoso (*) foi outro, com quem eu já tinha trabalhado. Quando Fernando Henrique foi candidato ao Senado em 1986, eu fui um dos colaboradores dele pelo conhecimento que eu tinha do interior. Então, foi natural eu ir para o PSDB por conta dessa relação com Franco Montoro e com Fernando Henrique.
(*) André Franco Montoro (1916/1999) foi eleito governador de São Paulo em 1982 para o mandato de 1983 a 1987 (na época, a posse acontecia em março). Antes de assumir o Executivo estadual, o jurista e político brasileiro foi senador, deputado federal e ministro do Trabalho e Previdência Social, durante o período parlamentarista do Brasil, compondo o gabinete do primeiro-ministro Tancredo Neves, de 8 de setembro de 1961 a 12 de julho de 1962.
(**) Fernando Henrique Cardoso (1931), professor, sociólogo, cientista político e escritor, ocupou a Presidência da República de 1995 a 2003. Eleito presidente em 1994, foi reeleito em 1998. Ele deu início à sua carreira política em 1978, quando concorreu ao Senado e ficou como suplente de Franco Montoro.
Em 2018, o senhor deixou o PSDB. O senhor abandonou a política partidária ou deu um tempo?
Xico Graziano – Eu fui inclusive deputado federal. Em 2006, eu não disputei as eleições. Não quis disputar. Não gostei. Enfim. Eu tive dois mandatos. Na verdade, um mandato completo – de 1988 a 2002 – e depois mais dois anos do meu segundo mandato – de 2005 a 2007. Em 2006, enfim, o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) já tinha sido eleito, eu estava achando que aquele não era o meu mundo. Mesmo assim, eu continuei na política. Eu havia trabalhado ao lado do Fernando Henrique durante 30 anos, em variados momentos. Inclusive, fui chefe do Gabinete Pessoal quando ele estava na Presidência da República. Eu saí do PSDB porque eu decidi apoiar o Bolsonaro (Jair Messias Bolsonaro) em 2018 para ficar contra o PT. Desde então, eu não tenho partido. Na verdade, eu não fazia mais política partidária desde 2015, 2014.
O senhor tem uma preocupação ambiental grande. Inclusive, vem se intitulando em algumas entrevistas como agroambientalista. Como é esse ser agroambientalista?
Xico Graziano – Modéstia à parte, eu fui talvez a primeira pessoa no Brasil que usou esse termo, esse conceito do agroambiental. Isso foi no início da discussão final do Código Florestal, eu era secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo a convite do José Serra (*), ele tinha sido eleito em 2006. Como eu disse, não fui candidato, fiquei cuidando das minhas coisas, dando aulas, escrevendo. Mas daí, assumi a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Em 2007 e 2008, as discussões sobre o Código Florestal caminharam para ter um desfecho finalmente. Naquela época, eu era articulista do Jornal O Estado de S. Paulo. Quem gostava muito de mim lá era o dr. Ruy Mesquita. E eu escrevia colunas semanais. Às vezes eu defendia a posição do agro, e meus amigos ambientalistas me criticavam: “– Você defendeu o agro, você é ruralista”. Na semana seguinte, eu escrevia e dizia que os ambientalistas estavam certos, precisava proteger mesmo a biodiversidade que estava em perigo, etc. Aí meus colegas agrônomos sempre me perguntavam: “- Afinal de contas, você é um ruralista ou você é um ambientalista?” E eu acabei dizendo: – eu sou um agroambientalista. A ideia que eu sempre defendi desde o início da minha vida profissional é que nós temos que fundir as duas coisas. Eu dizia em 1980 que o agricultor de hoje tem que ser o ambientalista de amanhã. Eu, na época, era produtor orgânico e acompanhava muito esse mundo da defesa ambiental. E acabei depois escrevendo várias vezes sobre isso para conceituar melhor o que é um ser agroambiental. É você praticar uma agricultura conservacionista. Hoje, a agricultura conservacionista é chamada agricultura regenerativa porque os tempos vão mudando, surgiu a era do baixo carbono, etc. Quando eu me formei nos anos de 1970, a erosão era o grande problema, ia acabar com a agricultura. Nós não teríamos futuro se não protegêssemos o solo e daí surgiu o plantio direto e as técnicas conservacionistas. Enfim, essa sempre foi a minha ideia. Eu nunca fui um preservacionista, porque o preservacionista é aquele que preserva e pouco importa se você vai produzir ou não. Eu dizia: – Nós temos que produzir e preservar ao mesmo tempo, que é o conceito do agroambiental. O Código Florestal acabou consolidando essa visão. E hoje o termo agroambiental é muito falado. Quando eu escrevi lá atrás que o Brasil tem que ser uma potência agroambiental, não apenas uma potência rural, eu tinha que ficar explicando. Hoje em dia todo mundo já entendeu qual é o conceito.
(*) José Serra governou São Paulo de 1º de janeiro de 2007 a 2 de abril de 2010. Um dos fundadores do PSDB em 1988. Entre outras atuações políticas, foi ministro do Planejamento e da Saúde de FHC, e de Relações Exteriores, no governo Michel Temer.
Qual o tema de casa que precisa ser feito para o produtor rural entender que a preservação ambiental é imprescindível para o seu negócio prosperar, inclusive com a redução de custos? A dificuldade dessa pauta agroambiental avançar mais rápido deve-se à falta de conhecimento, à falta de vontade ou à questão financeira?
Xico Graziano – Há quantos anos eu dou aula e faço palestra sobre isso. Conforme o público, o tom das minhas palestras é motivacional, às vezes é mais tecnológico, às vezes o tom é mais político. Eu diria: é uma mistura de todas essas questões. Portanto, se eu fosse resumir, a mudança é cultural. Ela envolve educação, ela envolve uma nova visão. Muitas vezes, você precisa ter um processo de renovação de ideias, aceitar o ponto de vista do outro. Como acontece em todos os outros setores, em todas as mudanças, o produtor fica muito refratário. Existe uma questão geracional também. A geração a qual eu pertenço, principalmente a dos meus pais que tem hoje de 80 a 90 anos e construiu esse País nos anos 80 e 90, é muito mais refratária a isso. Porém, os filhos e os netos dos agricultores de antigamente, não. Eles concordam que temos que fazer uma agricultura diferente, como a produção industrial é diferente, como tudo é diferente, porque antes éramos poucos seres humanos na terra e agora somos 8 bilhões de habitantes. Então, a pegada ecológica sobre o planeta é cada vez mais forte. Não adianta você querer fazer como se fazia antes. Você precisa investir em tecnologia. E eu sempre me esforço em mostrar aos meus alunos e aos meus ouvintes nas minhas palestras que a saída é a tecnologia. É o avanço tecnológico que tem permitido ao agroambiental se impor.
Você pode citar exemplos do que mudou?
Xico Graziano – Antes nós não tínhamos tecnologias capazes de fazer a produção e a preservação ao mesmo tempo. Nós não tínhamos nem plantio direto. Se você falasse quando eu me formei na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade São Paulo), em Piracicaba/SP, que era possível produzir sem arar e gradear o solo, eu diria: – Como? Meus professores nunca tinham falado disso. Então, o avanço tecnológico tem permitido a você fazer essa mudança, que depende de uma mudança cultural, depende da renovação de ideias, mas depende muito do avanço tecnológico. O setor de aviação, por exemplo, de pulverização, de controle fitossanitário aéreo, é uma prova fantástica disso. Não existiam essas máquinas antes, não existiam esses bicos pulverizadores, realmente, não existiam os pesticidas que temos hoje. Antes se pulverizava com DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano é o primeiro pesticida moderno usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para combater vetores e pragas nas lavouras), que matava tudo. Hoje, você tem produtos seletivos, você tem tecnologias capazes de fazer o que o mundo requer que é a conservação ambiental.
A aviação agrícola é uma ferramenta importante nesse momento em que o mundo se volta a uma agricultura sustentável, preocupada com a preservação ambiental, uma vez que as aeronaves têm uma tecnologia embarcada, que a torna mais efetiva…
Xico Graziano – A minha visão é sempre mais generalista, mais holística, mas eu tecnicamente entendo das questões o suficiente para poder elaborar o meu pensamento. Eu, entretanto, estudei um pouco mais, e recentemente, esse assunto porque eu fui ao Ceará, onde havia o problema de uma legislação que iria impedir a aviação agrícola e ia prejudicar muito a bananicultura do Ceará. A legislação acabou sendo aprovada
O senhor inclusive já chegou a escrever em artigo que a proibição da ferramenta aeroagrícola no Ceará aumentou muito o risco para os trabalhadores a pé.
Xico Graziano – Exatamente. Essas questões são sempre obviamente imbricadas. De onde que vem essa visão sobre os malefícios da aviação agrícola? Dos erros cometidos no passado pelo setor. Havia problema tecnológico. Como eu disse, os equipamentos não eram sofisticados e precisos como hoje. Também houve má operação. O pessoal lá de trás e tal fez muita coisa errada e criou-se esse preconceito contra a aviação. Além do que, na Europa, que basicamente é o pensamento que mais influencia a opinião pública mundial e brasileira nessas questões do agro, a ferramenta aeroagrícola era pouco recomendada até recentemente, antes do surgimento dos drones, porque a zona rural, na maioria dos países europeus, é formada por pequenas propriedades. Agora, aqui no Brasil, ou na Austrália, ou nos Estados Unidos, em grandes áreas, ela é a melhor das tecnologias possíveis para fazer tratamento fitossanitários de lavouras, ou para fazer alguns outros processos, dessecação por herbicida de lavouras ou mesmo controle de ervas invasoras em pastagens. Eu vejo que o setor sofre bastante com a opinião pública, como todo o agro brasileiro sofre com o preconceito da opinião pública que acha que nós utilizamos agrotóxicos de forma errada, que estamos envenenando o mundo, que nós estamos acabando com todas as florestas, etc., etc., porque tem gente que está lá na Amazônia fazendo coisa errada. Não adianta negar isso. Nós precisamos convencer a opinião pública que a agricultura tecnológica, não só a partir da aviação agrícola, no geral, é uma agricultura conservacionista, mas tem que ser mesmo. Não pode dizer que é e colocar fogo no Pantanal e na Amazônia.
O senhor inclusive escreveu um livro falando dos preconceitos contra o agro chamado Agricultura: Fatos e Mitos – Fundamentos para um debate racional sobre o agro brasileiro?
Xico Graziano – Sim. O livro mais vendido no agro nos últimos dois anos.
O agro está conseguindo se comunicar hoje melhor com a sociedade?
Xico Graziano – Eu diria que está melhor, mas também estava tão ruim que não tinha como piorar. Não se comunicava nada. O setor rural é sempre muito atrasado, lideranças políticas muito atrasadas. Falavam coisas antigas para jovens. Defendiam o indefensável. Então, a comunicação chegou a um ponto que era quase zero. Hoje, já há influenciadores jovens, que utilizam a linguagem mais atual, necessária, inclusive pelos meios de comunicação digital, embora ainda seja muito atrasada no mundo digital. Eu, alguns atrás, fiz algumas consultorias, porque desde o início eu fui operar as minhas ideias no mundo digital. No Twitter, eu sou um influencer. Há 15 anos, eu fui ver as redes em geral, e o nosso agro era muito fraco. Ainda é fraco, mas já melhorou. Eu mesmo participei da criação de um grupo forte que se expressa hoje nas redes sociais, que é De Olho no Material Escolar; surgiram as AgroLigadas, uma nova geração de agricultoras e produtoras rurais entrando nesse, vamos dizer, jogo da comunicação e fazendo boa comunicação. Então, melhorou muito. Mas eu diria que ainda estamos bem atrás porque grandes formadores de opinião falam bobagem, e as pessoas acreditam. Então, nós temos que ter o esforço contínuo de apresentar as informações sem ter medo de discutir, sem fazer comunicação agressiva. Não precisa ficar xingando os outros. Nós temos que mostrar qual é a realidade. Mostram a imagem de um suíno tomando choque elétrico ou machucando o gado. Hoje, a agricultura e pecuária tecnológica não fazem mais isso, mas faziam no passado. É verdade. Mas no passado faziam um monte de outras coisas, batiam nas crianças dentro da escola. Então, você tem que acreditar na evolução. Nós temos de ser capazes de mostrar a evolução que aconteceu no setor agropecuário.
Em um artigo recente, o senhor falou que a Embrapa precisa ser reanimada. O senhor acha que a Embrapa é um caminho para a redução desses preconceitos?
Xico Graziano – É uma boa tese essa. Eu já conversei muito sobre isso com gente da Embrapa. Como a Embrapa tem uma imagem muito positiva, se ela participasse mais desse processo de comunicação seria algo muito bom. Mas ela não faz isso, porque ela é uma empresa de pesquisa. Não está entre as habilidades da Embrapa fazer comunicação. O que eu defendo é que a Embrapa seja rejuvenescida, seja dada a ela novas tarefas e novas funções além daquelas que ela recebeu quando foi fundada há 50 anos porque tudo na vida envelhece. A Embrapa também envelheceu. Os pesquisadores também envelheceram, se aposentaram, estão se aposentando, e não foram contratados jovens pesquisadores com a cabeça daqueles pioneiros, visão holística, olhar para a frente, investir em tecnologia. Em algum período a Embrapa foi muito politizada pelo governo do PT. Isso causou um malefício enorme. Pesquisa não pode ser politizada, pesquisa tem que ter foco em ciência e tecnologia. Talvez nesse processo de rejuvenescimento da Embrapa, ela pudesse receber uma nova atribuição que seria fazer a comunicação com a sociedade sobre os avanços tecnológicos do agro que ela mesma ajudou a promover. Eu não sei se isto está no foco. Agora estamos em transição de governo (a entrevista foi concedida no dia 28 de novembro de 2022), não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas a Embrapa com certeza tem ou teria uma capacidade de participar disso. Alguns pesquisadores participam, tanto é que os dois coautores do meu livro Agricultura: Fatos e Mitos são pesquisadores da Embrapa: o Décio Luiz Gazzoni e a Maria Theresa Pedroso.
A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que ocorreu de 6 de novembro a 18 de novembro de 2022, no Egito, não avançou em alguns temas ambientais considerados fundamentais, mas voltou a referendar a importância dos países desenvolvidos auxiliarem financeiramente os países em desenvolvimento em relação às questões ambientais. O senhor acredita que essas medidas aprovadas vão ser realmente implementada?
Xico Graziano – Todas essas reuniões são frustrantes. Esse compromisso é da COP de 2009. Eu participei da COP de 2009 em Copenhague (Dinamarca). Na época, eu era secretário de Meio Ambiente aqui em São Paulo. Essas reuniões da ONU são sempre muita conversa fiada. Mas o que é importante reter é o seguinte: as grandes empresas do mundo se manifestaram. Eu estou falando do agronegócio. As do Brasil, principalmente, aproveitaram a onda da COP, para mostrar seus avanços, seus programas. Todas as grandes trades do Brasil e os bancos de financiamento apresentaram roteiros, propostas, projetos que vão na linha da agricultura de baixo carbono, da agricultura regenerativa e, portanto, da sustentabilidade. Então, eu diria, não importa mais muito as políticas, importa o que as empresas estão fazendo. As empresas estão competindo em função da sustentabilidade. Passou a ser uma variável da competição. O que eu digo para os meus alunos é o seguinte: inicialmente sustentabilidade era um assunto de ecologista, hoje é o assunto da competição global das empresas. Isso muda tudo. Independente dos acordos que demoram para acontecer, o mundo dos negócios está acontecendo. Então, quem hoje participa do mundo da produção e da produção tecnológica, não pode ficar fora do que está acontecendo.
Muito se fala em China, Estados Unidos e outros grandes produtores e compradores de grãos, mas os investimentos na África, um continente onde a agricultura é uma das principais atividades econômicas, em 2021 chegou ao recorde de 7,4 bilhões de dólares, um aumento de 118% em relação a 2020 (os dados são do relatório anual da African Private Equity and Venture Capital Association – AVCA). Inclusive empresas brasileiras estão plantando em Angola e em outros países africanos. Como o senhor vê esta situação? Há risco de o Brasil perder espaço para a África?
Xico Graziano – É a mais difícil de todas as questões. Sim existe. Não só a fronteira africana é muito relevante, mas também o aquecimento global, que está permitindo que milhões de hectares de terras geladas da baixa Sibéria produzam cereais. A Ucrânia já produz, e a Rússia também, em terras fertilíssimas que estão deixando de ficar permanentemente geladas. A geografia da produção se altera historicamente, e o Brasil se ficar parado em berço esplêndido realmente pode se dar mal. Portanto, nós temos que investir sempre em novas tecnologias, novos sistemas de produção. Nós não precisamos ficar derrubando floresta, porque no futuro vai sobrar área porque as tecnologias são cada vez mais intensivas. O Brasil vai expandir muito a produção de cereais pelo Nordeste brasileiro, porque uma das fronteiras tecnológicas hoje é a produção agrícola nos desertos, com sistemas tecnológicos que nunca se imaginou que fossem possíveis. Eles ainda são muito caros, mas tudo quando chega é caro, depois o preço médio vai amortizando o custo fixo, amortizando o investimento em tecnologia e os custos vão caindo. Eu acho que temos que prestar atenção. A África está muito mais perto da Ásia do que o Brasil. Nós não podemos ficar eternamente achando que nós vamos produzir, e a China vai comprar tudo. Essa que é a questão fundamental.