A pandemia do novo coronavírus diminuiu drasticamente o movimento no comércio, praticamente zerou o turismo e trouxe apreensão para vários outros setores da economia. Mesmo no agro, embora a produção de alimentos em matérias-primas tenha continuado – considerada atividade essencial durante a crise, a situação também não é de total conforto. No entanto, para o diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Eduardo Daher, além de prudência para não escorregar em incertezas, o foco da cadeia produtiva deve se direcionar energias para as oportunidades no pós-pandemia. O que vale também para a aviação agrícola.
Nas grandes culturas também não houve unanimidade. A citricultura, por exemplo, sentiu a demanda crescer. “A laranja teve um aumento de consumo na ordem de 30%, diante da crença que a fruta podia auxiliar o sistema imunológico.” Na outra ponta, a cana-de-açúcar sentiu os preços do etanol e do açúcar despencarem em um primeiro momento (por causa da crise do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita) e o algodão também começou a trabalhar com a perspectiva imediata de queda de demanda.
TECNOLOGIAS
O diretor da Abag diz que o foco principal para o agro no pós-crise será a certeza de que “os hábitos mudaram e o consumidor incorporará às suas exigências os 3Ss: Saúde, Sanidade e Sustentabilidade”. Uma boa oportunidade para o Brasil no cenário mundial, mas que exige mão de obra cada vez mais qualificada e alta tecnologia no manejo. Ou seja, um horizonte ainda mais amplo para setores que já seguem essa cartilha, como a aviação agrícola.
Ponto para tecnologia embarcada nas aeronaves, a alta exigência de qualificação e até para os relatórios operacionais completos de cada aplicação. Uma rotina prevista em lei para os operadores aeroagrícolas e que agora é um diferencial que se conecta com exigências cada vez mais onipresentes no mercado: rastreabilidade e confiança no suprimento por sanidade e saúde.
ALGODÃO: Aviação Agrícola como principal
aliada e com espaço para crescer
Na lavoura algodoeira, a pandemia provocada pelo novo coronavírus não chegou a modificar o manejo. Como diz o presidente da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa), Júlio Cézar Busato: “Continuamos trabalhando da mesma forma, com a Covid-19 ou sem a Covid-19, porque não temos como pedir aos insetos e doenças para ficarem em casa.” No entanto, o mercado foi afetado. O consumo reduziu em torno de 30%, e o preço da pluma caiu. Caso não ocorra uma retomada, há possibilidades de redução da área plantada entre 10% e 20% na próxima safra.
Mesmo assim, os produtores rurais entendem que há condições da aviação agrícola ampliar sua presença na cultura, que tem o bicudo como seu arqui-inimigo. A praga, que dizimou o algodão no Brasil na década de 1980, requer sempre ação rápida e efetiva. Quesito no qual aeronaves são consideradas a melhor opção, inclusive reduzindo custos de produção, pela diminuição do número de aplicações.
Para Busato, não há como produzir algodão sem aviação agrícola. “Quando as pragas atacam e você não consegue mais resolver, você chama a força aérea, que vem e resolve. É por aí”, brinca. Sobre a segurança da ferramenta, o dirigente lembra ainda que 80% das lavouras algodoeiras do Brasil possuem o selo Algodão Brasileiro Responsável. Certificação que exige o cumprimento de 178 itens na parte social, ambiental e de segurança do trabalho.
Já para o coordenador de Projetos e Difusor de Tecnologia do Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt), Márcio de Souza, tanto durante a pandemia do novo coronavírus como no pós-Covid-19, é a aviação que garante as aplicações dentro do momento mais correto e de uma forma segura para o ambiente e para a cultura do algodão. “O avião é menos impactante.” Souza lembra que além do menor uso de água do que o terrestre para fazer a calda, antes de voltarem para o hangar as aeronaves vão para os pátios de descontaminação (onde são lavadas e eventuais resíduos de produtos vão para um sistema de tratamento).
O coordenador entende que há espaço para as operadoras aerogrícolas ampliarem espaço na lavoura do algodão, mesmo que muitos produtores tenham adquirido aeronaves. Para isso, as terceirizadas devem buscar uma forma de mensurar o trabalho realizado. “Existem programas hoje que fazem todo o mapeamento da área aplicada, identificando as falhas e mostrando em números sua eficiência.”
ARROZ: Bom momento e mudança de paradigma
No Rio Grande do Sul, Estado que responde por mais de 70% da produção nacional, o setor orizícola passa por um bom momento com a diminuição da área plantada. Além disso, o produtor ganhou mais estabilidade financeira sabendo revezar suas áreas com a soja e a pecuária. Para o presidente do Instituto Riograndense do Arroz (Irga), Guinter Frantz, a quebra de paradigma fez com que a lavoura de 2019, colhida em 2020, fosse um divisor de águas no Estado. Principalmente porque a diminuição de área serviu como uma espécie de reciclagem para os produtores, que começaram a trabalhar “de acordo com o alcance das próprias pernas”.
Além disso, grande parte da indústria ligada ao setor também passou a atuar diretamente na produção, aumentando a injeção de recursos privados na cultura. Para completar, segundo o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, veio a abertura de novos mercados, por exemplo, com o México autorizando o embarque de arroz com casca. Cenário favorável também para a aviação agrícola, já que a ferramenta aérea é fator de produtividade também da soja e é importante para o plantio de pastagens – que revezam com a lavoura orizícola.
SOJA: Busca de eficiência nas aeroagrícolas
Unidade em toda a cadeia que movimenta o agronegócio. Essa é aposta do presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja/Brasil), Bartolomeu Braz Pereira, para garantir a sustentabilidade do setor diante das adversidades da pandemia. Uma das poucas culturas que não sofreu os impactos negativos do flagelo mundial tem a aviação agrícola como grande aliada, desde o plantio até a colheita. “O agro espera que a aviação agrícola busque se aperfeiçoar ainda mais, aumentando sua eficiência”, aponta, sobre os requisitos para os empresários ganharem espaço.
Com a safra 2019/2020 estimada em 124,2 milhões de toneladas (novo recorde), o setor está iniciando a segunda colheita do ano. O próximo plantio se inicia em setembro e a expectativa é de mais recorde. Isso com base nos números do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que projeta 131 milhões de toneladas. Braz Pereira conta que há uma tendência dos produtores terceirizarem ainda mais tanto o plantio quanto a aplicação de insumos.
CANA: Contratos com foco na parceria
Sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus na cultura da cana-de-açúcar, o economista Haroldo José Torres da Silva alerta os operadores aeroagrícolas para três tendências a serem observadas. “Há usinas que deverão entrar em falência ou recuperação judicial, outros grupos vão precisar cortar custos e reduzir investimentos, o que inclui menos aplicações aéreas. E há ainda os grupos em situação financeira mais confortável e que poderão manter os investimentos.”
Doutor em Economia e professor do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege) da Universidade de São Paulo (USP), Haroldo Silva destaca que, na hora de discutir os contratos para a safra, o momento é de focar em parcerias estratégicas. “Na saúde ou na doença. O que quer dizer não pensar apenas no preço do serviço, mas, por exemplo, também jogar o prazo de pagamento e tentar em um relacionamento mais duradouro.”
O economista lembra que, além da Covid-19, o setor ainda teve no início da crise a queda violenta de preços pelo embate entre Rússia e Arábia Saudita no mercado do petróleo – o preço da gasolina caiu e deixou o etanol menos competitivo. Nesse aspecto, o tema de casa aí ficou para toda a cadeia do setor. “É preciso agregar o aspecto ambiental como valor ao etanol.”
MILHO: Estabilidade e novos mercados
Com uma safra que deve chegar a 101 milhões de toneladas, os sinais são de que a pandemia do coronavírus não chegou a mostrar ao setor sua face mais sombria. Mais do que isso, o presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paolinelli, diz que a Covid-19 tem aberto alguns mercados, especialmente na Europa. “Felizmente, o Brasil está com um crescimento grande na demanda de milho. Preços razoáveis e demanda não é só do consumo interno, mas também nas exportações”, pontua.
“Vamos crescer muito. Vai ser o cereal mais demandado do mundo, e o Brasil é o único que pode crescer de fato a produção.” Ele cita como exemplo o México, que importava milho só dos Estados Unidos e, no ano passado, comprou 1,2 milhão de toneladas do Brasil. Ao mesmo tempo, o Egito passou a ser um grande importador de milho. A Europa, fortemente castigada pelo novo coronavírus, também aumentou muito o consumo de milho brasileiro. “A própria China que queria ser autossuficiente, não conseguiu. Importou do Brasil e vai continuar importando.” Neste processo de conquista de novos mercados e ampliação da produção, Paolinelli confirma que a aviação agrícola é uma ferramenta fundamental.
CÍTRICOS: Pandemia aumentou a demanda
Com a maior produção mundial de laranja, os citricultores brasileiros viram a demanda pela fruta aumentar devido justamente à pandemia do novo coronavírus. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Flávio de Carvalho Pinto Viegas, o motivo foi maior busca por vitamina C. Só na Europa, principal mercado da produção brasileira, o crescimento foi em torno de 40%, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura.
Mesmo com a previsão de quebra da safra 2020/2021 na casa dos 25,6% em relação à anterior – conforme Pesquisa de Estimativa de Safra (PES), do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), o dirigente da Associtrus diz que não faltará produto no mercado. “Há estoque da colheita passada”, confirma Viegas, que aposta em demanda estável mesmo após a pandemia.
“O Brasil está nesse mercado há mais de 60 anos e nosso principal comprador sempre foi o público europeu, justamente o mais exigente”, diz Viegas. Daí o foco em garantir uma produção de suco livre de qualquer resíduo químico, exigindo permanentemente boas práticas no campo. O que torna a aviação fundamental.
FLORESTAS: Pesquisas com drones e helicópteros
O setor de florestas plantadas pode representar incremento para a aviação agrícola. A sinalização é do diretor executivo da Associação das Empresas de Base Florestal do Estado de São Paulo (Florestar SP), João Pedro Pacheco. Segundo ele, além da aplicação de defensivos e micronutrientes, as aeronaves também atuam no controle biológico de pragas. Ele adianta que estão em desenvolvimento algumas pesquisas com drones e helicópteros, principalmente para a eliminação de inimigos naturais das árvores.
“O drone tem essa facilidade de chegar aos locais. Eu diria que um mercado muito promissor são os monitoramentos”, observa Pacheco. De acordo com o gestor, “já se fala em silvicultura 4.0. Isto é: o produtor e o pessoal da empresa têm a informação de cada árvore individualmente. E o drone está sendo muito utilizado para coletar dados e captar imagem de como a árvore está crescendo.”
Ocupando uma área de 9 milhões de hectares no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor de florestas plantadas não chegou a ser totalmente impactado pela pandemia.