foto 5 - Em Kazan na frente do Min da Agricultura

O HOMEM QUE CONQUISTOU O MUNDO COM A ARTE DE APLICAR AGROQUÍMICOS

Um dos grandes especialistas do mundo na tecnologia de aplicação de agroquímicos e apaixonado por aviação agrícola, Alan McCracken viajou o planeta pesquisando e encontrando a melhor forma dos produtos alcançarem seus alvos com eficiência, protegendo as lavouras e o meio ambiente

Publicado em: 05/05/22, 
às 15:23
, por IBRAVAG

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É difícil dizer o nome de todos os lugares visitados pelo engenheiro mecânico e agrônomo Alan McCracken. No mapa mundi que mantém atrás da escrivaninha no seu escritório na casa em Daytona Beach, na Flórida, tem 134 países marcados. Um sonho de menino que se tornou realidade. Nascido em 16 de junho de 1945, em Coleraine no Norte da Irlanda, saiu da fazenda do pai aos 18 anos para conhecer o mundo, sem deixar para traz suas atividades favoritas: a agricultura e a mecânica. A paixão pela aviação agrícola chegou com os primeiros experimentos na dessecação de canola e girassol na Romênia e Polônia.

Assim começou a trajetória de um dos maiores especialistas do mundo em aplicação de químicos, quer em lavouras, quer no combate a mosquitos. Hoje, um dos poucos consultores independentes na área de pulverização aérea e terrestre, McCracken defende o uso do baixo e ultrabaixo volume como forma de garantir maior eficiência no controle das pragas, prevenir a deriva e evitar a contaminação do solo. Técnica documentada por ele e que traduz o conhecimento adquirido ao longo dos anos levando tecnologia de aplicação para todos os cantos do mundo.

Alegre e entusiasmado pela aplicação de produtos que gosta de chamar de protetores das plantas, mantém um laboratório na garagem de sua casa para testar misturas. Confessa que gosta de trabalhar assim, buscando o novo, pesquisando. Engenheiro agrônomo e mecânico formado pelo Essex Institute of Agriculture, atualmente Writtle University College, em Essex, na Inglaterra, e com extensão em Aplicação Aérea em Cranfield College of Aeronautics, hoje Cranfield University, McCracken é taxativo: “temos sempre que estar um passo na frente.” E as ideias não param. Há 18 anos prestando assessoria a fazendas sem vender produtos ou máquinas, comenta que este é um campo de oportunidades para os jovens.

Seus dois filhos não quiseram seguir seus passos e não são apaixonados pelo tema aviação. O que diz lamentar muito. “Eu tentei. Eu e meu filho andamos juntos por Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Paraná, mas ele ficou chocado com os insetos”, conta. No entanto, os aviões fazem parte da vida da família, que reúne ainda quatro netos. McCracken conheceu sua esposa, Brita McCracken, no Aeroporto de Congonhas em São Paulo, em 1975. Filha de um casal que trabalhava na linha de montagem em uma fábrica de aeronaves na Alemanha Oriental, Brita trabalhava para companhias aéreas no Brasil.

Parece que o universo conspirou para que McCracken conseguisse unir suas atividades preferidas no seu caminho profissional e o levasse a conhecer, como ele mesmo diz, o amor de sua vida. Morou seis anos na Inglaterra, oito anos no Brasil, dez anos na Suíça e há 23 anos está nos Estados Unidos. É de lá que mantém uma rede de amigos e clientes em todo o mundo, inclusive no Brasil, que visitava pelo menos uma vez por mês antes da pandemia, chegando a participar como palestrante em eventos do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e do Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola (Ibravag).

O senhor é formado em engenharia mecânica e engenharia agronômica. Como foi sua escolha profissional?

Alan McCracken – Eu fui criado em uma fazenda na Irlanda. Meu pai era agricultor. Ele tinha plantação de cevada, batata, cenoura. Cento e cinquenta hectares mais ou menos. Eu tinha muito interesse na parte de mecânica desde jovem, soldava e fazia equipamentos. Eu saí da fazenda com 18 anos, com o objetivo de conhecer o mundo, com interesse na área de mecânica e agricultura. Assim, entrei na área agroquímica. Comecei a trabalhar em uma companhia na Inglaterra e, com eles, a viajar por toda a Europa. Um dos primeiros projetos foi a aplicação aérea de químicos para dessecação de cultivos, dessecação de canola, de girassol. Esse foi o início de minha paixão por aviões.

Onde foi desenvolvido esse primeiro projeto?

Alan McCracken – Romênia e Polônia, na dessecação de girassol. E em seguida, nesse mesmo ano, fui envolvido no controle de mosquitos com avião onde era a Iugoslávia naquele tempo (*). Me chamou a atenção que a aplicação aérea para dessecação era feita com 50 litros de calda por hectare e para o controle de mosquito, 200mls/hectare. Isso despertou um interesse enorme na minha cabeça.

(*) Iugoslávia, país na região dos  Bálcãs  na  Europa, existiu entre 1929 e 2003. Seu território hoje está ocupado pela Croácia, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia e Kosovo.

O senhor nasceu na Irlanda, morou na Suíça…

Alan McCracken – Eu nasci na Irlanda. Depois, eu fui para a Inglaterra. Após seis anos, a companhia inglesa me enviou para o Brasil, para introduzir a ideia de dessecação de soja com aviação agrícola e, obviamente, com máquina terrestre também. No primeiro ano no Brasil, eu fui para o Mato Grosso para junto com uma companhia brasileira, a Teruel Aviação Agrícola, fazer aplicação aérea de dessecante em soja.

O senhor se tornou uma referência no mundo em aviação agrícola. O senhor é piloto?

Alan McCracken – Não. Não sou piloto. Eu voava muito sentado no lado direito. Queria ser piloto quando era jovem, mas faltava dinheiro para fazer o curso e depois, quando tinha um pouquinho de dinheiro, faltava o tempo. Mas sou apaixonado por aviões, por voar.

O senhor viajou por muitos países levando tecnologia de aplicação?

Alan McCracken – Sim, quase todos. Está vendo esse mapa na parede, atrás da minha cabeça (aponta para um mapa mundi com os países que visitou marcados)? Conheço uns 134 países.

Essa ligação com produtores rurais de várias partes do mundo chamou a atenção da CIA, devido ao alto número de chamadas telefônicas para países comunistas. A CIA realmente bateu na sua porta?

Alan McCracken – Olha, na realidade, foi bastante interessante. A minha esposa é alemã, e ela ligava para a família que morava na Alemanha Oriental (*), comunista na época, e eu fazia muitas ligações para outros países comunistas – Polônia, Rússia – de nossa casa, devido à diferença de horário. Eram dez horas a diferença de horário entre Filadélfia e Moscou, por exemplo. Então, a única opção foi fazer chamadas de casa. E a CIA, autoridades, FBI chegaram na minha casa para me visitar porque todas as chamadas para esses países foram gravadas. Mas foi explicada a necessidade de telefonar devido aos negócios. E tudo certo. Também deu uma complicação porque falamos todos os dias, em nossa casa, no mínimo quatro idiomas.

(*) Alemanha Oriental, como era chamada a República Democrática Alemã (RDA), foi criada em 1949, depois da 2ª Guerra Mundial. Descrita como um estado comunista, fazia parte do bloco soviético. Em 3 de outubro de 1990, a Alemanha foi reunificada. Hoje, todo o território faz parte da República Federal da Alemanha.

TECNOLOGIA: Apaixonado por aviação agrícola, Alan McCracken é um defensor da ferramenta que colocou como condição para garantir a eficiência da aplicação que prescrevia em diferentes situações e países.
Foto: Acervo Pessoal

Assim, falando diferentes idiomas, o senhor levou tecnologia de aplicação para países muito diferentes tanto em cultura, como em clima. O senhor atuou na Rússia, na África, no Oriente Médio. Quem já era uma potência do setor quando o senhor iniciou as atividades?

Alan McCracken – Antigamente, a Rússia tinha muitos aviões, mas, com o colapso da União Soviética (*), caiu muito a frota. Os outros países da Europa: Polônia, Alemanha Oriental, Bulgária operavam aviões e até a Inglaterra. Mas em toda a Europa, Inglaterra, França, Alemanha, Espanha – Espanha também tinha muitos aviões –, as fazendas são bem pequenas em comparação com as do Brasil. Há muita cidade pequena espalhada na área agrícola, então não é apropriado o uso da aviação, não tem nada a ver com restrição por clima ou algo assim, simplesmente áreas pequenas demais para um avião. Hoje, não tem mais aviões atuando lá.

(*) União Soviética como era conhecida a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que existiu entre 1922 e 1991, que incluía a Rússia, Ucrânia, Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Moldova, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão.

No entanto, em 2016, a França usou helicópteros nos vinhedos, a Espanha também chegou a usar pulverização aérea para combater uma praga depois da União Europeia ter proibido o uso de aviões no trato das lavouras.

Alan McCracken – Existe um uso limitado de helicópteros na Alemanha e França para a pulverização em videiras. Na beira dos rios e áreas montanhosas, não tem outra forma de aplicar os químicos. Então, estão usando helicópteros para isso, mas, de modo geral, é bem pouco. Há uma frota grande de aviões na Espanha, aviões agrícolas com turbina, para apagar incêndios.

Então, essa frota que existia foi readequada?

Alan McCracken – A maior parte da frota antiga, quase toda de aviões pequenos, o Pawnee Piper Brave (*), terminou na América do Sul, no Uruguai e Argentina. Eles (os países europeus) compraram aviões pesados, com turbina, mais apropriados para apagar incêndio.

(*) Piper PA-36-300 Pawnee Brave é um avião agrícola que foi produzido pela americana Piper Aircraft, que fabricou aeronaves para pulverização de lavouras entre 1958 e 1981. O voo inaugural do modelo Brave ocorreu em 1969.

E quando o senhor chegou no Brasil o que mais lhe chamou a atenção na nossa agricultura e no uso da aviação agrícola?

Alan McCracken – No ano de 1973, na verdade, tinham poucos aviões operando no Brasil e muitos aviões adaptados, tipo PA 18 (*), trabalhando muito bem na área de arroz, que usa bastante aviação agrícola, e no algodão. O que me chamou mais a atenção foi a extensão das áreas. Talhões de 100, 200, 300, 400 hectares. Na Europa, uma fazenda grande, o maior talhão, a maior área para pulverizar, talvez chegue a 50 hectares. Então, é totalmente diferente. Eu fiz uma apresentação no 1º Congresso da Aviação Agrícola no Brasil (na verdade, 1º Simpósio Nacional de Operadores Aeroagrícolas, promovido pela Embraer, em 1976), no Guarujá (litoral de São Paulo), e o título da apresentação foi algo assim: “Abrindo novas possibilidades para a aviação agrícola com a dessecação de soja”. O que foi uma novidade nessa época.

(*) Piper PA-18 foi projetado inicialmente para ser uma aeronave de lazer, com  asa alta e dois assentos na maioria das configurações. No entanto, muitas modificações foram feitas ao longo dos anos. Uma delas foi a que deu origem ao PA-18A, aeronave agrícola da Piper. Além dos pulverizadores, foi realizada uma ligeira modificação na fuselagem traseira para permitir a instalação de um tanque funil na posição do assento traseiro. A aeronave é usada também para voo de instrução.

Em 2018, o senhor voltou e participou do Seminário de Aviação Agrícola em Porto Alegre. E o senhor citou que a legislação nos Estados Unidos é mais eficiente, inclusive chamou a atenção para o estado da Califórnia, onde não existe zona de exclusão. Como é feita essa fiscalização nos Estados Unidos?

Alan McCracken – Existe fiscalização de várias formas. Vou citar como exemplo a Califórnia, onde é mais rígida. A companhia de aviação agrícola precisa informar aos vizinhos da área que vai aplicar um produto químico, especialmente nas regiões que têm abelhas, para os apicultores fecharem as colmeias. Tem um sistema que se chama buffer zone – é o espaço de segurança entre a área a ser pulverizada e uma casa, por exemplo. Para calcular essa margem de segurança, tem um programa no computador que o piloto pode acessar e colocar a velocidade do vento, temperatura e produto. De modo geral, o limite é 58 pés, é menos que 20 metros. Mas como é a coisa na realidade? Tudo funciona no risco para terceiros. Se um produto tóxico cai na propriedade de um vizinho que não gosta, por qualquer motivo, e, se ele puder provar que você largou um produto químico na fazenda dele, ele pode abrir um processo contra você por contaminação.

LAZER: com a esposa, Brita, companheira de viagem a Jiamusi, na província de Heilongjiang, na China, onde foi assessorar uma companhia
Foto: Acervo Pessoal

Neste ano, a Divisão de Aviação Agrícola do Mapa – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – está fazendo uma atualização do regramento que rege a atividade no País. Quais atualizações, na sua opinião, seriam mais urgentes?

Alan McCracken – Tanto aqui como nos Estados Unidos é importante uma readequação das bulas, acompanhando as novas tecnologias, o tamanho dos aviões e novas áreas de plantio com condições climáticas diferenciadas. No mais, a legislação no Brasil é muito avançada e, em muitos casos, mais avançada que nos Estados Unidos. No Brasil, cada aplicação aérea tem que ser acompanhada por um agrônomo. Nos Estados Unidos, não. A companhia documenta as aplicações, mas, muitas vezes, têm pilotos trabalhando sozinhos. Eu presto assessoria (nos EUA) para uma companhia com dois aviões de turbina e não tem ninguém na pista. O piloto chega sozinho com seu avião, acopla a mangueira e, por meio de um sistema computadorizado, abastece a aeronave. Quando o serviço está concluído, o piloto sai para fazer a aplicação. O computador manda todas as informações para o escritório. Ninguém na pista. Para mim, isso é um pouco perigoso, mas, na parte financeira, não existe recursos para pagar o pessoal. Então, voltamos ao que é viável e não viável. Por esse motivo, as companhias estão investindo em sistemas computadorizados, sistema fechado com produto a granel. Esse é um sonho que eu tenho para o Brasil, que algum dia seja permitido o uso de química a granel, em tanques de 100 litros ou mais. Hoje em dia, os produtos estão chegando no Brasil em embalagens de cinco litros, 20 litros. Então é um passo grande para estudar, pelo menos pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), para permitir o uso de produto a granel que pode ser transferido usando sistemas mecânicos e fechados, que não apresentem perigo para o operador. Assim, ele não vai ter que abrir o produto com a mão.

Isso já existe nos Estados Unidos?

Alan McCracken – Tem muitos desses lá. Temos três ou quatro companhias fabricando esse sistema. Operadores aeroagrícolas estão usando até sistemas portáteis quando o avião vai mais longe da base. Eles têm carretas de 20 metros de comprimento, com tanques de produtos químicos, água e combustível para o avião. E os pilotos abastecem os aviões sozinhos no meio do campo, mas é totalmente seguro.

Há algo que o mundo possa aprender com o Brasil? O que o Brasil faz de melhor em termos de aplicação aérea?

Alan McCracken – O uso de baixo e ultrabaixo volumes é o normal na maior parte das aplicações no Brasil. A maior parte das pulverizações aéreas são feitas com menos de dez litros por hectare. Nesse sentido, a aviação agrícola brasileira está muito mais avançada que nos Estados Unidos. Tem pessoal trabalhando no Arizona e Califórnia aplicando, parece mentira, até 200 litros de calda por hectare com avião. E quando trabalhamos com baixa vazão, literalmente, 100% do produto vai ser captado pelas plantas. O objetivo da alta vazão foi reduzir o risco de contaminação do meio ambiente, mas na prática as gotas grandes terminam no solo. A baixa vazão é mais eficiente, coloca mais produto no alvo. Nisso o Brasil é mais avançado que os Estados Unidos.

ASSESSORIA: A China foi um dos países para onde levou o conhecimento técnico sobre aplicação de agroquímicos. No registro, com a equipe local à frente de um Dromader.
Foto: Acervo Pessoal

O senhor já trabalhou na Europa também. O fato de a União Europeia ter proibido a aviação agrícola nos países membros serve de argumento muitas vezes para os movimentos contrários ao uso da aviação agrícola no Brasil. Como o senhor vê esse argumento de que a União Europeia limitou a pulverização aérea porque são mais avançados e protegem o meio ambiente?

Alan McCracken – A realidade é totalmente outra. O pessoal que fala isso não sabe nada de agricultura. Na Europa, primeiro: grande parte dos alimentos são importados de países onde não têm controle nenhum sobre a aplicação de produtos químicos. Os alimentos chegam do Quênia e de outros lugares da África. É absurdo quem fala isso. Por exemplo: a Ucrânia, que está muito na mídia hoje (*), pode alimentar toda a Europa. A Europa pode parar de produzir alimento. Na Europa, as fazendas são bem pequenas devido a uma série de fatores. E, com fazendas cada vez menores, não é viável comprar equipamento. Um dos problemas é que as máquinas que estão usando saem de uma base e vão pulverizar em três, quatro fazendas durante o dia. Imagina, se tem uma doença em uma área, essa doença vai ser espalhada por todas. Ainda, esses tratores enormes andam nas estradas levando até 8 mil litros de água e química. Então, uma contradição total. Estão aplicando 300 a 400 litros de calda com produto químico por hectare. Onde vai essa água? No chão. Está contaminando o solo. No Brasil, esses mesmos produtos, se aplicados com avião, se usa 10 litros de calda, se for com máquina terrestre, 30 litros a 50 litros, mas nunca 400 litros.

(*) A Ucrânia foi invadida pelas tropas militares da Rússia no dia 24 de fevereiro, despertando a apreensão do mundo diante dos ataques ao território ucraniano, alguns muito próximos a usinas nucleares.

O mito que existe no Brasil de que a aviação agrícola é poluidora também existe nos Estados Unidos? Aqui se desconsidera todo o aparato tecnológico envolvido, bem como o regramento das operações aeroagrícolas no Brasil que é muito sério e rígido.

Alan McCracken – Não, isso não existe. A maior parte do povo nem sabe que existe aviação agrícola, nem têm noção da área de produção de alimentos porque ela está longe das cidades. A Associação Nacional de Aviação Agrícola (NAAA, na sigla em inglês), aqui nos Estados Unidos, fez uma série de vídeos sobre os benefícios da aviação agrícola, mostrando que a ferramenta é necessária para proteger a produção agrícola. Essa é uma área que o Brasil pode melhorar, fazendo campanhas de publicidade sobre os benefícios da aviação agrícola, que ela está protegendo as plantas, protegendo a produção. Existe também uma diferença enorme entre Brasil e Europa. A Europa é tão fria que não existe a mesma quantidade de pragas do Brasil. Se pode parar de usar agroquímicos na Europa e não vai diminuir tanto a produção. No Brasil, se não aplica o químico na hora certa numa área de soja ou algodão, não vai ter colheita. Já faz dez anos, a Suécia proibiu o uso de alguns químicos e não deu quase efeito nenhum porque não tem praga.

PALESTRA: Em 2018, participou do Seminário de Aviação Agrícola em Porto Alegre, promovido pelo Sindag, reforçando os laços que o une ao setor aerogrícola brasileiro.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

A aviação agrícola, pelo menos aqui no Brasil, fala muito na preservação do meio ambiente, tanto que a legislação é rígida, inclusive é a única ferramenta de pulverização que pode ser fiscalizada no Brasil, exatamente, por ser altamente regulamentada. Na sua opinião, qual o tema de casa que ainda falta ser feito para que a sociedade brasileira mude sua visão em relação à ferramenta?

Alan McCracken – Ainda temos algumas pessoas mal-informadas: “– ah! Tem um avião, está espalhando agrotóxico!” O que me deixa nervoso. Eu não chamo de agrotóxicos, eu chamo de produtos que protegem as plantas. São químicos, mas a utilidade é proteger as plantas, é a proteção da produção. É uma parte onde falta trabalho na mídia. A mídia em muitos lugares é orientada contra a agricultura. A mídia tem que ser informada. Eu penso que é uma responsabilidade do Sindag e do Ibravag fazerem vídeos para mostrar nas escolas e nas faculdades a tecnologia e as vantagens da aviação agrícola, que permite exatamente aplicar em uma área enorme rapidamente e de forma segura. Isso seria um trabalho fabuloso para fazer e já, já. Tem urgência, na minha opinião.

O que está se usando em equipamentos nos Estados Unidos, que não é usado no Brasil? Eu soube que nos Estados Unidos já se faz aplicação noturna.

Alan McCracken – Tem um pouco de aplicação noturna nas regiões mais quentes com o maior objetivo de aplicar o produto em temperatura mais baixa. Mas é contraprodutivo, porque muitos produtos não funcionam durante a noite. Inseticidas, sim; mas um herbicida ou um pesticida não funcionam durante a noite. Se for aplicado durante a noite e chega um orvalho forte, até mesmo uma chuva na madrugada, todo o produto vai embora. Conheço uns camponeses no Arizona, uma companhia está aplicando à noite com alto volume de 100 litros por hectare e outra está aplicando em baixo volume de cinco litros por hectare durante o dia. E cinco litros durante o dia, usando óleo e componentes que protegem o produto contra a evaporação, está tendo resultado melhor, uma eficiência bem maior e segurança total de aplicação. Eu não sou a favor de aplicação noturna nem de avião e nem de terrestre. Tem muitas limitações.

E outro tipo de tecnologia que está sendo usada nos Estados Unidos que aqui não chegou ainda?

Alan McCracken – Sempre tem alguma companhia experimentando tipos de bicos novos, mas por enquanto o Brasil até está mais avançado no uso de equipamentos. Por exemplo, na maior parte dos Estados Unidos, no citrus, estão aplicando 150 litros de calda por hectare. Nessas aplicações de alto volume, usam-se bicos nos aviões. Então, os aviões vêm com 40, 60, 80 bicos, que para mim representam 80 probleminhas – bicos que vão entupir, bicos que vão vazar. O Brasil é mais avançado. Hoje em dia, a maioria dos aviões estão trabalhando com atomizador rotativo, com apenas oito, no máximo, dez atomizadores num avião, proporcionando controle de tamanho de gota melhor, gota mais uniforme, colocando mais produto no alvo e sem risco de evaporação. Então, nesse sentido, o Brasil é mais avançado que os Estados Unidos.

AVALIAÇÃO: no Maranhão, McCracken verifica se a gota ficou marcada nos pequenos círculos de espelho para avaliar a qualidade da aplicação.

Deu para notar que o senhor é um grande defensor da aplicação com baixo volume. Seria no máximo 10 litros de calda por hectare?

Alan McCracken – Sim. No mundo todo, nesse planeta lindo que é o nosso, não existe cultivo que precise mais de 10 litros de calda por hectare.

E como o senhor chegou nessa tecnologia?

Alan McCracken – Por curiosidade e por fazer ensaios. Eu sou um tipo por natureza muito curioso. Eu sou conhecido como “Por quê”. Ganhei esse segundo nome porque eu perguntava muito. Então eu sempre trabalhava na área de pesquisa em várias multinacionais e fazia experimentos, tanto que logo no início da carreira eu fiz aplicação de baixo volume em laranja, na Espanha. Fiz uma aplicação de cinco litros por hectare, com equipamento que eu fiz. Chegando no Brasil, aplicamos 2 litros por hectare, ultrabaixo volume. Eu muitas vezes tenho feito comparação com 40, 30, 20, 10 e 5 litros de calda. E fiz isso com fungicida nos Estados Unidos. Um trabalho muito bem documentado, mostrando que cada vez que reduzimos o volume de água, melhoramos o controle de doenças. A água faz mal, então temos que reduzir sempre a água para o mínimo. Eu sou responsável pela bula de um fungicida aqui nos Estados Unidos e fiz ensaios por todos os lados do país, desde o Sul, Mississipi, subindo para o Kansas, Dakota até a fronteira com o Canadá, testando vários volumes de calda com esse fungicida. O que aconteceu? Dois litros e meio foram superiores a cinco, foram superiores que dez e, automaticamente, melhor que 40 litros porque mais produto chega no alvo. Então, a companhia química me pediu ajuda: – escreve a bula. Eu escrevi a bula assim a mão, rapidinho: “a boa cobertura é essencial para que o produto funcione e controle a doença, não aplicar mais água que o necessário”. E tem mais bulas assim.

Essa gota menor, em função do óleo, previne a deriva?

Alan McCracken – Sim. Tem que ter óleo e outros componentes. E não somente gota menor. Não vou dizer que é muito pequena. É uma gota menor do que se usa para alto volume, mas a gota é protegida contra a evaporação. Eu ando sempre com espelhos pequenos que coloco na área onde o avião vai aplicar o produto. Cinco minutos depois da pulverização, pego o espelho e se a gota está marcada é fabuloso. A química está impregnada dentro do espelho. Com água, se lava facilmente na alta aplicação; na baixa aplicação é bem mais difícil. Então, eu tenho feito ensaios, como esse em citrus, controle de greening que é um problema grave no Brasil. Eu fui contratado pelo maior produtor de citrus do Brasil anos atrás e eu falei ao diretor: “– o senhor está aberto a fazer mudanças grandes?” E o senhor me respondeu: “– nós já pesquisamos o senhor Alan. É muito conhecido por ser radical”. Eu disse: “– ótimo. Só me deixa fazer duas coisas: três semanas para estudar o caso e eu quero fazer a aplicação com avião”. Era uma área de mais de 8 mil hectares. E fizemos em três dias mais 2 horas do quarto dia. Um sucesso fabuloso. Mas isso é a diferença entre Brasil e Estados Unidos. Para fazer um ensaio nos Estados Unidos, tem que pedir permissão. Um ensaio experimental, a área permitida é apenas 2,5 hectares. Impossível fazer um ensaio com avião em 2,5 hectares. Isso restringe todo o desenvolvimento. Por esse motivo, o desenvolvimento da pesquisa é limitado. As intenções são positivas, mas na realidade é impossível.

SERVIÇO: entre as muitas consultorias prestadas no Brasil, registro em uma das passagens por Cuiabá, no Mato Grosso

Esse modelo de baixo volume pode ser adotado por qualquer agroquímico?

Alan McCracken – Os únicos problemáticos são os fertilizantes.

Essa redução do uso de água para mistura com o produto químico tem a ver com a sustentabilidade ambiental também?

Alan McCracken – Enorme. Vou te dar os números. O primeiro tempo no Brasil, eu fiz uma área grande com menos água para controle de ferrugem no Mato Grosso. No início desse problema com a ferrugem, todos falavam com dados superficiais. Experts da Europa, dos Estados Unidos diziam: – precisamos de melhor cobertura da planta. Temos que usar mais água. Falando de 250 até 400 litros de água por hectare. E um produtor do Mato Grosso me contratou para ajudar. E eu dizia: “– senhor vamos em outra direção”. Eu cheguei dos Estados Unidos com bicos para uma máquina terrestre para fazer aplicação com 20 litros. E o senhor ficou chocado. Fizemos a aplicação e controlamos a ferrugem. Fiquei uma semana na fazenda dele. Ele tinha dois aviões trabalhando. Fizemos algumas modificações no equipamento e na mistura, aplicamos o produto com 5 litros de calda por hectare e controlamos a ferrugem. É esse tipo de habilidade que precisamos no Brasil e não repetir a mesma coisa continuamente. Se uma coisa não funciona, não é certo, temos que buscar algo melhor. Esse é meu modo de trabalhar. Eu tenho na garagem, aqui na minha casa, vários pulverizadores para experimentar misturas novas. Nunca devemos parar de desenvolver. Temos sempre que buscar estar um passo à frente.

Qual foi a economia de água nesse caso?

Alan McCracken – Esse primeiro cliente no Mato Grosso foi um exemplo bonito de economia de água. Foi mais que meio milhão de litros de água por dia. E um cliente na Rússia, uma fazenda de 110 mil hectares, estava aplicando 200 litros por hectare e depois de minha visita a média foi 20 litros por hectare. Então, para uma só aplicação, são quase 20 milhões de litros de água de economia por hectare. Imagina o transporte de tudo isso. Seriam muitos caminhões de água.

E para concluir para onde caminha a aviação no mundo e quais são as perspectivas para o Brasil?

Alan McCracken – Para crescer enormemente. Eu acho que há oportunidade para dobrar a frota de aviões no Brasil. E junto com isso, algo que alguns pilotos não vão gostar, mas vou mencionar: o uso de drones. Eu vejo os drones como uma ferramenta complementar à aviação agrícola, porque o drone seria enviado para essas áreas difíceis, áreas onde têm cabos elétricos, áreas pequenas de cinco a dez hectares, onde não é prático o uso de um avião.

APERFEIÇOAMENTO: grupo de pilotos e agrônomos num curso de treinamento.
Foto: Acervo Pessoal

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