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O homem escolhido pelo avião

Agrônomo, ex-piloto, ex-empresário, Eduardo Araújo participou do início da organização da Aviação Agrícola Brasileira, aprendeu com pioneiros (e ele próprio foi um), ajudou a aprimorar o Embraer Ipanema, foi um dos fundadores do SINDAG, e até hoje é seu consultor, como uma das personalidades mais influentes do setor

Publicado em: 18/11/21, 
às 15:24
, por IBRAVAG

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Aos 76 anos de idade, o gaúcho Eduardo Cordeio de Araújo tem sido, provavelmente, uma das personalidades mais influentes na aviação agrícola brasileira em mais de 50 anos. Tempo em que não só presenciou, como, em alguns momentos, influiu no nascedouro da regulamentação desse segmento e no início de sua organização institucional. Mais do que isso, participou diretamente do desenvolvimento e introdução no País das principais tecnologias que tornaram o Brasil o segundo país mais importante do setor no mundo. Nascido em um 4 de julho, filho de advogado e o penúltimo de quatro irmãos, Araújo se formou em Agronomia na Universidade Federal de Pelotas, sua terra natal. Em seguida, tornou-se também piloto agrícola, aliando suas duas paixões profissionais.

Conheceu o tenente-coronel Marialdo Rodrigues Moreira (e depois trabalhou com ele) quando o então oficial da Aeronáutica estava cedido ao Ministério da Agricultura para organizar a aviação agrícola nos escopos de legislação e políticas de governo. A partir daí, Araújo esteve no primeiro evento aeroagrícola realizado no Brasil (em 1971, em São Paulo), conheceu pessoalmente os pioneiros do setor no País e participou do início de sua organização institucional. Integrou a diretoria de todas as entidades nacionais e gaúcha – Anapla, Assupla, Fenag e Sindag, tendo participado também da criação do Ibravag.

Seu currículo abrange ainda a participação direta em uma fase importante para o aperfeiçoamento do então recém-nascido Embraer Ipanema, que por décadas tem sido o principal avião da frota brasileira sobre lavouras. Araújo foi também um dos responsáveis pela introdução no Brasil da tecnologia do DGPS – que tornou as aeronaves uma das plataformas mais seguras e eficientes para o trato de lavouras. E, de quebra, continua sendo um dos principais conselheiros do sindicato que abrange mais de 90% das empresas aeroagrícolas do Brasil e do Instituto que nasceu em 2018 para reunir o restante da cadeia em torno do setor e fomentar pesquisas e a multiplicação do conhecimento sobre a atividade. Não por acaso, em 2017, se tornou o ganhador nº 1 da Medalha Mérito da Aviação Agrícola entregue pelo Sindag como reconhecimento máximo aos personagens que realizaram grandes feitos pelo setor.

O senhor nasceu em 1945 (no dia 4 de julho), em Pelotas. É o filho mais velho? Viveu na cidade até quando?

Araújo – Sou o penúltimo (de quatro irmãos), o José (Cordeiro de Araújo, ex-assessor legislativo do Sindag) é o mais novo. Há ainda a Tirzah (Araújo Salazar) e Solon (Cordeiro de Araújo). Sou pelotense “de raiz”. Nasci em Pelotas, me criei em Pelotas e me afastei da cidade por apenas quatro anos em que morei em São Paulo. Depois retornei a Pelotas e aqui fiquei.

Qual o nome do seu pai?

Araújo – Meu pai se chamava José Silva de Araújo. Era advogado. O nome da minha era Matilde Cordeiro de Araújo.

Como foi que o senhor voltou seu olhar para o agro?

Araújo – Nós tínhamos, na casa de meu pai, um terreno enorme onde plantávamos arvores frutíferas e todo o tipo de horta. Meu pai gostava muito disso e eu costumava dizer que houve uma inversão de papéis: o Zé (que também é agrônomo) tinha mais vocação para advogado e meu pai para a agronomia. Mas eles trocaram e meu pai ficou advogado, mas sempre cuidando da horta. E nós acompanhando. Isso aí criou um certo gosto para a agricultura, embora em pequena escala. Mas influência maior veio de meu cunhado (Enrique Salazar Cavero), que era peruano e veio cursar Agronomia aqui em Pelotas. Quando ele ia para as aulas práticas, às vezes levava junto um de nós – eu ou o meu irmão mais velho, o Solon. Dessa convivência nasceu esse gosto pela agricultura, pelo agro, né. O qual eu nunca deixei.

Que idade o senhor tinha na época dessas saídas a campo?

Araújo – Acho que foi quando eu tinha 17, 18 anos. Um pouco menos, 15 anos… Começou com 15 anos.

Quando o senhor foi para a Faculdade de Agronomia, já convivia com o pessoal do Aeroclube?

Araújo – Aí aconteceu outra coisa interessante, pela qual, acredito, muitos colegas pilotos da ativa ou aposentados tenham passado também. Quando tinha 15 anos, ganhei uma bicicleta e, principalmente nos finais de semana (quando não tinha aula), ia pedalando para o aeroclube e ficava vendo os aviões decolando. Na época, havia três ou quatro linhas da Varig operando em Pelotas, com aqueles DC-3. Então, o programa meu e de um primo era irmos para lá ficar o sábado ou o domingo todo, ou em parte, admirando os aviões e conversando com o pessoal lá. Daí, quando entrei na faculdade, eu já tinha a firme ideia de fazer o brevê de piloto. Casualmente, encontrei lá (na faculdade) um colega na mesma situação (Moacir Correa) e que depois viria a se tornar comandante na Transbrasil. Hoje ele está aposentado, mas na época nós dois íamos lá para o aeroclube, vendo tudo, conversando com o pessoal, empurrando aviões, ajudando em tudo. Isso foi em 64 já, logo que entramos na faculdade. Em 65 eu tirei o meu brevê (de piloto privado).

Aí o senhor foi cursando a Agronomia também tentando fazer as horas para a licença de piloto comercial…

Araújo – Isso. Nós nem pensávamos em aviação agrícola, que praticamente não existia na região1. Nós imaginávamos nos formar em (aviação) comercial. Queríamos, romanticamente pensando, o emprego de agrônomo que usasse o avião para se locomover de uma propriedade para outra. Isso nós nunca conseguimos. Mas já no final da faculdade, em 67, tivemos algumas palestras lá sobre a, ainda incipiente, aviação agrícola. Se não me engano, uma das palestras foi dada pelo Marcos Vilela, mas não tenho certeza. Isso nos despertou a possibilidade de uma porta para reunirmos Agronomia e Aviação.

(1) Apesar de Pelotas ter sido palco, em 19 de agosto 1947, da primeira operação aeroagrícola do Brasil – protagonizada pelo piloto Clóvis Candiota e pelo agrônomo Leôncio Fontelles, depois dos anos 1950 não havia nenhuma empresa aeroagrícola atuando no Estado.

O senhor chegou a conhecer o Clóvis Candiota na ocasião ou nessa época ele já estava afastado da aviação?

Araújo – Ele já estava afastado e não o conheci. Fui conhecê-lo naquela 1ª Reunião Anual dos Aplicadores Aéreos Brasileiros, em 1971 (de 9 a 18 de julho), no Parque Anhembi, em São Paulo.

Promovido pelo Ministério da Agricultura…

Araújo – Sim, o tenente-coronel Marialdo Rodrigues Moreira2 que organizou.

(2) Cedido pelo Ministério da Aeronáutica, Marialdo Moreira liderou a organização do setor aeroagrícola no âmbito governamental, bem como a elaboração da primeira legislação sobre o setor a partir de 1965 com a criação dos Cursos de Aviação Agrícola (Cavag), que formava pilotos. E do próprio Decreto-Lei nº 917, de 7 de outubro de 1969, que foi o primeiro regramento das operações aeroagrícolas no País.

O senhor saiu da faculdade, foi trabalhar em agronomia, mas ainda perseguindo a licença de piloto comercial. Já tinha a aviação agrícola como meta?

Araújo – Não como meta ainda, porque ela era muito incipiente. Em 67 não existia nenhuma empresa ou operadores privados de aviação agrícola no Rio Grande do Sul. Os únicos aviões agrícolas no Estado naquela época eram da Secretaria de Agricultura do Estado. E a Secretaria tinha aviões velhos, como o Dornier, o (Piper) PA-18. Eu vi o Dornier, mas não tive vontade de voar com ele porque era um avião meio estranho (risos). Mas, nessa época, a Secretaria de Agricultura comprou aviões Cessna AGwagon novinhos que faziam escala em Pelotas ou se baseavam na cidade, principalmente quando estavam fazendo semeadura de pastagem. Aí sim, entrávamos na cabine. Os pilotos eram muito camaradas e explicavam tudo para a gente. Fortaleceu aí a vontade de tentar, um dia, reunir as duas coisas.

Aí veio o Cavag de 1970, isso?

Araújo – Antes disso teve um intervalo. Entre 1967 e 1970, eu tive que completar as horas. Aí eu e alguns colegas nos tornamos “ratos de hangar”. É uma expressão que a turma da aviação conhece bem e pela qual a maioria passa: ficamos pelo aeroclube, já com a carteira de piloto privado e esperando oportunidades para pilotar aviões e somar horas de voo, que iam sendo registradas. Então eu consegui aumentar o número de horas até atingir as 200 horas que permitiam atingir o tempo de piloto comercial. Isso eu fiz ainda em 1970, já por começar o único Cavag realizado em Pelotas. Tive essa sorte porque na Fazenda Ipanema3 houve um problema qualquer, burocrático, e não houve o curso lá naquele ano. Então procuraram outro local e fizeram uma parceria com a Universidade de Pelotas. Eu acabei inclusive me envolvendo na mediação, já que conhecia todo o pessoal. Aí ainda fiz mais um pouco de horas para conseguir fazer o curso de piloto agrícola no final do ano.

CAVAG: o curso do Ministério da Agricultura ocorria apenas na Fazenda Ipanema, em Sorocaba/SP, mas teve, excepcionalmente, sua quarta edição transferida para Pelotas, com Araújo (segundo agachado, a partir da esquerda) integrando a turma de 1970.
Foto: Arquivo pessoal

(3) Mantida pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) no atual município de Iperó, no interior paulista, a Fazenda Ipanema sediou o Cavag até 1991, quando o local foi desativado pelo governo federal. A formação de pilotos passou então para a iniciativa privada, por delegação do Mapa.

Quando o senhor conseguiu sua licença de piloto agrícola, começou logo a trabalhar como agrônomo e piloto?

Araújo – Aí tem uma etapa um pouco anterior. Eu não consegui, ao me formar no início 68, nada que conciliasse a agronomia com a aviação. Então saí em busca de emprego onde houvesse. Fui aprovado no concurso do então Inda, Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário no Estado. Não consegui colocação para as vagas, mas os primeiros excedentes foram admitidos para trabalharem como agrônomos na Ascar (Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural, que em 1977 se uniu à Emater gaúcha, passando a se chamar Emater-RS/Ascar), de assistência técnica do governo do Estado. Aí fui fazer o curso de pré-serviço da Ascar. Meu destino aí, como de vários colegas agrônomos, seria o de me instalar em uma cidade qualquer do Estado para dar assistência rural para os agricultores. Era agronomia pura. Mas aí, nesse meio tempo, foram criadas duas empresas de aviação agrícola no Rio Grande do Sul: a Agroavião, que ficava lá em Carazinho, e, logo em seguida, aqui em Pelotas, foi fundada a Agroar Aviação Agrícola Regional Ltda. Esta era uma empresa com uma sociedade grande, de várias outras empresas ligadas à produção. Essa empresa era dirigida por um conhecido meu, o comandante Pinto, que hoje é falecido. Ele então me telefonou enquanto eu fazia o curso em Porto Alegre. Convidou-me a voltar a Pelotas e assumir a responsabilidade técnica, como coordenador da empresa. Nessa época, a regulamentação (que passou a exigir a figura do coordenador e do técnico executor nas empresas aeroagrícolas) ainda não estava publicada, mas estava toda descrita no texto preparado pelo Marialdo (Moreira). Não preciso dizer que minha decisão não demorou cinco minutos para ser tomada.

Imagino (risos)

Araújo – Mas eu ainda tinha um certo compromisso com a Ascar, que estava me custeando o curso na capital. Eu me sentei com o coordenador e expliquei a situação, propondo-me a ressarcir o curso que havia feito até ali. Ele, felizmente, entendeu a situação. Eles (na Ascar) foram muito abertos e disseram que não iriam me segurar diante de uma oportunidade dessas. No dia seguinte, em 3 setembro de 1968, assumi como coordenador técnico da empresa aqui em Pelotas. Parênteses: sem entender nada ainda de aviação agrícola. Fui aprender depois. Eu lia muito sobre o tema, já que tinha vários livros. Mas foi aí que realmente começou meu trabalho como agrônomo ligado à aviação agrícola. Mas ainda não como piloto. Nessa época eu ainda não tinha as horas de comercial para ao menos fazer os voos vazios com o avião agrícola (de translado, onde é exigido ao menos a licença de piloto comercial). E muito menos os voos agrícolas (que só podem ser feitos com a licença especial para isso). Estava fazendo só o trabalho de agrônomo mesmo, vistoriando as lavouras, calibrando avião, dando instruções para o pessoal e tudo o mais da função. Mas fomos pioneiros na época. A primeira empresa, embora ainda nem previsto e nem obrigado pela legislação, a contratar técnicos agrícolas para acompanhar os aviões (como executores na equipe em solo) nas operações em campo. Ou seja, a figura do executor de aviação agrícola começou nessa época aqui em Pelotas. O coronel (na época major) Marialdo esteve aqui e passou uma semana nos visitando para saber como era a rotina nas operações, já que ele não entendia muito da prática de aviação agrícola. Naquela oportunidade, trocamos muitas ideias e algumas dessas foram incorporadas à legislação de aviação agrícola que temos hoje (que veio a partir de 1969).

O senhor menciona o comandante Lunardini como alguém que também o teria ajudado muito…

Araújo – O comandante César Lunardini era piloto de táxi aéreo, avião executivo. Ele era de Porto Alegre, já tinha bem mais idade do que eu e estava há bem mais tempo na aviação. Ele foi fazer o segundo Cavag e, quando estava lá (em São Paulo), ele foi contatado pelo nosso diretor para vir trabalhar aqui. Como pessoa e como piloto ele era fantástico. Além de ser um excelente amigo, companheiro bom de trabalho, era extremamente interessado em aprender coisas da aviação agrícola. Então, além dos ensinamentos que ele trouxe do Cavag, abastecia-se de literatura e tudo o mais. Assim, ele já sabia sobre aviação agrícola dez vezes mais do que tudo o que tínhamos só de literatura. Realmente, nos ensinou muita coisa. Tanto que o pessoal da Travicar4 deve se lembrar muito dele. O falecido Luis Boris (fundador da empresa), que teve uma relação muito próxima com o César Lunardini absorveu muitas ideias que depois possibilitaram à Travicar entrar no ramo da aviação agrícola. Até então a Travicar era uma retificadora.

(4) Travicar Tecnologia Agrícola, sediada em Porto Alegre.

Antes disso os equipamentos aeroagrícolas eram todos de fora do País…

Araújo – Todos de fora. A primeira empresa que começou a fabricar equipamentos para aviação agrícola no Brasil foi a Travicar.

Depois disso, o senhor foi ser executivo da Anapla (Associação Nacional dos Aplicadores Aéreos), confere?

Araújo – Isso também foi coisa que veio através do coronel Marialdo. Nós não o conhecíamos, mas ele esteve aqui em Pelotas por uma semana. A essa altura, eu já entendia bem mais de aviação agrícola e o diálogo fluiu bem melhor. Quando ele voltou para São Paulo e, depois de ter organizado a legislação do setor, passou a organizar o encontro de 1971 (a 1ª Reunião Anual dos Aplicadores Aéreos Brasileiros, no Anhembi), ele me convidou para ir lá fazer uma palestra. No encontro, eu falei sobre aplicação de produtos sólidos por avião, já que nessa época a gente fazia muita semeadura de pastagens e aplicações de ureia no arroz aqui no Sul. Nessa reunião é que estavam o Clóvis Candiota, o Marcos Vilela, o comandante Roque, que era da (antiga) Serrana (de Aviação Agrícola S/A). Estavam também o diretor da Corsário (Aviação S/A), que era então a maior empresa (do Brasil), o diretor Roberto Moura, da (Aeroagrícola) Caiçara, em Santos. Enfim, todos aqueles primeiros empresários da aviação agrícola. Então nessa reunião eu estreitei ainda mais as relações com o mundo aeroagrícola que eu conhecia pouco, já que ficava mais aqui em Pelotas. Nessa oportunidade, fui visitar a Embraer, que recém tinha sido fundada. Passei um dia lá na empresa e fiquei realmente admirado e entusiasmado. Mas voltei para a Pelotas e continuei trabalhando. Aí já voando, porque já havia conseguido em 70 a minha carteira de piloto agrícola. Fiquei voando e trabalhando como agrônomo aqui na Agroar até 1972. Então aquele pessoal que esteve na reunião de 1971 resolveu criar a Anapla (Associação Nacional de Operadores de Aviação Agrícola) e, como tinham me conhecido naquela reunião, convidaram-me para trabalhar na entidade como secretário-executivo.

ETAPA: Araújo (direita) no dia de seu voo agrícola solo, ao lado do instrutor, o comandante Cézar Lunardini.
Foto: Arquivo pessoal

E aí, depois de um tempo, o Marialdo foi buscar o senhor na Anapla…

Araújo – A Anapla funcionou pouco tempo, e o Marialdo… Sobre a Anapla, não vamos entrar em detalhes, mas ela se desviou um pouco do objetivo e eu me afastei. Pedi para sair da Anapla e o coronel Marialdo continuou um pouco. Ele não tinha função executiva na entidade, apenas de assessoria. Mas aí ele fundou uma empresa de consultoria e comercialização de material aeronáutico e me convidou a trabalhar com ele. Fizemos alguns serviços juntos, principalmente de organização da empresa e contatos com clientes. Mas o mais importante dessa relação é que o Marialdo e eu propusemos para a Embraer um estudo de mercado dos Ipanema. O início do modelo foi conturbado, com algumas críticas e rejeição. Em parte, porque, ao lançar o modelo, foi feita uma reserva de mercado que proibia a importação de aviões. A própria Anapla havia tentado viabilizar a importação de aviões e não havia conseguido. Já existiam uns 20 ou 30 Ipanema operando pelo País, os EMB- 200, e propusemos um estudo de mercado, contatando esses clientes para ver opinião deles sobre o avião e sugestões de eventuais melhorias, para colocar tudo em um relatório para a Embraer. Nós fizemos isso e aí vem uma parte pitoresca da história: o Marialdo conseguiu emprestado da empresa Aerotec, que era fabricante do Uirapuru, um biplace de treinamento, um avião emprestado. E fizemos boa parte desse trajeto pelo Brasil a bordo de um Uirapuru, nos revezando. Eu pilotava um pouco, depois o Marialdo outro tanto. Foi divertido e interessante. E, principalmente, produtivo. Colhemos muitas informações. A maioria desfavorável, porque o pessoal estava encantado com o AG Wagon (cuja importação estava proibida), que era um avião com 300 cavalos e 750 quilos de capacidade de carga. Enquanto o Ipanema tinha 260 cavalos e 650 quilos de carga. Além disso, o pessoal reclamava que era menos confortável, mais arriscado. Principalmente os pilotos iniciantes eram avisados pelos mais velhos “olha, cuida muito com esse avião, que ele é perigoso” … Quando, na verdade, não era nada disso. Era um avião que, claro, tinha suas características. Mas dentro da categoria dele, era um bom avião.
Esse trabalho gerou um grande debate dentro da Embraer e eles resolveram adotar isso como sistemática. Então eu fui convidado a trabalhar na empresa para dar continuidade a esse tipo de trabalho, entre outros. Pedi licença ao Marialdo e ele entendeu que na Embraer eu teria um futuro melhor. Então, em 1973 fui para a Embraer, quando eu saí da parceria com o Marialdo, embora continuássemos sempre nos encontrando e trocando ideias. Principalmente em finais de semana. Minha trajetória na Embraer começou como um apoio técnico ao setor de marketing.

Mas o senhor também chegou a pilotar na empresa. Como foi essa etapa?

Araújo – Foi um desses acasos, quando uma coisa difícil de acontecer acontece, como trabalhar em um setor e atuar também em outros. Quando eu entrei na Embraer eu disse que, além da assessoria técnica agronômica para o Departamento de Marketing, eu gostaria também de voar o Ipanema. Eles me proporcionaram inclusive testar o avião para dar minha opinião. Mas existia um regulamento na empresa onde só podia trabalhar na função de piloto quem entrasse no Departamento de Ensaio em Voo. Eu estava em outro departamento. Então no início eu comecei atuando apenas… aliás, apenas não, porque só ali já tinha bastante trabalho: como agrônomo. Eu viajava muito, orientando o pessoal, colhendo impressões e discutindo com a Embraer quais sugestões eram ou não possíveis de aplicar. Era um trabalho muito interessante, mas eu não voava. O meu voo mais rotineiro na Embraer começou por acaso. A empresa tinha somente um piloto agrícola: o Roberto Araújo, já falecido, infelizmente. Eu me dava muito bem com ele. Estávamos sempre conversando e trocando ideias. Um dia, ele saiu da Embraer do dia para a noite, para trabalhar em outro lugar. Aí também, do dia para a noite, a empresa ficou sem ter piloto para fazer os voos de ensaio agrícola. A Embraer tinha outro piloto de teste, mas não era agrícola. E eles queriam um piloto agrícola para testar o equipamento agrícola. Os dois departamentos entraram então em acordo e eu fui autorizado a voar, temporariamente, os Ipanema. Isso enquanto eles selecionavam novos pilotos agrícolas, o que era um processo demorado em uma empresa tão grande. Assim, por dois ou três meses, ou mais, eu pude aproveitar a função de piloto de testes que era receber os aviões saídos da linha de produção, testá-los, anotar discrepâncias. Por exemplo, se o avião tem tendência para esquerda ou direita, se as características de estol com o aparelho carregado precisavam ser ajustadas. Mas foram pouquíssimos casos em que o avião saiu da linha de produção necessitando algum ajuste. Mas aí eu voei realmente bastante. Foi a época do lançamento do modelo EMB-200A. Quando os novos pilotos foram contratados, eu fiquei na reserva. Continuei registrado naquele departamento e, quando precisava, eu voava novamente. Eu voltei para o meu departamento. Mas aí surgiu, digo, avançou a ideia que já havia tido, de colocar o avião a serviço da tecnologia de aplicação. Tentar otimizar a distribuição de bicos, tipos de bicos, pressão de trabalho, largura de faixa. Enfim, uma série de coisas que não haviam sido contempladas no projeto do avião.
Isso coincidiu com um surto de encefalite nos municípios de Itanhaém, Peruíbe e Mongaguá, no litoral de São Paulo. Não sei bem quem fez o primeiro contato, se foi a Embraer ou a Sucen (Superintendência de Controle de Endemias do Estado). Mas o pessoal da Sucen era muito avançado, sem preconceitos (quanto a tecnologia) e ouviram falar (em literatura que falava sobre a possibilidade de controlar mosquitos com uso de avião). Então, eu fiquei uma semana mais ou menos lá com o pessoal da Sucen e do Instituto Biológico, planejando como seria essa operação piloto. O projeto então dividiu a área lá – o que foi uma proposta minha, inclusive: ao invés de se fazer toda a área de uma vez, separar uma área pequena primeiro, para ajustar inclusive largura de faixa – a literatura diferia, já que alguns (autores) falavam em 50 metros e outros mais. E nós então resolvemos fazer uma área piloto. Tudo ajustado e testada à eficiência, estenderíamos o trabalho, abrangendo então os municípios de Itanhaém e Peruíbe. Fizemos então três aplicações nessa área piloto, com o que eu considero um dos melhores trabalhos feitos em aviação agrícola. Pegou toda a cadeia, desde os sistemas tradicionais que usavam até a aplicação aérea. E resultou um relatório muito extenso, que foi aprovado no Congresso de Engenharia Sanitária no Rio de Janeiro (8º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, ocorrido na capital fluminense de 14 a 19 de dezembro daquele ano). Aliás, aqui, se me deres licença, abro parênteses para uma crítica.

Pois não…

Araújo – Esse é o único trabalho – de uso de aviões para controle de insetos adultos em área urbana – o feito no Brasil com princípio meio e fim. Ou seja, com o acompanhamento por sanitaristas, biólogos, médicos. Toda a possibilidade de avaliação foi feita nesse trabalho e com tudo posto no papel, com números e tudo o mais. E aqueles que hoje resistem em repetirmos esse trabalho, por exemplo, para o controle da dengue, não têm nenhum trabalho científico feito aqui no Brasil que prove o contrário. Dizem: “isso não funciona”. Mas não apresentam um trabalho que ateste que não funciona. Enquanto nós apresentamos um trabalho de fôlego que diz que funciona. Eu acredito que o método científico é que tem que valer. Então, se querem contestar, que façam um trabalho semelhante e provem que não funciona. É isso que o Sindag vem tentando fazer há décadas. Repetir esse trabalho para aprimorar a técnica ou ver se realmente o mosquito mudou, as condições ambientais mudaram e realmente não funciona mais. Mas combater o trabalho científico só com palavras não faz parte do procedimento científico.

Na aplicação terrestre, ou fumacê, como é comumente chamado, diz-se que ele funciona e não teve estudo, tanto que é usado atualmente. Enquanto no episódio da Baixada Santista as técnicas se completaram, não foi isso?

Araújo – Realmente, os trabalhos terrestres não têm avaliação nenhuma. Há alguns (estudos) que comparam tipo de produtos. Mas sem o fôlego que teve aquela pesquisa em São Paulo. Há (sobre os terrestres) no máximo relatos: “tal produto funciona assim ou assim”. Nos Estados Unidos, há até uma unidade da Força Aérea especializada em aplicações contra mosquitos. Eles têm um conceito técnico mais consolidado, com protocolo de onde entra o terrestre e quando é usado o avião. Inclusive com um especialista (Mark Latham, diretor do Distrito de Controle de Mosquitos do Condado de Manatee) já tendo dado entrevista sobre isso para a Revista Aviação Agrícola (na edição nº 5) e relatando encontros anuais realizados lá para atualizar as novidades sobre a técnica. Aqui no Brasil, não se enxerga essa tática.
Realmente é uma situação diferente. Nos EUA há inclusive uma associação nacional de controle aéreo de mosquitos, com reuniões e publicações científicas. Inclusive o Sindag já expôs ao Ministério da Saúde que a ideia é fazer testes rigidamente acompanhados por médicos, biólogos, entomólogos, ecologistas. Enfim, toda a equipe que possa fazer essa avaliação juntamente com o pessoal que vai fazer as aplicações. Naquela oportunidade no litoral paulista, nós tivemos o apoio do doutor Waldemar Ferreira de Almeida, que era a maior autoridade na época na área de toxicologia. Ele apoiou a divulgação da operação, foi para a rádio explicar que as pessoas não precisavam ter receio, deixar as portas e janelas abertas. Foi um apoio institucional, ele era diretor do Instituto Biológico de São Paulo. Hoje carecemos de uma entidade de peso que dê o aval. Entidades como a Fiocruz combatem, porém cegamente, esse trabalho. É importante, ainda, acrescentar que, utilizando a técnica aprovada em Mongaquá – a área piloto –, o restante da área – municípios de Itanhaém e Peruíbe –, foram tratados na sequência, por aviões cedidos desta vez pelo Ministério da Agricultura.

Ainda dentro da Embraer, o senhor aprimorou ou testou técnicas de aplicação em lavouras normalmente não atendidas pela aviação agrícola. Como foi isso?

Araújo – Depois desse trabalho no litoral de São Paulo, a Embraer despertou para a importância de colocar o avião a campo para demonstrar sua eficiência. O que eu chamo de não só vender avião, mas vender a aviação agrícola. Ou seja, abrir mercado. Isso trouxe como consequência um pedido, não lembro se partido da Secretaria de Agricultura do Ceará ou da Embrapa, mas sei que foi um trabalho conjunto, que estavam tentando combater a antracnose nos cajueiros. Daí cogitaram o uso do avião para aplicação de fungicida, avião este – um Ipanema EMB-201 cedido pela Embraer. Fui deslocado para lá com uma equipe e fizemos uma reunião local para definir como seria o trabalho. Fizemos acho que cinco cidades, como Fortaleza, Pacajus, Aracati e Russas. Nessas cidades, foram escolhidas algumas áreas para fazer também um trabalho científico com estatísticas da Embrapa. Ficamos lá uns 45 dias fazendo um ciclo de três aplicações semanais em cada área. Foi um trabalho muito bom e que foi divulgado. Tanto que o representante da Secretaria de Agricultura do Ceará compareceu no simpósio que fizemos no Guarujá, em São Paulo (1º Simpósio Nacional de Operadores Aeroagrícolas, de 10 a 13 de maio de 1976), e expôs o resumo do trabalho, mostrando a eficiência do avião em vários aspectos. Eu ia me esquecendo de citar um fato pitoresco: uma das áreas atendidas lá era do maior produtor de caju do Brasil, seu Jaime (Tomás) Aquino (fundador da Companhia Industrial de Óleos do Nordeste – Cione). Ele apareceu na pista, meio assustado porque tinha uma área de floresta que estava sendo dizimada por uma lagarta. A infestação era impressionante e estava desfolhando tudo. Ele perguntou se poderíamos aproveitar a ida do avião para ajudá-lo. Consultei a Embraer, que concordou. Fizemos uma aplicação em ultrabaixo volume (casualmente, eu havia levado o equipamento). Foi gratificante, porque fizemos a aplicação de manhã e à tarde já se constatou a eficiência. Ele então, em agradecimento, presenteou-nos com 20 quilos de castanha de caju para cada um.

HOMENAGEM: recebendo a Medalha Mérito da Aviação Agrícola, do então presidente do Sindag Júlio Kämpf, que hoje dirige o Ibravag.
Foto: Arquivo pessoal

De lá, vocês foram fazer testes com aplicações aéreas em outras lavouras?

Araújo – Inclusive em uma importantíssima. Até a década de 70, a Embrapa era contra a aplicação aérea de fungicida em trigo. Dizia que não funcionava e nós tínhamos um problema sério de ferrugem em trigo. As cooperativas não contratavam o avião porque a Embrapa dizia que não funcionava. Então, fizemos um convênio Embrapa/Embraer para um experimento com acompanhamento científico para aplicação fungicida em trigo em Passo Fundo. Foi em 1977. Eu não trabalhava mais na Embraer, mas a empresa me chamou para fazer os voos desse avião lá. Fizemos aplicações por três anos seguidos. Funcionou bem e a Embrapa passou a recomendar o uso da aviação para aplicação de fungicida em trigo. Isso saiu em um relatório da Comissão Sul-Brasileira de Pesquisa de Trigo, não só recomendando o avião, como indicando os parâmetros de tamanho de gota, equipamento e tudo o mais. Foi um trabalho produtivo de abertura de mercado, o que eu continuo pregando até hoje. Teve também uma demonstração em 1978, onde a Embraer me chamou para acompanhar demonstrações do Ipanema no México. Ficamos 30 dias, eu, o piloto Godofredo, recém-contratado pela empresa e mais um engenheiro percorrendo o país.

Venderam o avião por lá? Qual foi o resultado dessa empreitada?

Araújo – Não se vendeu nada. Primeiro, porque o Ipanema não conseguiu aprovação das autoridades aeronáuticas locais. Talvez por pressão dos norte-americanos, que estavam vendendo por ali o Cessna, Pawnee e todos os mais. E depois houve fundação de uma empresa mexicana, a (Aeroservicios) Bárcenas, que se propôs a montar o avião CallAir, norte-americano. Depois não sei se ela continuou. Mas começou a fazer pressão, naturalmente, junto ao governo mexicano: ela montaria, faria o investimento, mas se garantisse uma certa reserva de mercado. Então o Ipanema acabou não indo para lá.

Como era na época a aviação agrícola do México. Era consistente?

Araújo – Era. Na época era, acredito, a segunda maior frota (mundial). Não tinha estatística, mas eles falavam em 800 a 1 mil aviões, enquanto o Brasil tinha umas poucas centenas, algo como 400 aviões.

Ainda na Embraer, o senhor participou da entrega técnica dos aviões comprados pelo Uruguai. O que o senhor lembra daquela ocasião? A piloto Mirta Vanni5 veio.

Araújo – Aquela vez da Mirta foi interessante. Ela chegou com mais nove pilotos para retirar dez aviões Ipanema. Eu fiz parte do grupo que fez o treinamento deles. Ficamos uma semana fazendo o chamado ground school, descrevendo o avião. A mim tocava descrever como funcionavam os equipamentos agrícolas. Outra turma falava do motor e manutenção preventiva. Depois dos voos, o pessoal do ensaio em voo dava as orientações. Na entrega, conversamos com um por um. Tinha um piloto que era um abaixo dela (Mirta). Era um camarada muito bom, atilado e dava um suporte técnico importante para a senhora Mirta. Não lembro o nome, mas recordo que jantei com ele uma noite. Lembro que a presença do grupo deu uma repercussão muito grande na imprensa de São José dos Campos (onde fica a sede da Embraer). A novidade da entrega de aviões para o Uruguai, a mulher que era piloto e, mais ainda, chefe do grupo.

(5) A uruguaia Mirta Vanni Barbot foi a primeira mulher piloto agrícola do mundo e não só chefiou como ajudou a organizar o então serviço federal de aviação agrícola de seu país. Hoje com 96 anos, ela vive em Montevidéu e foi entrevistada para a Edição nº 2 da revista Aviação Agrícola, em 2018.

Quando o senhor saiu da Embraer foi para fundar uma empresa, isso?

Araújo – Eu saí da Embraer para fundar a Mirim Aviação Agrícola. Eu tinha alguns amigos que tinham sido clientes da Agroar e que plantavam arroz em Santa Vitória do Palmar. Tinha muita amizade com eles. Eram inclusive contemporâneos do curso de Agronomia e eles insistiram durante muito tempo para que viesse ajudá-los a fundar uma empresa. Aí fundamos a Mirim, em 1976. Na Mirim, eu trabalhei incialmente como piloto e agrônomo. Começamos com dois aviões e às vezes faltava um piloto. Depois que cresceu o número de aviões, eu fiquei só na parte de coordenação técnica. Mas eu exercia essa atividade paralelamente ao trabalho junto ao grupo produtor de arroz, aí, sim, na parte de agronomia. Foi o que me atraiu na volta ao Sul, esse trabalho de agronomia. Passei vários anos atuando na avaliação de lavouras, prescrição agronômica, compra de insumos, supervisão da aplicação. Até 1988, quando passei a trabalhar exclusivamente na Mirim, que já tinha 15 aviões.

O senhor também foi diretor técnico no Irga (Instituto Rio Grandense do arroz) também, né?

Araújo – Nesse meio tempo, atuando como agrônomo no condomínio Granja Mirim, na troca de diretoria do Irga, alguém sugeriu meu nome e foi aprovado. Fiquei um ano e meio trabalhando na função de supervisionar parte de pesquisa do Irga e sua assistência técnica. Quando mudou o governo do Estado, foi trocada a diretoria e eu saí. Eu atuava no Irga em paralelo à Mirim, embora tivesse saído do Condomínio. Saí da Mirim Aviação Agrícola em 1996, 20 anos após a fundação.

Foi com a fundação da Agrotec…

Araújo – Isso. Mas a minha saída da Mirim foi programada e planejada. Contratamos outro agrônomo, o Eugênio (Schröder), que está até hoje lá. Fomos preparando minha saída, mas com um prazo de três anos. Quando estava nesse preparo da saída, criei a Agrotec, que se destinava à formação de pessoal. Conseguimos delegação do Ministério da Agricultura e passamos a formar executores de aviação agrícola (especialização para técnicos agrícolas) e coordenadores de aviação agrícola (para engenheiros agrônomos). Isso inicialmente. Em 1995 surgiu o DGPS (equipamento de georreferenciamento via satélite com sinal diferencial, muito mais preciso e rápido) no Brasil. Para implantar o DGPS, os fabricantes, através de seus representantes no Brasil, quiseram fazer alguns testes e trouxeram o equipamento para Pelotas. Nós instalamos num avião da Mirim. Foram dois equipamentos que estavam, vamos dizer assim, em competição. Nós aprovamos um, que é Satloc, e passamos a dar assistência para o pessoal que operava. Dávamos os cursos e treinamentos. Em Pelotas, Brasil todo, Argentina e Uruguai. Em função desse trabalho, o fabricante nos convidou para fazer também sua comercialização. Assim, além de dar assistência para o pessoal, passamos a fornecer o equipamento. Antes disso, ainda fomos convidados a dar também assistência técnica eletrônica. Montamos uma oficina eletrônica e passamos a atender os operadores. Os aparelhos eram trazidos a Pelotas, mas também viajávamos para ir fazer correção in loco. Trabalhei na Agrotec por 15 anos, até 2010. Vendi a empresa aos colaboradores e ela continua funcionando até hoje.

Durante seu tempo de Agrotec, havia um parceiro inglês que ia com o senhor aos Congressos Sindag (hoje Congresso da Aviação Agrícola do Brasil). Quem era?

Araújo – No começo, tínhamos dois parceiros nas edições do congresso. Um da Inglaterra e outro dos Estados Unidos. O inglês vinha porque, isso eu não citei, passamos a representar também os atomizadores ingleses Micronair, em caráter exclusivo no Brasil. Então, nos eventos tínhamos o apoio de um técnico norte-americano da Satloc (EUA) e o outro da Micronair.

O senhor teve também a participação no nascimento do Sindag. Em 1991, em um evento da Fenag (Federação Nacional de Aviação Agrícola). O senhor também participava da Fenag naquele ano.

Araújo – Sim. Depois da Anapla, ficou uma certa lacuna no setor. Nesse meio tempo se criou, aqui no Rio Grande do Sul, a Assupla (Associação Riograndense de Aplicadores Aeroagrícolas). A exemplo dela, foram sendo criadas outras associações regionais. Então no 2º Simpósio Nacional de Aviação Agrícola, em 1980, em Foz do Iguaçu, resolveu-se criar a Fenag, juntando as associações estaduais e regionais6. Eu participei da reunião de fundação e passei a atuar na Fenag durante anos, ocupando vários cargos. Tivemos muitas idas a Brasília. A entidade funcionava, mal comparando, como o Sindag de hoje, mas com muito pouco recursos. Ela não representava as empresas, mas as entidades associadas. Daí, muitas discussões surgiram para se criar uma entidade que representasse, juridicamente constituída (coisa que a Fenag não era), a aviação agrícola e que diretamente congregasse as empresas. Isso acabou acontecendo somente em 1991, em São José do Rio Preto (São Paulo). A Fenag continuou a existir ainda paralelamente, mas transferiu toda a parte política jurídica ao Sindag, que iniciava então com 25 empresas. No sindicato aeroagrícola, também passei a desempenhar várias funções no passar do tempo. A última delas como diretor técnico e depois como consultor, que eu sou até hoje, com muito orgulho.

(6) Asapar, do Paraná; a Asamir, que abrangia empresa aeroagrícolas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; a Acoavi, do Centro-Oeste, e a Associação de Aviação agrícola do Nordeste (AQRAA).

Como o senhor avalia essa trajetória, do Sindag que viu nascer até a entidade que está aí hoje? E quais os próximos passos do setor?

Araújo – O Sindag de hoje não tem nem comparação com o Sindag daquela época. Ele é extremamente estruturado, extremamente agressivo (no bom sentido), criativo, procurando realmente grandes questões, desde a área política até a formação de pessoal. Eu vejo o Sindag como uma entidade exemplar. Só para comparar, no seu início, quando havia uma reunião em Brasília sobre aviação agrícola, precisávamos entrar em contato para dizer: “ó, não se esqueçam do Sindag. Gostaríamos de participar“. Hoje, o Sindag é que é demandado, é chamado a participar. E nas reuniões do qual participa é sempre citado. Então, eu vejo um futuro grandioso. Temos agora a criação do Ibravag (Instituto Brasileiro de Aviação Agrícola). É preciso uma certa criatividade, paciência e bom senso, que se está tendo, no sentido de separar bem a atribuição de uma ou outra entidade. Por enquanto, se está delineando que o Ibravag vai ficar mais com a parte de formação de pessoal, pesquisa e tudo mais (em capacitação e geração de conhecimento). E o Sindag ficará mais com a parte Jurídica (que é pesada), política e a assessoria aos operadores aeroagrícolas, onde está realizando um trabalho fantástico, muito bom.

Como é a rotina do senhor hoje? O senhor continua produzindo bastante, já que está em todos os grupos técnicos da entidade, e, quando alguém lhe pergunta algo, logo vem um parecer completo.

Araújo – Facilitou muito a questão do contato virtual. Eu já não tenho mais, por alguns problemas de saúde, condições de viajar tanto, toda hora, como ia às vezes duas a três vezes por semana a Brasília para reuniões. Isso eu não teria condições de fazer. Mas estou sempre antenado via computador. E, sempre que o pessoal pede alguma coisa, eu procuro atender dentro do possível. Mas sempre dou uma resposta, nem que seja “eu não tenho essa reposta”. Eu passo hoje 90% do tempo em Pelotas e, desses, 100% no computador. Faço questão de, sempre que possível, contribuir com o Sindag. Voluntariamente, como sempre fiz, e com muito gosto. Desde a criação da Anapla eu me convenci que, sem associativismo, a aviação agrícola não existiria. Precisa existir entidades fortes para apoiar o setor.

Ouvindo a história do senhor, dá a impressão que foi a aviação agrícola que lhe escolheu, e não o contrário. Nasceu na cidade berço do setor no Brasil, formou-se em Agronomia e as coisas foram acontecendo a ponto até do Cavag, que ocorria na Fazenda Ipanema, em São Paulo, ir até Pelotas em uma edição para o senhor participar…

Araújo – Eu não diria que a aviação agrícola me procurou. Eu diria que é um fator sorte. Realmente as coisas aconteceram inesperadamente e me levaram para o lado que eu queria. A vinda do Cavag para Pelotas foi devido a um problema que eles tiveram lá (em São Paulo) que impossibilitou a realização do curso de 1970 (na Fazenda Ipanema). Problemas de desavenças e nessa época o coronel Marialdo, que já nos conhecia, sugeriu o contato com Pelotas. Ele nos telefonou perguntando das condições aqui. “Pista tem, alojamento tem”, mas faltava conversar com a Universidade de Pelotas, para saber se eles respaldariam o curso. Precisavam desse convênio, um aval técnico-científico. Aí eu falei com o Aeroclube e a Universidade. Claro que eu era o mais entusiasmado, já que, se não fizesse o curso em Pelotas, talvez não pudesse fazê-lo, já que minha atividade aqui impossibilitaria que eu ficasse fora por 45 dias. Foi muita coincidência, sorte e um pouco de rede de conhecimento que a gente tem que ter. Mas não me conformo até hoje da Fazenda Ipanema ter caído no esquecimento*. Ela poderia ser aproveitada pelo Ibravag e pelo Sindag em um convênio com o Mapa. Aproveitar que estamos em alta com possíveis patrocinadores (empresas que estão demonstram muito boa vontade). Poderíamos montar lá o que o Catô, o Carlos Heitor (de Oliveira Belleza, ex-presidente do Sindag), e eu chamávamos de Centro de Referência da Aviação Agrícola. Ali se poderia fazer reciclagem de pilotos, padronização de instrutores, pesquisas em convênio com Embrapa, para tecnologias de excelência em aplicações aéreas. Há uma estrutura se deteriorando, mas ainda em bom Estado.

Dá para dizer que é uma lacuna em aberto na história da aviação agrícola?

Araújo – É um tema de casa que falta fazer. O pessoal às vezes diz “tu és muito saudosista”. Mas 99% dos pilotos que fizeram Cavag ali se enquadrariam nessa categoria. Saudosistas. Também acham um absurdo o abandono da Fazenda onde aprenderam a voar e conheceram vários amigos. Uma estrutura pronta, que poderia estar prestando enormes serviços. A parte aeronáutica ainda preservada, com pista, hangares etc. Mas um hangar sendo usado como depósito de carros para serem leiloados. Isso é um absurdo.

Sobre a família: esposa, filhos, netos…

Araújo – Conheci minha esposa trabalhando na Embraer. Ela trabalhava no Setor de Engenharia, como secretária, e eu no Marketing. Nos conhecemos e, quando eu voltei a Pelotas, já vim acertado de que nos casaríamos. De fato, retornei a São José dos Campos em 1977 e nos casamos. Ela se chama Yayoi Matsumura de Araújo e é filha de japoneses. Tivemos dois filhos: o Ricardo, engenheiro de computação e professor na Universidade de Pelotas, de quem temos as netas Emília, de 11 anos, e Clarissa, de seis. Já a filha Márcia é nutricionista e mora em Porto Alegre. É casada com um piloto da Azul e dela temos os netos gêmeos Felipe e Rafael, de um ano e três meses.

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