A Inteligência Artificial (IA) chega ao agronegócio prometendo o uso sustentável dos recursos, bem como aumentar a produtividade no campo. E engana-se quem pensa que a agricultura brasileira está atrasada em relação a outros setores da economia. A tecnologia já está sendo usada na gestão administrativa e operacional, inclusive na lavoura no controle de doenças e pragas, mas especialistas no tema avisam: ainda é preciso muito trabalho. “Há demanda para pesquisa, há demanda para investimentos, porque para aplicar a inteligência artificial, você precisa de dados de qualidade”, pontua o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Instrumentação Paulo Estevão Cruvinel.
É na unidade de pesquisa com sede em São Carlos/SP, conhecida como a Capital Nacional da Tecnologia, que está sendo preparada uma inovação para o setor da aviação agrícola com foco na melhor qualidade da aplicação de defensivos. Conforme Cruvinel, este trabalho é uma continuidade da pesquisa desenvolvida pela Embrapa em parceria com o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e tem o propósito de promover o melhor ajuste dos pulverizadores embarcados para o controle de pragas nas lavouras com o suporte da IA.
GANHO DE QUALIDADE
“Objetivamente o que nós temos focado: ganho de qualidade no processo de monitoramento e seleção das ferramentas e dos equipamentos, além das demandas por manutenção da aeronave, quanto dos equipamentos embarcados”, assinala o pesquisador que tem se dedicado ao estudo e desenvolvimento de sensores, sistemas inteligentes e automação na agricultura. Um trabalho que pode ser melhor estruturado com o uso das ferramentas de IA para auxiliar os processos aéreos. Como já ocorre na gestão das propriedades, as ferramentas de IA auxiliarão na tomada de decisão, selecionando melhor quais os equipamentos e insumos que deverão compor uma determinada aplicação.
Cruvinel alerta que, em um primeiro momento, a IA na atividade aeroagrícola não terá uma atuação de controle real. Isto é: não apresentará uma decisão automática por inteiro. Ainda é um processo supervisionado. “Mas poderá caminhar para o controle total dependendo da estruturação de equipes, parcerias e alianças estratégicas”, assinala o pesquisador.
Conta que, atualmente, um dos projetos que coordena na Embrapa envolve a cultura do algodão, onde todo o modelo de decisão para o manejo da lavoura é baseado em uso da IA. Só que para isso, é necessário gestão de dados sobre o solo, sobre as plantas, sobre o clima e os insumos, envolvendo conceitos de BigData (volume, velocidade, variedade, valor e veracidade) e de Data Analytics – processo de inspeção, limpeza, transformação e modelagem de dados com o objetivo de descobrir informações úteis –, para trabalhar com as estatísticas dessas informações. Isso permitirá que a IA aponte, por exemplo, qual quantidade de água deve ser usada na lavoura, qual o produto para conter determinada praga, assim por diante. “Aí você usa esse sistema inteligente para tomar a melhor decisão”, destaca Cruvinel.
PALAVRA-CHAVE
Porém, para que a Inteligência Artificial funcione, além de abastecer o sistema com informações confiáveis e de qualidade, são necessários sistemas que possam estar cotidianamente se reatualizando e atualizando as bases de dados para os modelos de tomada de decisão. “A metrologia é uma palavrinha-chave”, explica o pesquisador da Embrapa Instrumentação Paulo Cruvinel. Por exemplo, na aplicação de determinado produto químico ou biológico para controlar uma planta invasora, a aplicação aeroagrícola necessita acessar digitalmente informações sobre qual planta que vai controlar, qual é a dose de calda a ser aplicada, assim como qual o potencial risco de deriva naquele ambiente.
Cruvinel explica que sempre será necessário trabalhar com dados confiáveis, que serão usados por classificadores especialistas, ou seja, modelos matemáticos e computacionais treinados e embarcados em tecnologias adequadas (envolvendo eletrônica, eletromecânica e sistemas computacionais inteligentes) para que a partir de séries temporais de dados possa se aplicar os métodos de auxílio à tomada de decisão de forma robusta. “Quer dizer, você vai de fato tomar uma decisão fundamentada em informação qualificada”, menciona o pesquisador.
Controle de variáveis ambientais é o grande desafio no campo
O pesquisador da Empresa Agricultura Digital Jayme Barbedo assinala que, na verdade, o Brasil está na linha de frente na aplicação da Inteligência Artificial (IA). No entanto, embora já existam máquinas dentro desse conceito operando no campo, ainda há muito trabalho duro a ser feito para que a ferramenta ofereça maiores benefícios aos produtores rurais e à sociedade. Um dos grandes desafios está diretamente ligado à natureza da atividade, que é a céu aberto e não há como ter controle sobre variáveis ambientais.
“Então você tem interferência de intempéries, de iluminação, de temperatura, fatores difíceis de comunicar à máquina, provocando um certo atraso na geração de tecnologias que realmente funcionem em campo e tragam benefícios para os produtores”, destaca o pesquisador. Para ele, ainda é preciso mais estudo para este obstáculo ser superado. No entanto, aponta que já há algumas tecnologias de inteligência artificial operando no campo, como a detecção automática de ervas daninhas.
Nesse sentido, conta Barbedo, já há várias máquinas de fabricantes diferentes no mercado. O processo de eliminação da praga pode ser com herbicida aplicado por qualquer equipamento aéreo e terrestre, ou por processo mecânico. Cita que um dos equipamentos existentes no mercado tem uma haste que empurra e mata a planta, sem a necessidade de aplicação de produtos.
ONDAS NEURAIS
A pauta de pesquisa da Embrapa na área de IA é extensa. Uma delas está em desenvolvimento há dez anos em parceria com a Macnica DHW – empresa japonesa maior distribuidora de semicondutores do Japão e a 5ª maior do mundo. O trabalho tem como objetivo detectar, ainda em fase inicial, possíveis doenças na lavoura a partir de uma ferramenta que simula ondas cerebrais. Com isso, tornando mais eficiente a tomada de decisões e, consequentemente, reduzindo as perdas nos empreendimentos rurais e racionalizar o uso de recursos naturais.
Porém, como nos demais casos de uso da IA, é preciso o treinamento dos algoritmos para que reconheçam plantas saudáveis e doentes. Para isso, necessita-se gerar muitas imagens e que um especialista diga se a planta está doente ou saudável. “É um trabalho muito grande, muito caro e muito cansativo”, aponta Barbedo. A boa notícia é que foi desenvolvido o BrainTech, pela israelense InnerEye, empresa de tecnologia voltada à aplicabilidade da IA, possibilitando acelerar essa rotulagem.
A tecnologia BrainTech nasceu em uma universidade israelense, onde testes foram feitos com diferentes objetos. A primeira aplicação prática da tecnologia foi no aeroporto de Heathrow, em Londres, onde está sendo usada na fiscalização de bagagens e na detecção de objetos proibidos, como facas, armas e explosivos. Como essa tecnologia pode ser estendida a praticamente qualquer problema de classificação com imagens, a InnerEye procurou a Embrapa Agricultura Digital e o uso da tecnologia na fitopatologia apareceu como mais interessante naquele momento.
O sistema permite a captação de sinais neurais de especialistas por meio de um capacete com eletrodos, em um processo semelhante ao eletroencefalograma (EEG), e começou a ser testado no Brasil em 2022. Então, os pesquisadores da Embrapa estão treinando a IA para que o computador reconheça essas ondas. Quando a máquina estiver apta a fazer esse reconhecimento, se poderá apresentar de três a dez imagens por segundo ao fitopatologista, o cérebro não precisa nem pensar, e o aparelho consegue detectar o estímulo e fazer a classificação da imagem. “Então, em vez de você fazer algumas dezenas ou centenas de anotações em uma hora, você consegue milhares de anotações em uma hora. Essa é a grande vantagem dessa tecnologia”, reforça Barbedo.
A Inteligência Artificial traz um mundo de possibilidades. Na Embrapa, existem vários projetos que ainda vão começar com foco na detecção precoce de doenças. Está na agenda, a identificação de deficiências nutricionais por meio da IA. De acordo com o pesquisador da Embrapa Agricultura Digital Jayme Barbedo, este trabalho seria desenvolvido usando câmeras hiperespectrais instaladas em drones, que voariam sobre a lavoura detectando o problema.
Barbedo lembra que esse é o sonho de qualquer produtor: ter a informação precoce do que está acontecendo em campo para fazer as ações necessárias. “Quanto mais cedo agir, menos produto vai ter que aplicar e menos prejuízo para ele e para o meio ambiente”, assinala o pesquisador.
Embrapa e Fapesp inauguram centro voltado a pequenos e médios produtores rurais
E quem vai ter acesso a essa tecnologia? O pesquisador da Embrapa Agricultura Digital Jayme Barbedo lembra que a Inteligência Digital tem o potencial tanto de diminuir como de aumentar as diferenças entre o grande e o pequeno produtor rural. Tudo vai depender de quanto ela será acessível. Assim, pensando nos pequenos e médios agricultores, a Embrapa, que é vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) inauguraram em 11 de abril, o Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital (CCD-AD/SemeAr).
O projeto estará sob a coordenação da Embrapa Agricultura Digital, com sede em Campinas/SP, e tem como foco a geração de tecnologias de inteligência acessível para pequenas e médias lavouras. “Existem muitas empresas hoje que nem cobram do produtor a tecnologia. Eles cobram de grandes empresas que têm algum interesse em embarcar no seu maquinário ou incluir no seu portfólio aquela ferramenta”, pontua Barbedo.
Na era da big data, um arsenal de insumos para a IA
“As ferramentas de agricultura de precisão e agricultura digital geram um grande volume de dados e informações sobre as áreas agrícolas e as operações realizadas. O grande desafio é utilizar esses dados da maneira correta para apoiar decisões nas questões que envolvem a produção rural.” A frase do presidente da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão e Digital (CBAPD/Mapa) e vice-diretor Científico da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão e Digital (AsBraAP), Christian Bredemeier, remete ao papel da Inteligência Artificial (IA) de entender as tendências a partir deste grande volume de informações (“big data”), gerando conhecimento que apoie a gestão da tomada de decisão.
O professor universitário mestre em Fitotecnia pela UFRGS e do programa de capacitação Boas Práticas Aeroagrícolas (BPA) Brasil, o Doutor em Nutrição de Plantas/Agricultura de Precisão pela Universidade Técnica de Munique – Weihenstephan (Freising, Alemanha) destaca que nunca houve tantas possibilidades de se obter dados, quer a respeito da cultura, quer sobre as condições ambientais/climáticas, dados estes fundamentais para uma operação aeroagrícola de excelência. São muitas informações provenientes de imagens de satélite, outras por drones, mas todas de grande qualidade.
“Estamos vivendo a era da ciência de dados”, assinala Bredemeier. Ele aponta que existem estações meteorológicas, máquinas, equipamento de aplicação de agroquímicos e de biológicos, entre outros sensores, capazes de gerar uma enormidade de dados, informações essas muito úteis quando se fala em operações aeroagrícolas. A partir de uma análise desse grande fluxo de referências é possível tomar a decisão, como se o produto para determinada praga em determinada condição é adequado e até mesmo se é o momento correto para a aplicação.
No entanto, para que isso ocorra de forma correta, é importante o chamado machine learning, ou seja, o treinamento de algoritmos para que a máquina consiga analisar as informações e dar um prognóstico preciso se determinada ação é adequada ou não. “Claro que a inteligência artificial depende da qualidade da informação, que as pessoas fornecem”, explica Bredemeier.
Pesquisadores estudam como melhorar desempenho do machine learning
Os projetos voltados ao uso cada vez mais eficiente da Inteligência Artificial (IA) são de interesse tanto dos fabricantes de maquinário, quanto dos produtores rurais, que querem cada vez mais decisões acertadas no manejo da lavoura, bem como dos estudiosos do assunto. Um mercado em expansão e que não foge ao olhar atento da academia. O cientista e pesquisador Dennis Grinwald, doutorando em Inteligência Artificial na Universidade Técnica de Berlim, Alemanha, pontua que a tecnologia permite inúmeras aplicações, mas ainda tem muito a evoluir.
Tanto que Grinwald, graduado em engenharia espacial, com mestrado em ciências da computação, está trabalhando em uma pesquisa para aprimorar a tecnologia. “Nosso grupo foca na teoria, mas na teoria de como fazer a Inteligência Artificial mais eficiente, treinar mais rápido e com menos dados”, explica o pesquisador. O estudo é desenvolvido dentro do Berlin Institute for the Foundations of Learning and Data (Bifold), criado no ano passado e ligado à universidade, que reúne vários grupos de pesquisadores focados em IA, trabalhando com big data, envolvendo diferentes aplicativos, inclusive na área da saúde.
APRENDIZADO
A importância dessa pesquisa está relacionada a tornar o processo de treinamento dos algoritmos menos dispendioso, afinal a base da IA são as informações, quanto maior a qualidade delas, melhor o desempenho da máquina. Um processo avaliado, ainda, como dispendioso a começar pelo número de pessoas envolvidas – profissional para coletar dados, fazer imagens fotográficas ou de vídeo. Depois, profissionais para cadastrar essas imagens, dizer a que se referem, para que a máquina aprenda. Se a qualidade das imagens e vídeos for alta, precisa também de maior capacidade de memória na rede de computação.
Grinwald deixa claro que a composição arquitetônica da IA, ou seja, como funciona a conexão das redes neurais, os algoritmos para ensinar a máquina, não é o objeto da pesquisa. A meta é o aprendizado da máquina. Ou seja, comparando o aprendizado da máquina ao de uma criança, o pesquisador observa que existe até uma piada de que a máquina não é inteligente. “Você mostra um cachorro para uma criança pequena e ela vai ser capaz de identificar todos os cachorros, mesmo de raças que talvez nunca tenha visto antes. A máquina não. Ela precisa muitas vezes ver tudo até conseguir fazer a classificação certa”, pontua. E reforça que é nesta área de machine learning que seu grupo está trabalhando.
O miniprojeto, como Grinwald chama, é financiado por uma empresa, que assinou uma parceria com a universidade. Portanto, os testes ocorrem na fazenda experimental que fica ao lado da instituição de ensino. Como o estudo é patrocinado, todos os dados são privados. O pesquisador conta que na Alemanha há competição grande entre as organizações para saber qual vai conseguir produzir primeiro um aplicativo que funciona de forma autônoma detectando e matando a praga com precisão e que o fazendeiro possa comprar e utilizar imediatamente.