Ricardo Vollbrecht
Consultor jurídico do Sindag e Ibravag, o advogado formado pela PUCRS, é mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Unisinos e especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, membro da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB/RS.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) desde 2020 vem desenvolvendo o seu Projeto de Regulação Responsiva, pelo qual a agência propõe repensar “o seu atual modelo de regulação para utilizar ferramentas de comando e controle somente quando estritamente necessário”. Esta abordagem propõe uma interação mais dinâmica entre reguladores e regulados, buscando não apenas impor regras, mas, também, incentivar a conformidade voluntária e a cooperação mútua. Dinâmica, persuasão, sintonia, sinergia, interação, aderência, fluxo, estratégia, escalonamento são alguns dos termos presentes na regulação responsiva. A proposta tem como objetivo uma constante interação entre regulador e regulado, mediante a construção conjunta de medidas de incentivo para o cumprimento do regulamento, deixando a aplicação de medidas mais severas de intervenção para um momento posterior, quando ficar claro que os estímulos à conformidade não deram resultado.
Para tanto, a Anac vem se destacando pelo uso de diferentes ferramentas para a tomada de decisão, buscando conhecer o setor e entender o que precisa ser feito para proteger os usuários dos serviços aéreos e implantar medidas de segurança operacional. É a concretização do princípio constitucional da eficiência, pois o regulador somente conseguirá exercer a sua autonomia se estiver familiarizado com o setor regulado.
Desde a sua lei de criação de 2005, foram adotados mecanismos de participação, para aumentar a aderência do setor regulado e suprir déficit democrático, uma das principais críticas ao exercício do poder regulamentar pelas agências, uma vez que os regulamentos não são criados por representantes eleitos diretamente pelos cidadãos. É previsto, por exemplo, o uso de tomadas de subsídios, consultas e audiências públicas pela Anac, sendo obrigatória a realização de audiências para as “iniciativas ou alterações de atos normativos que afetem direitos de agentes econômicos, inclusive de trabalhadores do setor ou de usuários de serviços aéreos” (Lei nº 14.182, art. 27).
TRANSPARÊNCIA
A Anac, entre as agências reguladoras, tem se destacado pelo seu grau de transparência, com página eletrônica acessível, com grande disponibilidade de documentos, tanto sobre as audiências e consultas realizadas, mas também pelas respostas dadas a aqueles que contribuíram nestes processos públicos de participação. As reuniões da Diretoria Colegiada, órgão máximo da Anac, também são transmitidas, via canal da própria agência, com agenda pré-definida, contribuindo para a transparência das decisões.
A Anac também adotou medidas modernas de gestão, com a formalização de Plano Estratégico, com tempo certo de implantação de metas, cumprindo assim uma agenda regulatória. Atualmente, segue o plano para o período de 2020 a 2026, cuja missão é “Garantir a segurança e a excelência da aviação civil”. Entre objetivos e indicadores estratégicos, consta no plano “Garantir a regulação efetiva para a aviação civil de forma a permitir a inovação e a competitividade”.
Com efeito, foram implementadas providências preventivas de fiscalização – o Aviso de Condição Irregular e a Solicitação de Reparação de Condição Irregular, com a ideia de permitir a correção do comportamento irregular do regulado antes do processo administrativo sancionador e da consequente aplicação de medidas punitivas. Contudo, relatório da Universidade de Brasília (UnB), elaborado a partir de termo de execução assinado com a Anac, reconheceu que a disciplina destes instrumentos responsivos “não promoveu a delimitação acurada das situações de cabimento das providências preventivas, tampouco do escalonamento entre essas modalidades não-sancionadoras – que são apenas duas – e o Processo Administrativo Sancionador”. Somado a isso, não houve qualquer consideração sobre o histórico do infrator, nem sobre o público-alvo das medidas, ficando possível tanto uma grande empresa aérea de transporte de passageiros como uma pequena prestadora de serviço aéreo receber o mesmo tratamento fiscalizatório e sancionador. Por força disso, no atual trabalho de revisão da Resolução Anac nº 472/2018, a Anac propõe implantar outras medidas como advertência, obrigação de fazer ou de não fazer, e possibilidade de transações administrativas e instrumentos consensuais para afastar a aplicação de penalidades. Nesse ponto, inclusive apresentamos contribuição na Consulta Anac nº 02/2024, para que seja melhor regulada a advertência e viabilizada a fiscalização orientadora, principalmente para as empresas de pequeno porte.
DEMANDAS DA SOCIEDADE
Frente ao desastre climático que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, a Anac também mostrou o seu compromisso em responder às demandas da sociedade, com a autorização para o transporte de cargas de alimentos, produtos de higiene e limpeza, roupas, cobertores, dentre outras necessidades, por aviões agrícolas. Sem esta medida da agência, as aeronaves agrícolas que fizeram transporte de mantimentos e medicamentos para regiões isoladas pela enchente, poderiam estar sujeitas a multas, mesmo fazendo uma ação humanitária. Frente à demanda da população gaúcha e diante da disponibilidade de proprietários e pilotos agrícolas de fazerem o transporte aéreo gratuito de produtos de primeira necessidade, a Anac prontamente autorizou os voos (QR Code).
Na mesma linha, as aeronaves que ficaram represadas no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), em razão das enchentes de maio de 2024, puderam ser retiradas do complexo aeroportuário a partir de 8 de junho, mesmo com o fechamento do aeródromo, mediante uma Autorização Especial de Voo Nacional (AEVN).
Como a regulação responsiva tem como objetivo propor métodos e formas de interação entre o setor privado e o setor público, a fim de alcançar o interesse da sociedade, deve ser saudada como positiva a iniciativa da ANAC de procurar ser mais responsiva. Na esfera da fiscalização, contudo, há ainda um grande caminho a seguir, para que haja mais orientação e menos punição, havendo grande oportunidade para avanço se a advertência, por exemplo, for melhor regulamentada. Por outro lado, cabe ao setor privado procurar a agência e demonstrar as suas demandas, para que nessa interação ocorra uma regulamentação que respeite a realidade e a viabilidade econômica. Fica então a missão para todos – reguladores e regulados – procurarem interagir e assim construírem soluções em conjunto, implantando efetiva regulação responsiva.