
Ricardo Vollbrecht
Consultor jurídico do Sindag e Ibravag, o advogado formado pela PUCRS, é mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Unisinos e especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, membro da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB/RS e OAB/SP.
A Anac em 2023 revisou o RBAC 137, pela Resolução Anac nº 716/2023, e com a sua atual redação trouxe várias medidas de modernização da regulamentação dos operadores aeroagrícolas, atendendo demandas históricas do setor, procurando aproximar-se da realidade da atividade. Por exemplo: para prestar este serviço aéreo especializado será necessário um cadastro, o CDAG – Cadastro de Aeroagrícola junto a Anac, sendo extinta a exigência de um processo de certificação como operador aéreo, o qual era moroso e gerava alto custo para empreendimento iniciante. Por outro lado, o atual RBAC 137 prevê um rol de infrações com as consequentes medidas sancionatórias. Até então, as infrações estavam previstas em outra resolução da Anac, especialmente na Resolução nº 472/2018. Com o objetivo de centralizar as regras de cada serviço aéreo em seu regulamento próprio, a Anac decidiu incluir as infrações e sanções também no RBAC 137. Ocorre que, diferentemente das demais regras de modernização para a operação, na parte das medidas sancionatórias o RBAC 137 manteve o velho modelo de punição via aplicação de multas.
Para tornar a penalidade mais pesada, a regulamentação prevê multa para cada constatação ou registro e não por fiscalização. É o caso, por exemplo, de erro no preenchimento do diário de bordo. A Resolução nº 457/2017, que cuida das regras do diário de bordo, estabelece multa “por registro” inadequado. Desse modo, na hipótese de infração continuada, isto é, se houver cinco linhas mal preenchidas no documento, por exemplo, pode o fiscal entender que houve cinco registros falhos e multiplicar por cinco vezes o valor da multa, o que torna a penalidade ainda mais pesada, retirando os esforços econômicos da empresa para o principal objetivo da regulamentação aeronáutica: a segurança operacional. Ou seja, ao invés de investir em treinamento e manutenção, poderá a empresa ser compelida a pagar uma multa por mero erro de preenchimento de diário de bordo, sem que este equívoco represente, necessariamente, risco para a operação.
VALOR EXPRESSIVO
Para bem ilustrar o problema da infração continuada e a majoração das multas pelo critério atual da Anac, cabe considerar que uma aeronave agrícola em um único dia no período de safra pode realizar vários voos, até dezenas. Por conta disso, o modelo de diário de bordo do RBAC 137 permite o registro diferenciado, com hora de apresentação e número de pousos em uma linha, para assim melhor atender à demanda aeroagrícola. Então, segundo a hipótese em análise, durante a safra, um avião e seu piloto podem permanecer longe da sede do operador e ao final de 40 dias, após 60 operações aeroagrícolas, o piloto por descuido deixa de fazer os registros no diário, imediatamente após o término da operação, segundo exige o item 137.521 (k) do RBAC 137. Pela atual redação do RBAC 137, havendo uma fiscalização no 41º dia na fazenda onde ocorre a operação aeroagrícola, poderia o operador ser multado com a sanção de até R$ 4.000,00, multiplicada por campo não preenchido, ou seja, por sessenta, segundo o exemplo em análise, chegando ao valor total de R$ 240.000,00 de penalidade. Se esta empresa for de pequeno porte, como são dois terços das empresas de aviação agrícola do País, isso poderia representar, no mínimo, 5% do faturamento anual da empresa com receita de até R$ 4.800.000,00. Mas se considerarmos que as empresas de aviação agrícola de pequeno porte não faturam o limite para opção do Simples Nacional e sim até a metade (R$ 2.400.000,00), esta multa, de uma única fiscalização, poderia chegar a 10% do faturamento do empreendimento. E ainda que fosse aplicada a regra da infração continuada, disciplinada pelo art. 37 da Resolução Anac nº 472/2018, incluído pela Resolução Anac nº 566, de 12.06.2020, permanecerá uma multa de valor expressivo para este caso. Evidente assim a desproporcionalidade da penalidade prevista, que trará, consequentemente, prejuízo à segurança de voo, pois a multa descapitaliza o empreendimento, retirando recursos necessários para a contínua manutenção dos equipamentos e para capacitação do pessoal.
Um caso semelhante chegou ao nosso escritório: uma empresa recebeu multa multiplicada por 63, isto é, pelo número de registros falhos no diário de bordo. Em sua defesa, sustentamos que se tratava da figura da infração continuada, uma vez que houve uma única infração – mal preenchimento de diário de bordo, apurada em única ação de fiscalização, o que comporta a aplicação de apenas uma multa. No caso, a infração relativa aos 63 registros tidos por irregulares integra a mesma natureza de ilícito administrativo, apurado em uma única fiscalização, razão por que deve ser considerado existente apenas 1 (um) fato ilícito e, portanto, a multa não poderia ser multiplicada, de molde a ser aplicada 63 vezes. E assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “A sequência de várias infrações de mesma natureza, apuradas em uma única autuação, é considerada como de natureza continuada e, portanto, sujeita à imposição de multa singular”.
DECISÃO
Acatando nossa argumentação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em julgamento de 26 de março de 2025, pela sua 11ª Turma, deu razão à empresa, afastando a multiplicação da multa. Assim consta na decisão: “É de ter-se por correto o fundamento da apelação segundo o qual concorre, no caso dos autos, a figura da infração continuada, uma vez que os fatos tidos como ilícitos, em número de sessenta e três, implicam a mesma conduta e foram apurados em única ação de fiscalização. Sob essa ótica, se infração houvesse, a multa seria simples, jamais em número igual ao de condutas”. Com isso, foi garantido à empresa pagar apenas uma multa, sem a sua multiplicação por 63 registros falhos.
Cabe destacar a importância do correto preenchimento do diário de bordo por parte dos operadores, pois as suas informações são muito relevantes para o histórico da aeronave. Contudo, em hipótese de falhas constatadas pela fiscalização, ainda que de mais de um registro, cabe buscar a aplicação da multa correta e razoável, pois se trata de uma infração administrativa que não pode gerar penalidades desproporcionais.