Autores:
Glauberto Moderno Costa (1), Cícero Antonio Mariano dos Santos (2)
(1) Engenheiro agrônomo, Mestre em produção vegetal, com foco em T.A. e Segurança do Trabalho com Agrotóxico. Consultor e diretor da GMC Alvo Conscultoria Agrícola Ltda – ME. moderno@alvoconsultoria.agr.br
(2) Engenheiro agrônomo, Doutor em Agronomia (Entomologia Agrícola). Consultor da GMC Alvo Conscultoria Agrícola Ltda – ME.
O filósofo norte-americano John Dewey escreveu que “a meta da vida não é a perfeição, mas o eterno processo de aperfeiçoamento, amadurecimento e refinamento”. Sabemos que em muitas áreas, como no setor industrial, logísticas de transporte, aviação civil, construção civil, entre outros, o planejamento é essencial para que os objetivos traçados sejam alcançados. Corrigir rotas, ajustar procedimentos, adequar ferramentas, melhorar continuamente os processos são ações comuns e essenciais para o sucesso de um negócio. O famoso sistema de gestão baseado na ferramenta do PDCA é, talvez, o modelo administrativo mais usado nos negócios. O PDCA é um método de gerenciamento de processos com o objetivo de controlar e melhorar produtos e processos de forma contínua, entendendo os pontos fortes e fracos e os utilizando em favor da organização (ISHIKAWA,1993).
Esta ferramenta é conhecida pela sigla, que compreende quatro etapas, sendo elas:
- Plan: Planejar;
- Do: Executar;
- Check: Checar;
- Act: Agir; ou seja, o contínuo processo de melhoria. Também conhecido por muitos por melhoria contínua.
MATTHEWS (1979) e MATUO (1990) descreveram sobre a multidisciplinariedade da Tecnologia de Aplicação. Esta definição retrata a devida importância que os processos ou etapas têm, desde o planejamento até a execução. E um destes processos é o preparo de calda.
Por muitos anos, em especial no Brasil, discutiu-se incansavelmente sobre misturas em tanque. Muitos entendiam que não era permitido e muitos entendiam que legalmente, era permitido. Até que em 26 de dezembro de 2017, foi publicada a Portaria Nº 148, pelo MAPA, no Diário Oficial da União. Esta portaria esclarece que as misturas em tanque são permitidas, no entanto, os Artigos 1º ao 7º determinam que há critérios e procedimentos para que as misturas sejam realizadas. Segundo este decreto, no Art. 2º, Parágrafo 1º, a informação registrada orienta que as misturas sejam encaminhadas ao portal do MAPA, para serem divulgadas e poderão ser atualizadas ou contestadas. Diante do cenário oficial, descrito pela Portaria Nº148, temos a realidade do campo. Sabemos, e aqui faço um destaque, que nos últimos anos, o mercado de aplicação de nutrição foliar tem crescido anualmente. Muitos dos voos agrícolas contratados têm sido para suprir esta demanda crescente. No entanto, faço aqui uma crítica ao “jargão” usado no campo: “Meu foliar precisa pegar carona com a aplicação de fungicida ou inseticida ou vice-versa”. Otimizar a aeronave agrícola é fundamental. Reduzir custos operacionais é essencial também. Faz parte do crescimento econômico de qualquer atividade, seja da empresa contratada (empresa aeroagrícola), seja do contratante (empreendimento agrícola). Se, no planejamento, a recomendação agronômica solicitada para a janela de aplicação é a mistura em tanque, logo, ter o conhecimento dos riscos ou benefícios é essencial. Enfim, os processos que envolvem o preparo de calda e seus fatores são cruciais para o sucesso da aplicação.
Muitos fatores estão envolvidos direta e indiretamente no preparo de calda. Iniciando-se pela qualidade física e química da água utilizada. Quanto aos fatores intrínsecos à água, citamos o pH, dureza, presença de matéria orgânica, argila e a temperatura da água (CARVALHO et al., 2019). Na foto 2, observamos um poço artesiano, muitas vezes, com uma qualidade excepcional, física e quimicamente. No entanto, para ser transportada para a pista, visando a abastecer as aeronaves, esta água é transportada em tanques inadequados, de materiais inadequados, sem proteção contra corrosão. E, por fim, a água se torna imprópria para o preparo de calda.
Também devemos considerar as formulações de fitossanitários e as formulações dos fertilizantes foliares. Segundo os dados oficiais, para a agricultura, estão registradas 27 formulações (MAPA, 2014), com as terminologias seguindo o critério da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR 12697/2018). Como ficam estas formulações em misturas? Como ficam os critérios físicos e químicos durante o preparo de calda, quanto aos quesitos de solubilidade, saturação, miscibilidade, floculação, sedimentação, entre outros, durante o preparo de calda, intrínsecos às formulações? As respostas baseiam-se no conhecimento para se estabelecer um correto planejamento de como executar o preparo de calda. Conhecer as formulações e as reações entre elas é fundamental (ABNT, NBR 13875, 2014). Vejamos a foto 3, uma imagem de um ingrediente ativo, Imidacloprid, com três formulações diferentes entre si, e o resultado quando em mistura com a água. Logo, conhecer a formulação e o modo de prepará-la, será fundamental para que seja possível aplicar a calda. Para isto, o conhecimento se faz necessário.
Dando continuidade, ainda devem ser considerados os adjuvantes específicos de calda, com propriedades emulsificantes, estabilizantes, solubilizantes e dispersantes. Estas novas ferramentas têm colaborado para um preparo da calda mais estável, desde que seja obedecido um critério técnico de ordem de mistura. Na foto 4, observa-se uma calda preparada sem e outra com adjuvante de especificidade de calda, onde os mesmos ingredientes ativos foram usados.
Outro fator de extrema importância, são as ferramentas de preparo de calda. Diferente dos pulverizadores autopropelidos e de arrasto, as aeronaves agrícolas não possuem um sistema incorporado de preparo de calda. Então, ao longo do tempo, a aviação agrícola adotou os Misturadores acoplados à motobomba. Nas figuras da foto 5, podemos ver alguns modelos. No entanto, os tamanhos são variáveis. Temos de 200 a 1000 litros ou mais. A pergunta que se deve fazer é: “qual é o tamanho/volume mais adequado para a estrutura de aplicação?”
Quando consideramos o preparo de calda, planejar o quê, a ordem e como será realizado o preparo de calda determinarão o tamanho do misturador e da estrutura de apoio. Isto, porque devemos respeitar os princípios físico-químicos de solubilidade e saturação, além de considerarmos a solubilidade entre as formulações. Lembre-se de que são diferentes entre si.
Tomamos por exemplo duas situações: a primeira, uma aeronave operando com tanque de 1800 litros, calibrado para aplicar 10 L.ha-1, e a segunda com tanque de 600 litros, calibrado para aplicar 30 L.ha-1. Ambos, voarão com mistura de 03 produtos nas seguintes doses: 0,5 kg.ha-1 de inseticida na formulação WG, 3,5 kg.ha-1 de fungicida na formulação WP e um nutriente foliar na dose de 1 kg.ha-1, onde consta na embalagem que a solubilidade deste nutriente é de 100 g.1 L-1 de água. A abertura de uma formulação WG (Grânulo Dispersível em Água) deve ser na proporção de 1:10 (produto comercial: água). Já as formulações WP (Pós Molháveis) precisam, obrigatoriamente, de uma pré-mistura, iniciando-se na proporção de 1:2 (produto comercial: água) e acrescer água até alcançar a fluidez (normalmente 1:7). Isto deve ser realizado durante o preparo de calda, para que estas formulações sejam hidratadas e, sequencialmente, solubilizadas. Considerando os fatos citados (AZEVEDO, 2015), teremos a seguinte necessidade descrita na tabela 1 (página 44).
Observa-se nessa tabela que a estrutura de preparo de calda da aeronave 1 deverá ser diferente para a aeronave 2. A aeronave 1 tratará 9 vezes mais área que a aeronave 2. Isto significa que, no mínimo, o misturador da equipe da aeronave 1 deveria ser no mínimo 9 vezes maior. Ou, pelo menos, ser dividido em dois misturadores. Felizmente, muitos empresários do setor já entenderam esta necessidade e estão se adequando. Veja a foto 6 (página 45), de um caso real, desenhado para a necessidade da fazenda e para a necessidade da nutrição foliar. Foram necessários, além do misturador de 600 litros, mais dois reservatórios de 500 litros, cada um. E desta forma, o preparo de calda passou a atender à necessidade da configuração de voo. Isto chama-se PDCA.
Quanto à Tecnologia de Aplicação, visando ao preparo de calda, temos inúmeras novidades no mercado, que facilitam o preparo de calda, possibilitam preparo de caldas corretamente, agilizam o preparo, reduzem tempos operacionais. São os conhecidos tanques de calda pronta ou popularmente conhecidos como “Tanque Mix”. Muitos já entenderam a importância da calda, e têm investido nestes equipamentos, visando a otimizarem seus custos e possibilitar que as aeronaves consigam realizar seu trabalho corretamente. Seguem alguns exemplos, os quais, devem ser reconhecidos como uma grande inovação tecnológica para o setor agrícola e, em especial, ao setor aeroagrícola. Na foto 7, é possível observar alguns dos modelos já adotados e que têm contribuído para a realização de caldas possíveis de serem aplicadas.
De todos os fatores citados anteriormente e que são fundamentais, um influencia todos os já citados anteriormente. É um fator social, conhecido por fator humano. Quando tratamos do comportamento, citamos o comportamento frente às decisões de investimentos, em melhorias de processos, em capacitação, em treinamento, em reciclagem, em atualização, e outras fontes de informações disponibilizadas diariamente no atual mundo globalizado. Como reage o agricultor frente às inúmeras mudanças no cenário tecnológico? E o empresário da aviação agrícola, pilotos, gerentes agrícolas de fazendas e empresas rurais, coordenadores fitossanitários, técnicos executores além dos preparadores de calda diante dos desafios gerencias? Percebe-se, infelizmente, que os preparadores de calda, são fundamentais neste processo. No entanto, observa-se, normalmente, que são os que recebem pouco preparo e capacitação.
Desta forma, retornando ao PDCA, o sucesso do preparo de calda tem um ciclo. Destaco na tabela 2, ilustrada pela figura, este ciclo. Concluo este importante artigo técnico, destacando que o ciclo do planejamento é uma metodologia administrativa e comportamental, que contribuirá para que as aplicações possam ser realizadas de forma segura, sustentável e economicamente viável. E para isto, a conscientização é o primeiro passo.
Referências Bibliograficas
ANBT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13875: Agrotóxicos e afins – Avaliação de compatibilidade físico-química. 2ed. 2014. 12p.
ABNT – ANBT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12679: Agrotóxicos e afins – Produtos técnicos, concentrados técnicos e formulações – terminologia. 4ed. 2018. 10p.
AZEVEDO, l.A.S. Misturas de tanque de produtos fitossanitários: Teoria e Prática – 1ed. – Rio de Janeiro. 2015, 230p.
CARVALHO, F.K.; CHECHETO, R.G.; MOTA, A.A.B; ANTUNIASSI, U.R. Entendendo a tecnologia de aplicação – Caldas fitossanitárias e descontaminação de pulverizadores, 2019, Botucatu: FEPAF, 84p.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_PDCA, 2021.
ISHIKAWA, K. Controle da qualidade total: A maneira Japonesa. Rio de Janeiro-RJ: Editora Campus. 1993. 29p.
MARSHALL, I. Jr. Gestão da Qualidade. 8 ed. Rio de Janeiro – RJ. Editora FGV., 2006. 195 p.
MATTHEWS, G.A. Pesticide applications methods. 1ª ed. Malden: BlackwEll Science, 1979. 432 p.
MATUO, T. Técnicas de aplicação de defensivos agrícolas. Jaboticabal: FUNEP, 1990. 140p.
OLIVEIRA, S. T. Ferramentas para o aprimoramento da qualidade. São Paulo-SP: Editora Pioneira. 1996. 58p.b