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O HOMEM QUE AJUDOU A AVIAÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA A SER A POTÊNCIA DE HOJE

O engenheiro agrônomo José Carlos Christofoletti destaca-se como o formador de gerações de coordenadorES, técnicos e pilotos agrícolas, tendo atuado no Cavag, quando ainda ocorria na Fazenda Ipanema, como chefe da Divisão de Treinamento do Cenea

Publicado em: 30/06/23, 
às 14:13
, por IBRAVAG

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“Voei como piloto, fiz de tudo na aviação agrícola, então eu acho que não tem outra coisa que não seja trabalhar por ela.” Com esta frase José Carlos Christofoletti sintetiza o orgulho de fazer parte do rol das grandes personalidades que construíram as bases da aviação agrícola brasileira, hoje detentora da segunda maior frota de aeronaves do mundo. Uma história que começou no segundo semestre da Faculdade de Agronomia, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq – hoje pertencente à Universidade São Paulo (USP), quando foi cursar a disciplina de mecânica e máquinas agrícolas e encontrou em seu caminho o então professor dr. Marcos Vilela de Magalhães Monteiro, com quem aprendeu a arte da aplicação aérea.

O engenheiro agrônomo, nascido em 27 de agosto de 1941, em Rio Claro, e que tirou o brevê para não fazer o Tiro de Guerra, que o deixaria longe dos bancos escolares por um ano, apaixonou-se pela aviação agrícola. Trabalhando com Vilela fez parte do desenvolvimento do primeiro atomizador rotativo para o Piper PA-18, acompanhou o lançamento do Ipanema e, antes da tecnologia do DGPS chegar ao setor, fez uma espécie de transferidor convertendo passos em metros, para ser usado pelos antigos bandeirinhas, profissionais que faziam o papel do DGPS, marcando as linhas de voo para os pilotos. Régua que ainda leva nas palestras para mostrar como era antes do advento dos equipamentos por satélite atualmente embarcados nas aeronaves.

Adepto da melhoria contínua das tecnologias de aplicação aérea, Christofoletti lembra que as inovações tecnológicas são fruto da necessidade de aperfeiçoar as práticas. Chegou na Fazenda Ipanema em 1969 a convite de Marcos Vilela, para ser um dos professores do primeiro curso de coordenador de aviação agrícola oferecido para engenheiros agrônomos. Mais tarde, assumiu como chefe da Divisão de Treinamento do Centro Nacional de Engenharia Aeronáutica (Cenea). Já estudioso do assunto desde os tempos da faculdade, dedicou-se a melhorar o currículo a partir do estudo dos programas dos treinamentos realizados em outros países.

Um currículo profissional voltado à tecnologia de aplicação, que começou na Seara Defesa Vegetal, do dr. Marcos Vilela, seguiu como professor universitário na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB) – no Departamento de Engenheira Rural, durante seis anos, e gerente técnico de Aval – Aeroagrícola Lençóis e da subsidiária da TeeJet Technologies no Brasil por 17 anos. Um nome respeitado no cenário aeroagrícola, construído com base na ética e profissionalismo. O hoje consultor em tecnologia de aplicação, Christofoletti guarda consigo a mais alta honraria concedida pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag): a Medalha Mérito da Aviação Agrícola número 2, concedida aos profissionais que fizeram a diferença para o crescimento do setor.

De onde vem o seu gosto pela agricultura?

José Carlos Christofoletti – O gosto pela agricultura veio com o tempo. Eu estudei em Rio Claro/SP no Grupo Escolar Ginásio. Como eu tinha alguns amigos que fizeram agronomia em Piracicaba/SP, que ficava perto de casa, eu comecei a me interessar pelo curso. Terminei o científico em 1960 e acabei entrando na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) em 1962.

E como o senhor foi parar na aviação agrícola?

José Carlos Christofoletti – Ingressei na área da aviação agrícola porque no segundo ano da Escola de Agronomia tinha uma disciplina de mecânica e máquinas agrícolas que falava especificamente sobre máquinas de aplicação de defensivos e era com o dr. Marcos Vilela de Magalhães Monteiro. Ele falou de aplicação com avião. Eu me interessei, informando que eu era piloto. Havia feito o brevê em Rio Claro, em 1960, em vez de fazer o Tiro de Guerra, que era o serviço militar obrigatório e ficaria quase um ano sem poder estudar. Então, eu comecei a conversar com o dr. Marcos Vilela de piloto para piloto. Falei que eu gostaria de saber mais do uso do avião na agricultura. Então aconteceu uma coisa muito interessante que eu costumo contar nas minhas aulas. Ele me chamou para ir à sua sala: “– eu tenho alguns artigos que você tem que ler para começar a entender o que é aplicação de defensivo, inclusive de avião, que é o mais importante”. Ele me deu uma cópia datilografada em papel de seda, naquela época não tinha xerox, onde lia British. Disse: “– bom, eu não sei inglês”. Ele, simplesmente, falou assim: “– isso não é problema meu. É problema seu”.  Ele falou meio jocosamente, mas era verdade. Eu possuía alguns conhecimentos bons de inglês, mas não tinha condição de fazer uma tradução técnica. Então, imediatamente eu fui fazer um curso de inglês no Yágizi, em Piracicaba. Nós começamos a ler muita coisa juntos. Dr. Marcos Vilela, na época, já tinha uma pequena fábrica que construía máquinas para aplicar óleo mineral em banana no litoral de São Paulo, onde já havia um problema muito sério de sigatoka.

E o senhor foi trabalhar com o dr. Marcos Vilela?

José Carlos Christofoletti – Eu comecei a fazer estágio na fábrica dele, e começamos a conversar muito a respeito da tecnologia da aviação. Fiz várias viagens, inclusive para o litoral, levando máquinas e dando assistência técnica, foi quando começou o meu grande interesse pela agricultura. Logo em seguida, ainda na década de 1960, a Blemco, que era uma subsidiária da American Cyanamid dos Estados Unidos, queria introduzir no Brasil um produto lançando nos Estados Unidos para o algodão, o Malatol LVC, pois no norte do Estado de São Paulo tinha muito algodão e havia o problema da lagarta coruquerê. Esse produto era aplicado em ultrabaixo volume. Em todas as aplicações de avião, até o momento, usava-se uma base de 30 a 40 litros por hectare. E a ideia era aplicar meio litro por hectare do produto puro. Era uma mudança radical. O único jeito de aplicar ultrabaixo volume é com equipamento rotativo. Na época, o único rotativo que tinha no mercado era acionado por bateria e era muito difícil carregar em um PA-18 (*) duas baterias de 24 volts. Então, o dr. Marcos Vilela começou a trabalhar nessa técnica. Foi desenvolvido um equipamento rotativo pela firma do dr. Marcos Vilela que se chamava Seara Defesa Vegetal Ltda, com um disco que havia na Europa acionado por uma ventoinha. A ideia dele foi interessantíssima, a única ventoinha que tinha de carro e leve, na época, era do motor DKW, que possuia a hélice de plástico. Foi uma situação muito interessante. Então, no PA-18 e no J-3, que tínhamos na época, foi instalado quatro equipamentos desses. Foi perfeitamente viável, com excelente resultado técnico de tamanho de gota e deposição. Felizmente, eu participei de tudo isso, logicamente, seguindo as instruções e os conhecimentos do dr. Marcos Vilela.

(*)PA-18 é um avião de asa alta,  biplace (dois assentos), lançado em 1949 pela  Piper Aircraft. Uma linhagem que começou com o J-3, que era um motor de 65 hp, depois  desenvolveu o PA-18 com motor de 85 hp, depois passou para 150 hp.

Como foi a construção desse conhecimento sobre a aviação agrícola?

José Carlos Christofoletti – Eu aprendi muito mais nesses três anos na Seara Defesa Vegetal do que na Escola de Agronomia. Tanto é que, praticamente, só trabalhei em cima da tecnologia de aplicação. A gente sempre buscou informação em livros técnicos do estrangeiro. Só para terminar essa fase inicial da Seara Defesa Vegetal, isso foi final da década de 1960. Em 1969, eu acabei saindo da Seara porque começou a aparecer várias empresas de aviação agrícola tentando copiar a técnica cobrando muito menos, tanto é que essa parte de tecnologia de aplicação de ultrabaixo volume acabou caindo no esquecimento. Eu saí da Seara no finalzinho em 1969 e, no início de 1970, fui dar aula na Faculdade de Agronomia, no Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB). Eles precisavam de alguém que trabalhasse com máquinas de aplicação terrestre, dando aula inclusive de máquinas e preparo de solo. Depois, fui entrando com mais detalhes e melhorando a parte de máquinas de aplicação de defensivos tanto terrestres quanto de aviação agrícola.

MEMÓRIA: professor no 1º Curso de Coordenadores Técnicos em Aviação Agrícola, para Engenheiros Agrônomos, do Ministério da Agricultura, na Fazenda Ipanema.
Foto: Acervo Pessoal

Como o senhor chegou na Fazenda Ipanema?

José Carlos Christofoletti – Em 1969, houve um curso na Fazenda Ipanema a pedido do Ministério da Agricultura, com o dr. Marcos Vilela, para engenheiros agrônomos que eram do Departamento de Fiscalização do Ministério da Agricultura. Foi uma turma de 15 agrônomos. Este foi o primeiro curso de coordenadores de aviação agrícola, e o dr. Marcos Vilela me convidou para dar aula também. Todos os coordenadores técnicos, técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos receberam carteira de coordenadores, eu tenho a carteira de número 03. A primeira era do Marcos Vilela e a segunda, foi dada a Jorge Altenfelder Silva, especialista em herbicidas, já falecido. Nós três fomos professores do primeiro curso aqui na Fazenda Ipanema para engenheiro agrônomo. A partir de 1975, eu sempre fui convidado pela divisão do Ministério da Agricultura para dar as aulas nos cursos de coordenadores, pilotos e executores na Fazenda Ipanema. Eu, inclusive, melhorei bastante o curso para piloto. Pesquisei os currículos da Inglaterra, da Nova Zelândia, em várias partes do mundo, e adequei ao curso de piloto agrícola aqui no Brasil. Foi um trabalho muito gostoso que eu fiz, lendo todos esses currículos da aviação agrícola de todo o mundo e sugerindo, para o Ministério da Agricultura, a melhoria do currículo aqui.

Como foi trabalhar com algo tão novo e carente de experiências e estudos técnicos?

José Carlos Christofoletti – Eu deixei a Faculdade de Agronomia em 1979, porque para continuar dando aulas na universidade precisava fazer doutorado. A única universidade, na época, que oferecia doutorado na área de máquinas agrícolas era a Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No final da década de 70, era difícil sair aqui de São Paulo para ir para o Rio Grande do Sul. Então, resolvi sair da Faculdade de Botucatu. Quando eu deixei a Faculdade de Agronomia, assumiu na Fazenda Ipanema um professor que era de Piracicaba também, o dr. Adevaldo Pedro Cobra, como ele me conhecia bem, já conhecia minha atividade na aviação agrícola, me convidou para ser Chefe da Divisão de Treinamento, porque quem fazia treinamento na Fazenda Ipanema era a aviação agrícola, embora houvesse outros cursos que a gente ajudava a coordenar. Então, eu fiquei oito a nove anos na Fazenda Ipanema.

O senhor trabalhou também como piloto aplicando defensivos?

José Carlos Christofoletti – Sim. Em 1977, quando eu saí da Faculdade de Agronomia em Botucatu, onde trabalhei desde 1970, eu fui para a Aval – Aviação Agrícola Lençóis Ltda, em Lençóis Paulista/SP, essa empresa também era do dr. Marcos Vilela. Ele me convidou, quando eu estava na faculdade. Ele falou: vem trabalhar comigo que eu pago você como se fosse um doutor. Fiquei na Aval de 1977 a 1980, onde atuei como responsável técnico. A Aviação Agrícola Lençóis chegou a ter seis aviões Thrush Commander (*), só para você ter uma ideia do que era, aplicando adubo granulado em cana-de-açúcar. O total de área que nós fizemos em cinco anos passou de 1 milhão de hectares quadrados, aplicando em torno de 50 a 70 quilos por hectare de adubo. Uma atividade árdua, mas muitíssimo importante para aprender uma outra técnica que era quase o oposto da aplicação que se fazia de ultrabaixo volume. E nós conseguimos fazer um trabalho muito grande. Eram duas usinas de cana-de-açúcar na região de Lençóis Paulista. No meio da cana-de-açúcar, tinha nove pistas espalhadas, para ter rendimento operacional.

(*) O Thrush, projetado por  Leland Snow, voou pela primeira vez em 1956 e logo estava sendo produzido em série como S-2 pela Snow Aeronautical. Em 1965, a corporação e todos os seus ativos foram comprados pela  divisão  Aero Commander da  Rockwell. Quando a Rockwell abandonou a marca Aero Commander, o S-2 foi renomeado como “Thrush Commander”. Atualmente a aeronave é produzida pela Thrush Aircraft.

O ultrabaixo volume, algumas pessoas criticam, porque consideram que tem maior risco de deriva. Isso confere?

José Carlos Christofoletti – Não, não. Precisa entender uma coisa muito interessante sobre o ultrabaixo volume. Era aplicado um produto químico puro, um óleo que tinha uma densidade de 1.2, que, praticamente, mal evapora. Então, você tinha que aplicar com gota pequena e observar muito o vento. Tinha limitações extremas. Você tinha que ter muito conhecimento. Por isso, o técnico agrícola nessa operação era muito importante e, posteriormente, nós levamos essa ideia para os cursos que ministramos na Fazenda Ipanema. O técnico agrícola, em primeiro lugar, tinha que ter um anemômetro. Não lembro agora se a velocidade do vento era de 12 quilômetros por hora, passando disso a aplicação tinha que ser parada. Por outro lado, você aplicando um litro por hectare, você decolava e ficava quase uma hora voando, você tinha um alto rendimento operacional.

Na década de 1970, o senhor participou de um programa de aplicação para combater vetores de doenças. Nessa ocasião, a técnica era de ultrabaixo volume?

José Carlos Christofoletti – Em 1975, quando eu ainda era professor em Botucatu houve um surto de encefalite na região de Itanhaém, Peruíbe e Monguagá transmitida por um mosquito. O mosquito da encefalite (nome científico Culex) se criava na parte interna da mata, 4 a 5 quilômetros fora da cidade. O inseto voava de madrugada em direção às cidades e a todas as vilas que tinham em volta da praia. Então, o governo de São Paulo, verificando que nos Estados Unidos era comum fazer aplicação aérea para controle de vetores, achou interessante fazer aqui no Brasil, nessa área que chegou a ter mais de 500 mortes por encefalite e mais de 2 mil pessoas hospitalizadas. O Eduardo Cordeiro Araújo (*), na época, trabalhava na Embraer (**) e foi o líder desse trabalho. A Embraer emprestou um avião para fazer uma área teste ali perto de Itanhaém. Para a área de Itanhaém até Peruíbe, que era três ou quatro vezes maior, o Ministério da Agricultura colocou à disposição um avião da Fazenda Ipanema do Cavag (Curso de Aviação Agrícola). Eu e mais um piloto ficamos um mês praticamente naquela região, fazendo três aplicações com espaçamento de 7 a 8 dias, para pegar três gerações seguidas do “pernilongo”, como o chamávamos na época. Esse trabalho praticamente acabou com o surto da doença naquela região. Foi também um trabalho especialíssimo, aplicando meio litro por hectare de Malathion. O piloto decolava ainda no lusco-fusco da manhã para poder atingir as áreas voando a 100 metros de altura, fazendo uma faixa de cem metros de largura. Eu fiz uns testes anteriores na Fazenda Ipanema e a faixa de deposição poderia ser de 150 metros com eficiência na aplicação, mas nós resolvemos fazer com cem metros para evitar problemas de controle do mosquito. Foi outro trabalho interessantíssimo que eu fiz e que me sinto orgulhoso de ter participado, principalmente, porque tinha vidas em risco.

(*) Eduardo Cordeiro Araújo é Engenheiro Agrônomo, piloto agrícola, formado pelo Cavag (Ministério da Agricultura) em 1970; Especializado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – 1988, um dos grandes nomes da aviação agrícola, atualmente é conselheiro do Sindag e do Ibravag.

(**)Embraer – Conglomerado transnacional brasileiro que fabrica aviões comerciais, executivos, agrícolas e militares, peças aeroespaciais, além de oferecer serviços e suporte na área. A sede fica em São José dos Campos/SP.

RECORDAÇÃO: turma do curso de aplicação aérea e terrestre na Fazenda Ipanema.
Foto: Acervo Pessoal

Houve algum movimento contrário a essa aplicação para controle do vetor da encefalite?

José Carlos Christofoletti – Houve um trabalho na região contra essa ideia de colocar produto sobre a cidade, mas não houve nenhum problema decorrente da aplicação. Nenhuma pessoa intoxicada, nenhum animal morto, houve um controle dos órgãos de saúde durante todo o tempo de aplicação até um mês depois, verificando que não houve nenhuma sequela resultante da aplicação. Até avisávamos a população: – se tiver algum animal com problema leva na casa da agricultura para saber o que aconteceu. Apareceu um monte de cachorro com lombriga, mas nenhuma doença provocada pelo inseticida. Essa é uma história muito interessante e os anais da aviação agrícola deviam fazer um registro histórico. O Araújo começou o trabalho e tem todo o mérito e nós seguimos os passos dele fazendo o trabalho numa área extensa.

Por que uma pesquisa tão rica, com todo esse controle, não seguiu adiante?

José Carlos Christofoletti – O que acontece é que no próprio Ministério da Saúde tem pessoas que são contrárias a isso. Até houve uma reunião em Brasília, no tempo em que o Júlio Kämpf era vice-presidente do Sindag (agora ele é presidente do Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola – Ibravag), e eu fui chamado para fazer uma apresentação sobre a aplicação no Litoral. E pessoas do próprio Ministério da Saúde diziam que não era possível fazer aplicação aérea de controle de vetores porque a deriva chega a 20 quilômetros. Eu não vou discutir isso. Tem aviões que voam em cima de cidades nos Estados Unidos, aviões de grande porte. Não precisa fazer pesquisa é só você saber o produto e a dose certos para aplicar. Se aplicar meio litro por hectare o que vai cair em cada pessoa? Qual a quantidade do produto que é altamente segura? Não tem discussão. 

SENADO: com o vice-presidente do Sindag na época, Júlio Augusto Kämpf, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), presidida pela senadora Ana Amélia Lemos, em audiência interativa para avaliar protocolo visando ao controle de vetores de doenças mediante aplicação aérea de inseticidas, em junho de 2016. Na mesa, também estava a coordenadora do Programa Nacional de Controle da Malária da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ana Carolina Santelli (à dir).
Foto: Pedro França/Agência Senado

Hoje, o Ibravag e Sindag estão trabalhando no sentido de tornar a aviação agrícola uma ferramenta das políticas públicas no controle de vetores. Na sua visão, qual a grande dificuldade para a ferramenta passar a ser usada de forma mais intensiva pelos governos?

José Carlos Christofoletti – O importante é que tem que se estudar bem os vetores. É necessária uma reunião técnica envolvendo engenheiros fitossanitário, aeronáutico e agrônomo, que entende de tecnologia, para verificar como esse mosquito anda, se procria e viaja. Ele tem que ficar exposto, se não tiver exposto não adianta você fazer aplicação aérea. Você tem que pegar ele voando. Se ele fica dentro de uma casa e você fizer uma aplicação em cima de uma cidade você vai atingir muito pouco do vetor. Precisa verificar toda essa situação para saber se essa tecnologia é eficaz contra o vetor. Não adianta fazer aplicação aérea de vetor que fica no chão. Aplicação aérea tem que ser para matar o inseto voando. Geralmente, quando se fala de aplicação de inseticida no meio ambiente todo o mundo é contra.  Você fica a favor quando começa a saber desses detalhes. É a mesma coisa que na medicina. Você ingere um produto perigoso para curar uma doença, só que a dose é pequena e não lhe prejudica. A aplicação aérea é semelhante.

O que se precisa entender quando se fala em aplicação aérea?

José Carlos Christofoletti – A aplicação de defensivo agrícola é o seguinte: você tem um problema técnico que é a praga. O que você usa para combater a praga? O produto químico. As doses de aplicação desse produto podem ser reduzidas até quanto sem perder a eficiência? A técnica de aplicação depende do seu objetivo, depende do produto que você vai usar; se é possível ou não você melhorar a tecnologia de aplicação. Você tem produto que é aplicado em uma calda de 50, 60 litros por hectare. Quando você tem tecnologia apropriada que permite reduzir o volume de aplicação, você vai reduzir o nível, porque daí a máquina consegue fazer um alto rendimento. É uma técnica de aplicação que vem sendo estudada desde a década de 1940/50. Isto é só questão de técnica e aprendizado.

Como fazer para a sociedade mudar essa visão negativa sobre a aviação agrícola?

José Carlos Christofoletti – Os agroquímicos vieram para agir contra determinada praga. Agora, tem produto que precisa ser aplicado em baixa quantidade. Então, os chamados naturalistas acham que você tem um desenho que vai fazer uma aplicação em cima de uma salada de alface e de tomate? Essas coisas a gente tem que combater começando pelas crianças, mostrando que os fitossanitários não são venenos e, se não usar eles, você não come. Esse é o primeiro passo que todos precisam aprender em casa, na escola e na vida. A gente fica meio chateado de ouvir essas coisas.

MESA DE HONRA: na abertura da 1ª Jornada para Pilotos Aeroaplicadores, em Montevidéu (Uruguai), em 30 de julho de 1987, sentado ao lado do Dr. Alberto Ettienot (Argentina) e Dr. Hugo Ferrazzini (Uruguai), antes de começar a sua palestra.
Foto: Acervo Pessoal

Como foi trabalhar em algo tão novo e carente de informações? Era desbravar um mundo de possibilidades?

José Carlos Christofoletti – O dr. Marcos Vilela tinha uma biografia muito grande e eu também. Quando eu fui para Botucatu não era fácil. Eu tinha que escrever – não tinha na época Internet – para as faculdades dos Estados Unidos, da França, Inglaterra, da Alemanha, para pedir material. Então eu fui fazendo uma biblioteca. Há três anos encaminhei tudo para o Sindag e fica à disposição de todas as escolas de agronomia interessadas do País. Espero que alguém use para melhorar ainda mais a tecnologia. 

O senhor poderia citar coisas que se acreditava na época e que hoje estão obsoletas e totalmente fora de propósito?

José Carlos Christofoletti – Não existem coisas obsoletas, o que aconteceu foi o aumento da tecnologia. Ocorreu a melhoria no sentido de diminuição da taxa de aplicação e a ampliação das condições técnicas para você aplicar um produto de forma que seja eficaz. Por exemplo, para você baixar o volume de aplicação é preciso diminuir o tamanho da gota até chegar num limite de evaporação e de deriva. Tudo isso veio numa sequência de necessidades de você estudar isso. Não é só aplicar. Para reduzir de 20 litros para 10 litros por hectare, você tem que diminuir o volume do tamanho da gota que seja suficiente para atingir o alvo e distribuir bem o produto. Isso é resultado da tecnologia que veio melhorar o equipamento para produzir gota em tamanho pequeno e que não evapore. Essas coisas são a cereja do bolo. É o estudo de tecnologia da aplicação que leva a toda essa melhoria na atividade aeroagrícola.

Mas tem o bandeirinha que não se usa mais hoje…

José Carlos Christofoletti – O avião tem que fazer uma faixa específica de largura para largar o produto sobre a lavoura para manter a aplicação uniforme. Como ele iria fazer a faixa de 15 metros, 20 metros, 22 metros, se não havia DGPS? Então surgiu a figura do bandeirinha, profissionais que marcavam a linha de voo com uma bandeira na mão para serem vistos pelo piloto do alto. Como as pessoas têm diferentes estaturas, tinha que se colocar uma fita métrica e cada pessoa tinha o número de passos para dar dentro do carreador que ele fazia para medir 15 metros, por exemplo. Aí vinha o primeiro problema: se o carreador não for paralelo à linha de voo, tem que andar mais ou menos? E se o carreador for inclinado? Para sanar esse problema, eu desenvolvi, na época, um tipo de transferidor que tinha essa indicação. Eu sempre levo essa régua para as minhas palestras sobre aviação agrícola, porque era o que nós usávamos na cana-de-açúcar. Quando começou a aparecer o DGPS, a coisa mudou completamente. Você põe no DGPS a largura de faixa de tantos metros e acabou a história. Foi uma mudança extraordinária. A gente passou por todas essas mudanças e aprendeu que a tecnologia está aí para ajudar. O DGPS, além de fazer o mapeamento de aplicação na lavoura, registra todo o voo. É um documento de comprovação da aplicação da empresa para seu cliente. Com o DGPS, a área voada é registrada e não tem como o piloto alterar isso. Isso melhorou muito a transparência da aplicação.

PERSONALIDADES: ao lado de Iris Candiota, filha do patrono da aviação agrícola Clóvis Gularte Candiota, homenageado também no evento da aviação agrícola de 2017.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Há algum fato curioso dessa época do início do Cavag na Fazenda Ipanema?

José Carlos Christofoletti – A gente não ficava o tempo todo na Fazenda Ipanema, eu ia dar aula e ficava uma semana lá. Na época, não houve nenhum acidente fatal na Fazenda Ipanema. Em todo o curso, aconteceu três ou quatro ocorrências. As turmas eram em torno de 15 alunos, tinha dois instrutores, um era o Ernesto Biancardi e o outro era o Deodoro Ribas, dois pilotos excelentes. Havia quatro áreas de treinamento, cada uma tinha um instrutor no solo. Quando o piloto mostrava que não tinha condições, era chamada a atenção e se repetisse os erros, era desligado do curso. Isso era visto no começo do curso, porque as primeiras aulas de voo eram feitas no PA-18 e se o instrutor não sentisse que ele tinha capacidade de voar, ele também não fazia o voo solo no Pawnee ou no Ipanema. Havia uma rigidez no curso.

O senhor gerou muito conhecimento sobre a aviação agrícola. Como foi esse processo?

José Carlos Christofoletti – Como eu era piloto, eu voei também na época de aplicação. No tempo do PA-18, eu voei mais de 300 horas. Com o Ipanema, por exemplo, eu já não estava mais na atividade como piloto, mesmo assim voei com ele e com o Pawnee. A minha grande experiência de aviação agrícola foi na Aval, que começou em São Joaquim da Barra/SP. Eu voei muito, porque era difícil achar piloto. Isso é interessante porque você aprende fazendo. Então toda a tecnologia de fazer equipamento para aplicação em ultrabaixo volume nós pesquisamos em literatura e fizemos a mão. Isso foi uma escola extraordinária. Isso serviu para a gente aprender e não esquecer jamais. Eu acho que as pessoas que trabalham com aviação agrícola deviam ter farto conhecimento de aviação. Quem não conhece avião não entende de aviação agrícola.

O senhor é citado por grandes nomes da aviação agrícola, como um grande mestre na arte da tecnologia da aplicação aérea. Quais personalidades do setor foram seus contemporâneos no Cavag?

José Carlos Christofoletti – Desses atuais que trabalham na área da aviação agrícola não tem pessoas que eram da minha época. São todos cria da gente. Eu, por exemplo, sou meio cria também do Eduardo Araújo. Quando comecei, ele já trabalhava na Embraer. Então a gente teve bastante contato pessoal e recebi muita informação do próprio Araújo. Eu comecei com o Marcos Vilela, depois o Eduardo Araújo é um contemporâneo de atividade, tanto é que o trabalho feito em 1975 foi junto com ele.

RECONHECIMENTO: Christofoletti recebe a Medalha Mérito da Aviação Agrícola, número 2, das mãos de Júlio Kämpf, durante o Congresso Sindag 2017, em Canela/RS. O evento passou a ser chamado Congresso da Aviação Agrícola em 2018.
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

A engenheira agrônoma Mônica Sarmento, hoje a maior especialista em incêndios florestais do Brasil, foi sua aluna? Como foi essa convivência?

José Carlos Christofoletti – A Mônica Maria Sarmento e Souza trabalhou comigo no Cenea, era minha auxiliar e chegou a dar aula. O pai dela era assessor do diretor da Fazenda Ipanema. Ela gostava da aviação também e fez um trabalho excelente na área de prevenção de incêndio. Ela mora aqui em Sorocaba e de vez em quando a gente ainda se senta para conversar.

Foi um período que grandes nomes do setor despontaram. Pode-se dizer que os anos 60/70 foram os anos dourados da aviação agrícola?

José Carlos Christofoletti – Eu acho que sim porque a aviação agrícola era muito incipiente. Só tinha algumas aplicações aéreas feitas em pastagens e em áreas para plantio de florestas. E pouca coisa se fazia em outras culturas. O pessoal fazia alguma coisa no café, naquela região em que a Ada Rogatto fez a sua primeira aplicação. Não lembro bem as datas que o Ministério da Agricultura comprou três ou quatro Pawnee – um para o Nordeste, um para o Estado de São Paulo, teve um para o Paraná – para que fossem usados no controle de pragas sobretudo no café. Mesmo assim, para poder se desenvolver precisava mudar alguma coisa. Foi quando nós começamos com ultrabaixo volume aqui que possibilitou o uso do avião de baixa capacidade de carga. O boom ocorreu no final da década de 1960 início da de 1970, quando a aviação começou a expandir para a área de algodão plantado em Minas Gerais e depois no Mato Grosso. Foi a partir então da década de 1970, que a própria Embraer começou a se mexer e fez o primeiro voo com o Ipanema. A Embraer já vinha há muito tempo trabalhando com o projeto da aviação agrícola. Quando a coisa começou a andar, lançou o Ipanema. Ficou um excelente avião. Um grande passo para a aviação agrícola brasileira. Méritos para a Embraer, méritos para o dr. Ozires Silva, que na época comandava a Embraer. Eu até participei de uma reunião antes de ser lançado o Ipanema na Embraer. Então, em 1970, quando foi o primeiro voo do Ipanema, quem estava na porta do hangar? Era o seu Christofoletti (risos). Eu não podia deixar de ver o primeiro voo do Ipanema. Dou um valor imenso por ter acompanhado todos esses passos e de ter conseguido vivenciar alguma coisa. É um orgulho muito grande para mim.

Hoje, a aplicação aérea é pouco compreendida. As pessoas consideram que os produtos usados pelas aeronaves são mais perigosos…

José Carlos Christofoletti – Os mesmos produtos aplicados com avião são aplicados por terrestres. Em uma aplicação aérea correta o vento é em direção contrária ao povoado. Precisa observar bem para não ter deriva em área não pulverizável. O ABC da tecnologia da aplicação aérea é claro: se tem vento que não serve não faz aplicação. É preferível não fazer do que fazer e fazer errado. Tem que pôr na lousa dos cursos de piloto e agrônomo onde tem problema não faça. Todo mundo que fala contra a aviação agrícola na agricultura é pessoa ignorante no assunto. É a mesma coisa que você pegar uma faca e cortar a pele de uma pessoa. É um crime fazer isso. Agora, o médico faz uma incisão, corta meio metro da sua barriga, para fazer uma operação, e está tudo certo. Eu uso essa imagem para dizer que quem está fazendo uma incisão para a cirurgia sabe o que está fazendo, usa o bisturi adequado, sabe o que tem por dentro. Na aviação agrícola é a mesmíssima coisa. A aviação agrícola, na concepção da palavra, feita por quem sabe que a coisa precisa ser perfeita, não vai causar dano. Eu sou o primeiro a dizer não faça a coisa errada.

CONVIDADO: palestra no Expo Congreso Taller 2001 de Aviación Agricola, em Punta del Leste, Uruguai, em 7 de Julho de 2001.
Foto: Acervo Pessoal

Qual o futuro da aviação agrícola? Para onde caminha o setor?

José Carlos Christofoletti – Não tem horizonte final. Hoje, você vê a aviação agrícola nas lavouras, em incêndios e vai aparecer outras coisas em que a ferramenta é necessária. Enquanto você tiver problemas na agricultura de alta escala não tem máquina mais apropriada do que o avião. Se você está falando em aumento da área plantada devido ao aumento da população, com certeza a aviação agrícola estará presente. O setor precisa cada vez mais mostrar que a ferramenta é efetiva, eficiente e é eficaz e que tem alto rendimento, para poder diminuir as perdas na lavoura por pragas e doenças. Não estamos falando só da alimentação do brasileiro. É o mundo inteiro que está precisando de comida. A tecnologia sempre acompanha a necessidade de melhoria. Nós temos o Thrush Commander e outros turboélices chegando a 1 mil cavalos de potência. E, se precisar um com o dobro da potência, sem dúvida, um engenheiro aeronáutico vai fazer um avião com o dobro de potência e o dobro de carga. Eu sou um adepto da aviação agrícola inteiramente. Eu trabalho com a aviação agrícola desde o começo da minha vida profissional e me sinto muito orgulhoso de ter participado do avanço do setor.

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