O argumento técnico em defesa da aviação agrícola

Pós-doutor em agronomia, o professor e pesquisador Ulisses Rocha Antuniassi é referência em aplicação aérea e tem usado sua expertise para derrubar mitos criados contra a tecnologia

Publicado em: 02/07/24, 
às 18:48
, por IBRAVAG

COMPARTILHE:

WhatsApp
Telegram
X
Facebook
LinkedIn
Pinterest
[esi INSERT_ELEMENTOR id="1794" cache="private" ttl="0"]

“Não existe nenhum argumento técnico nessa terra que comprove que o avião deva ser proibido. O argumento é só político.” A frase do professor pós-doutor Ulisses Rocha Antuniassi é baseada em pesquisas que vem desenvolvendo com maior intensidade desde o início dos anos 2000, com foco no desenvolvimento da aviação agrícola com sustentabilidade. Tanto que foi um dos idealizadores da Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS), desenvolvida pela Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf), participa de movimentos de proteção a polinizadores, para mostrar que a tecnologia e a preservação das abelhas podem viver harmonicamente, faz palestras e participa de audiências que têm como alvo a discussão sobre a proibição da aviação agrícola.

Um caminho iniciado com a graduação em agronomia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e ingresso no mestrado e doutorado em agronomia com ênfase em Energia na Agricultura, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Câmpus de Botucatu/SP. Herdeiro do trabalho desenvolvido pelo seu orientador, o professor José Armando Furlani Junior, uniu o gosto pelas ciências exatas, a paixão por aviões e o desejo de morar no interior.

Considerando-se um bom paulistano, sem família voltada à produção rural, Antuniassi despediu-se da metrópole brasileira ainda adolescente e nunca mais voltou para a capital paulista. Alçou voos para o exterior. Fez pós-doutorado no extinto Silsoe Research Institute (SRI), Inglaterra, e expandiu o conhecimento na área da aplicação aérea. Com o passar dos anos, conseguiu montar um laboratório de última geração, inclusive com Túnel de Vento de Alta Velocidade, que presta serviço para o segmento de tecnologia de aplicação, indústrias de defensivos e adjuvantes, fabricantes de pontas e atomizadores, órgãos reguladores e fabricantes de componentes para a aviação agrícola.

Também foi um dos impulsionadores da inserção da aviação agrícola no controle de incêndios florestais, bem como usou conceitos da aviação agrícola para criar um aerobarco para controle de plantas aquáticas. Este barco usava componentes de aviação agrícola para controlar a pulverização, como GPS, controle de fluxo, além de um motor similar ao utilizado na aeronave Ipanema.

Ainda desenvolveu um sistema para controle de plantas daninhas em ferrovias. “Nos dois casos, os equipamentos já previam há mais de 20 anos a aplicação usando os conceitos de boas práticas e os cuidados ambientais”, pontua o professor, que ano a ano orienta pesquisas relacionadas à aplicação de fitossanitários em lavouras e aviação agrícola, evidenciando que o setor de aplicação de fitossanitários está em constante evolução.

Por que o senhor acabou fazendo carreira na tecnologia de aplicação? A sua família era de produtores rurais?

Não. Eu sempre fui uma pessoa voltada para a área de exatas. Sempre gostei de engenharia e de mecânica. E, dentro das ciências agrárias, eu tive atração maior pela área de mecanização agrícola, que é o uso de máquina na agricultura. Além disso, eu sempre gostei muito do interior, apesar de não ter na família propriedade agrícola. Obviamente, isso me direcionou para a agronomia. Por isso que eu sou professor da área de máquinas. E a tecnologia de aplicação é um dos segmentos dessa área de equipamentos agrícolas.

Quando foi o seu primeiro contato com a aviação agrícola?

Quando eu terminei a minha graduação em Londrina (município no Norte do Paraná), eu vim para Botucatu (São Paulo) fazer mestrado. Eu já tinha interesse de ser professor. E aqui eu acabei sendo orientado pelo já falecido professor José Armando Furlani Junior, que trabalhava com aviação agrícola. Alguns anos depois, quando ele se aposentou, eu já era contratado da universidade e herdei essa área de trabalho dele. Já são 37 anos. Os interesses ficaram casados porque é uma área bastante ligada à engenharia, máquina e avião. Eu sempre fui um entusiasta da aviação independentemente da agronomia. Eu, enquanto adolescente, lá em São Paulo, até comecei a fazer o curso de piloto de avião, mas não terminei.

O senhor desenvolveu muitas pesquisas importantes na área da aviação agrícola. Qual a maior dificuldade que existia, ou ainda existe, para o desenvolvimento de pesquisas voltadas ao setor?

O ponto de inflexão, o ponto crítico da minha carreira para me direcionar para pesquisa e desenvolvimento da aviação agrícola foi há uns 25 anos, quando surgiu no Brasil a ferrugem-asiática da soja (a doença é causada pelo fungo  Phakopsora pachyrhizi). Até então, eu fazia alguma coisa com aviação agrícola, mas nada muito intenso. Era um nicho de mercado ainda pequeno. Porém, em 2002, quando a ferrugem asiática se alastrou pelas lavouras foi necessário fazer aplicação de fungicida de maneira muito rápida, porque ela era uma doença de disseminação veloz. E a ferramenta que se mostrava mais viável para esse tratamento rápido era o avião agrícola. Então, eu fui levado a estudar aplicação aérea muito mais porque eu estava envolvido com a tecnologia de aplicação para controlar a ferrugem da soja. E o  avião era uma ferramenta importante. Então, acabei precisando me aproximar da aviação agrícola para desenvolver a tecnologia de aplicação aérea para combater a ferrugem da soja. Até então, não se aplicava fungicida na soja com avião. Então, as primeiras pesquisas científicas de uso do avião para pulverizar fungicida em soja fui eu que fiz lá no Mato Grosso em 2002, 2003. Isso abriu o caminho para essa explosão da aviação agrícola. Ela passou a crescer vertiginosamente a partir dos agricultores entenderem que a aviação agrícola era uma ferramenta muito eficiente e muito rápida para aplicar o fungicida na soja.

DIA DE CAMPO
Em 2016, em Regente Feijó/SP, apresentação para mostrar a tecnologia aeroagrícola para a imprensa
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Como é que eram essas pesquisas? Eram de campo?

Sempre pesquisa de campo. Nós tivemos dois momentos importantes. Bem no início da ferrugem, a gente tinha muita dificuldade de conseguir aeronave, área e recursos porque as pessoas não tinham essa prática. Depois que os empresários da aviação agrícola, principalmente por meio do sindicato (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola – Sindag), entenderam que era uma oportunidade importantíssima de desenvolver o setor, nós tivemos todo o apoio. De fato, muitas pessoas se envolveram nas pesquisas. Eu vou citar como exemplo, o Eduardo de Araújo*, que é uma referência no setor. Ele fez pesquisa comigo no Mato Grosso. Outros empresários, muitos até já passaram as empresas para os seus filhos, deram muito apoio. E aí foi feita muita pesquisa. E isso alavancou o setor lá no Mato Grosso. Na segunda safra de aplicação de fungicida na soja, houve um recorde de venda de aviões no Brasil. Foi uma época que a Embraer vendeu, eu não me lembro quantas aeronaves Ipanema**, numa safra só. Era uma coisa sem precedentes. Então, foi quando realmente a aviação agrícola explodiu e teve um salto muito grande. Por quê? Porque a agricultura brasileira precisava de uma ferramenta rápida para aplicar na ferrugem. Óbvio que depois isso foi amadurecendo com mais pesquisas. Mas quem de fato fez isso acontecer foi a ferrugem da soja.

*Eduardo Cordeiro de Araújo é engenheiro agrônomo e participou de diversas pesquisas tendo como foco a aplicação aérea de fitossanitários, inclusive para o controle de vetores. Atualmente é conselheiro do Sindag. A entrevista completa com ele está na edição 12 – julho a setembro de 2021 – da Revista Aviação Agrícola (acesse pelo site revistaavag.org.br).

**Ipanema é um avião agrícola monomotor de asa baixa desenvolvido e fabricado no Brasil pela Embraer. O modelo EMB 202-A, certificado em 2004, é a primeira aeronave produzida em série do mundo a operar com etanol.

Nessa época havia pouco material disponível sobre a realidade das aplicações aéreas no Brasil. Isso mudou? Está mais fácil pesquisar hoje?

Melhorou muito. Tem muita gente trabalhando. O setor se estruturou em comunicação. Hoje, a gente tem muito mais oportunidades de comunicação. Então, eu acho que foi um crescimento e uma disponibilidade de plataformas para desenvolver o trabalho, aumentando junto com a massa crítica de pesquisas. Eu não consigo colocar para você um ponto exato em que uma determinada ação mudou isso. O ponto de virada para o interesse na aviação agrícola foi a ferrugem da soja, mas do momento que a ferrugem se estabeleceu e a aviação agrícola se estabeleceu como ferramenta para controle da ferrugem, daí para frente foi um crescimento contínuo de pesquisas, da formação de pessoas, da estruturação do setor economicamente, politicamente e, também, nessa parte de comunicação.

Mesmo assim, hoje continua existindo um grande volume de fake news, uma avalanche de mitos, e que acabam prejudicando a imagem do setor. Por exemplo, agora tem vários projetos para proibir a aviação agrícola no Brasil. Tem o caso do Ceará, onde a aviação agrícola foi proibida. Por que esses projetos continuam pipocando no Brasil a fora, embora o setor tenha pesquisas e  tecnologia avançada?

Eu já escrevi artigos sobre isso e já fiz muita palestra sobre o tema. A aviação agrícola é apenas um ícone a ser combatido pelos segmentos que combatem o agronegócio. Não podemos esquecer que o País sempre viveu uma certa polarização política. E quando a gente fala dessas ações de proibição da aviação agrícola, nós temos que falar de política, não tem como escapar, porque não há argumento técnico que sustente a proposta de proibição. Qualquer discussão técnica que se tenha sobre proposta de proibição, a proposta cai por terra. Não se propõe a proibição por argumento técnico, a proposta de proibição é política. E a política vive uma dualidade, o agronegócio de um lado e os movimentos ambientais, os movimentos de sem-terra, os movimentos contra agrotóxicos, em geral, os movimentos que são de esquerda ou extrema esquerda. Isso tem que ser falado dessa maneira, porque senão ninguém entende. É atávico para o movimento de esquerda combater o agronegócio. Tem um motivo? Não. Combate-se porque é o latifúndio, porque é o grande produtor, porque ele tem avião, porque ele é rico e a gente aqui não tem casa, não tem moradia, não tem terra. É discussão política. Porém, tem que deixar claro que quando alguém propõe a proibição de aviação agrícola, ele não está preocupado com a aviação agrícola em si, mas ele está combatendo o agronegócio. Aí o avião agrícola entra como símbolo do poderio econômico, porque o avião é de propriedade de um empresário, ele atende ao grande produtor, o avião agrícola é uma coisa que voa. E aí as pessoas vão atirar naquilo que é mais fácil. Por exemplo, morrem pessoas o ano inteiro contaminadas com agrotóxicos nas pequenas propriedades porque fazem aplicação sem EPI (equipamento de proteção individual), porque os profissionais não têm treinamento. Não morre nenhum piloto contaminado. Ninguém morre na aviação agrícola por contaminação de agrotóxico, porque é uma aplicação muito segura. Mas o argumento é de que o avião contamina o ambiente, o que é uma mentira, não tem fundamento técnico. É apenas política. Então é preciso entender assim: a aviação agrícola é um bode expiatório.

PALESTRA
Defensor da aviação agrícola como ferramenta para o controle fitossanitário de lavouras brasileiras, o engenheiro agrônomo, pesquisador e professor tem contribuído para o desenvolvimento sustentável da ferramenta
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Então, por que a aviação agrícola está sendo proibida?

Eu não gosto de falar de política em entrevista, porque rotulam a gente e é terrível isso. No entanto, quando você faz a pergunta: “por que a aviação agrícola está sendo proibida?” Não tem como não falar em política. Para entender: a gente tem contra a aviação agrícola os movimentos ambientais, os movimentos ecológicos, os movimentos fundiários – como o dos sem-terra. Muitos movimentos sociais urbanos, formados por pessoas que estão na cidade e não fazem a menor ideia do que é a agricultura, compram as bandeiras contra a aviação agrícola, porque o ser combatido é o capital, é o poderio econômico, o grande empresário agrícola que usa o avião. E esses movimentos usam muita fake news. Isso é uma coisa absurda.

Cite um exemplo.

Quando um movimento contra a aviação agrícola põe uma foto de um avião pulverizando o prato de alface essa é a pior fake news que pode existir. Por quê? Primeiro, ninguém pulveriza alface antes de comer e, muito menos, com avião. Não se usa avião em hortifrutigranjeiro. É um negócio ofensivo para a inteligência das pessoas, mas tem reflexo. As pessoas ficam com medo. Então, alguém que não conhece agricultura, que não conhece agronegócio, que não conhece avião, vê a foto do prato de alface sendo pulverizada pelo avião, fica com medo. E aí esses movimentos ganham força. A maior parte das discussões desses movimentos é baseada em informações falsas. Então, sendo bem honesto, a proposta de proibição da aviação agrícola é um problema político e tem que ser tratado de maneira política, porque quando ele é discutido tecnicamente, ele cai por terra, porque não existe nenhum argumento técnico nessa terra que comprove que o avião deva ser proibido. O argumento é só político.

O Ceará é um exemplo de Estado que acabou proibindo o uso da aviação agrícola. Qual é a lição deixada por esse episódio?

Qual é a estratégia para você aprovar um projeto desse? Criar um momento na surdina, combinar votar e marcar uma reunião de surpresa. Se você divulgar com antecedência, as pessoas se organizam e nunca vão aprovar uma coisa dessa. No Ceará, foi um momento político com muita gente a favor de proibir a ferramenta, e o pessoal que era contra a proibição não estava mobilizado. O que ficou de lição? O setor precisa ficar alerta. O agronegócio tem que ficar alerta, porque esses movimentos trabalham com essas estratégias de aprovar as coisas na calada da noite, uma coisa meio sem discussão. E quando eles montam a discussão é uma coisa já pronta. Eu já fui chamado para falar em uma dessas audiências, mas eles não te dão o microfone. As pessoas que falam são as contra a aviação agrícola. Aí termina a sessão, você não tem tempo de falar nada. O pior, o seu nome consta na lista de participantes. Eles vão dizer:  – nós tivemos uma discussão, foi aprovada a proibição da aviação agrícola e o professor Ulisses estava na reunião. No entanto, não me deram a palavra. Então são estratégias complicadas que o pessoal usa. E é muito difícil de abordar isso sem ser criticado, tanto por um lado, como pelo outro, porque é política. E a base da política é a crítica.

Como o senhor vê, no caso, o Ministério Público interferindo nisso, o próprio Supremo Tribunal Federal, no caso do Ceará, apoiou a ação da Assembleia Legislativa.

É política. Um ministro, em um tribunal qualquer, muitas vezes tem informação baseada em relator, em auxiliar. No próprio Ministério Público é assim. Assim, depende muito de quem passa a informação. Eu não acredito que um ministro do Supremo tenha um entendimento exatamente do que é uma aviação agrícola. Ele não estuda para isso. Então, precisa ver como as informações chegam para ele. É uma cadeia de ações. Realmente, uma situação em que se houvesse maior discussão e maior entendimento, essas proibições seriam evitadas, porque, de novo, não tem argumento técnico.

COMUNICAÇÃO
Antuniassi mostra papel hidrossensível usado para avaliar a deposição de gotas, conferindo a qualidade e segurança da aplicação
Foto: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

O senhor teria algum caso pitoresco dessas audiências que tenha ficado muito visível a má-intenção?

Claro. Eu participei de uma discussão em que presenciei o uso inadequado da ciência. A pessoa que estava dando o argumento contra a aviação agrícola desenvolveu uma linha de raciocínio que dizia ser científica. Inclusive calcada em um trabalho de pós-graduação, desenvolvido em um mestrado, numa universidade importante, orientado por um professor, mas com muita distorção contra a aviação agrícola. Então, eu, como pesquisador e observando aquilo, percebi que era um exemplo típico de uso da ciência com viés. Esse trabalho estava completamente equivocado. Você percebe que o autor primeiro concebeu a ideia de que era contra a aplicação aérea e depois desenvolveu o raciocínio para validar o pensamento dele. É o contrário de uma pesquisa que precisa de todo um raciocínio para você criar em uma hipótese e tal. Nesse trabalho acadêmico, não. Primeiro vinha a tese de que tinha que proibir a aviação agrícola. Aí segue: como que nós vamos proibir? Vai desenvolver uma pesquisa para mostrar que tinha que ser proibido. Então, o movimento político em volta da aviação agrícola leva até a instância acadêmica a se distorcer. Mas, de novo, todas as vezes que o argumento técnico é bem discutido, não se encontra nenhum motivo para proibir.

O senhor, inclusive, fez uma pesquisa reversa de uma citação, de uma citação, de uma citação?

Eu tenho até um artigo publicado sobre isso. Existia esse mito de que só 1% do que era aplicado pelo avião agrícola caia no alvo. E aí eu peguei e gastei um bom tempo pesquisando de maneira reversa até achar de onde saiu essa ideia. Resultado: era um trabalho feito nos Estados Unidos, que não tinha a menor ligação com aviação agrícola. Então foi um monte de citações, mas a pessoa pegou aquilo e colocou  no contexto do porquê achava que o avião tinha que ser proibido. Então, neste caso, para mim, configura má-fé, com certeza. Aí que eu falo que é fake news mesmo.

No seu entender, hoje, qual é a grande defesa da permanência do uso da aviação agrícola no Brasil?

Olha, o Brasil tem uma estrutura fundiária que justifica, sem discussão nenhuma, a presença de ferramentas de aplicação como o avião agrícola, que tem alta capacidade de cobertura de área. Ele faz muita área em pouco tempo. Alguns argumentam que vamos proibir a aviação agrícola no Brasil porque na Europa é proibido. Ora, na Europa as áreas de produção são pequenas. Lá nem comporta avião. Agora, aqui no Brasil, onde a gente tem as áreas de produção muito extensas, a ferramenta de aplicação aérea é muito eficaz, porque ela faz o trabalho bem e rápido, como ocorre nos Estados Unidos, como ocorre na Austrália, na Argentina. Então, a ferramenta é adequada para o Brasil. Ela não é adequada para a Europa. Os argumentos acabam caindo por terra. Hoje, em qualquer análise que se faça do ponto de vista fitossanitário, quer dizer, do controle de doenças, e qualquer análise econômica que se faça do processo produtivo no Brasil, é mais do que claro que a aviação agrícola é desejável, ela ocupa um pedaço. Veja bem, a gente não aplica 100% da área com avião. Se você pegar no Brasil inteiro, deve dar aí 5% ou 6% da área. Mas é os 5% ou 6% da área que é mais importante, porque é aquela área que se você não acertar a aplicação tem uma quebra muito grande de safra. São as últimas aplicações, são as principais culturas. Então, é muito importante para a manutenção da base do agronegócio. Não tem argumento que convença de que o avião é dispensável. Na verdade, isso não existe, o avião é extremamente necessário. Mas volto a repetir: o avião cobre só uma parte da área, não é 100%. E por quê? Porque tem outros métodos mais adequados para outros lugares.  Mas tem essa pequena área que a aviação cobre e é muito importante.

ENSINO
Antuniassi acredita que a aviação agrícola deveria estar presente em várias disciplinas da área de fitossanidade
Foto: Sérgio Santa Rosa

E essa necessidade de o Brasil copiar soluções de outros países, principalmente da Europa, sem verificar a peculiaridade do setor é a nossa síndrome de vira-lata, conforme expressão criada pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues?

Não é teoria de conspiração nenhuma, mas a gente sabe que boa parte dos grandes movimentos ambientais têm sede na Europa. É de lá que vem o dinheiro para dar suporte para os movimentos ambientais. Vem da sede dos movimentos que estão na Alemanha, na Inglaterra, na França. E, aí, começa a ter um monte de interações político-econômicas. Você começa a criar barreiras. E é óbvio que quando você coloca restrição na produção brasileira beneficia o produtor da Europa. Aí é um jogo político e econômico muito complexo.

As condições climáticas extremas – chuvas no Sul, fogo no Centro-Oeste, devem aumentar a necessidade da aviação agrícola como ferramenta para manter a produção, porque as janelas climáticas também devem ficar menores?

Eu não colocaria essa ligação direta. Eu diria assim, a sociedade está sendo impactada de várias maneiras. A minha preocupação com a aviação agrícola é que ela esteja disponível para que seja útil no momento que eu tiver um problema a combater. Eu sou contra proibir o avião, simplesmente, porque acredito que em alguns momentos ele é necessário. Não é necessário em 100% dos momentos, mas na hora que for necessário, precisa usar. O Brasil depende do agronegócio, uma parcela importante do PIB (Produto Interno Bruto) vem do agronegócio, a gente depende das grandes culturas – soja, milho, algodão, cana, citricultura. Em algumas delas, é imperativo o uso do avião. Então, no momento que você tira o avião, você está tirando competitividade do agronegócio. Eu não vejo o menor sentido nisso. Como estratégia de governo, para garantir o retorno econômico do agronegócio, o avião tem que estar lá disponível, com certeza. E, obviamente, o que precisa ter é uma boa política ambiental, um bom regramento, uma boa legislação, coibir o mau uso, incentivar as boas práticas. Há muitas maneiras de você combater o mau uso. Porém, combater o mau uso proibindo não é inteligente.

Mas a aviação agrícola vai além da aplicação em lavouras. O senhor foi o idealizador dos cursos de combate a incêndio no Brasil?

Sim, a gente fez muitos cursos no começo. Eu ajudei a organizar muitos cursos de combate aéreo de incêndio. Realmente, nós tivemos uma ação muito forte aqui no início da década passada, meados dos anos 2000. Foi bem interessante mesmo.

E como fazer com que a sociedade entenda que a aviação agrícola vai além de aplicação de produtos fitossanitários, que o setor tem capacidade para mais?

É uma questão mesmo de comunicação. Por exemplo, agora, é um momento importante (referindo-se aos incêndios no Pantanal) para o segmento se fazer presente na mídia, se posicionando, mostrando: – olha, nós estamos aqui, nós somos úteis. Eu acho que é uma estratégia de comunicação.

PESQUISA
Antuniassi montou um dos mais modernos laboratórios para pesquisas, inclusive com Túnel de Vento de Alta Velocidade
Foto: Sérgio Santa Rosa

Existe algum estudo do seu laboratório sobre combate a vetores com aplicação aérea?

Eu não trabalho com essa área diretamente. Tem aqui, sim, trabalhos de pesquisa, no túnel de vento, que avalia técnicas de aplicação para controle de vetor. Por exemplo: geração de gotas de ultrabaixo volume, outras ultrafinas que são adequadas para o controle de insetos adultos. A nossa pesquisa serve para o controle de mosquitos transmissores de doenças, mas ela não é feita para essa ação específica. Eu acho que a aviação agrícola é uma ferramenta fantástica para isso. É uma pena que o Brasil tenha esse preconceito de não aprovar o uso de avião e drone para aplicar os inseticidas, porque eu acho que em alguns casos seriam muito mais eficientes do que essas ferramentas, como o fumacê, que usam atualmente. Aí também entra a política de novo. De novo, se você for discutir tecnicamente, o avião estaria sendo usado.

E quando se fala em discutir tecnicamente, é importante falar sobre o laboratório de ponta montado na Unesp que o senhor coordena.

Esse laboratório é muito utilizado pelo setor privado, então a maior parte do trabalho é parceria público-privada. As empresas vêm aqui para desenvolver suas tecnologias de aplicação. Por exemplo, os fabricantes de atomizadores usam o laboratório para avaliar os equipamentos que estão desenvolvendo e com isso gerar mais informação para o usuário. Então, o principal usuário desse laboratório é, de fato, o setor privado e as indústrias que fornecem materiais, equipamentos e serviços para a aviação agrícola. Interessante que muitos desses dados gerados se direcionam aos próprios órgãos ambientais e de saúde pública, para dar suporte a processos regulatórios. Ou seja, no final, o resultado da ciência volta para a sociedade na forma de tecnologias mais seguras.

O que as empresas de equipamentos para aviação agrícola ou que estão trabalhando com o agronegócio estão buscando hoje?

Hoje, 99% do trabalho é feito direcionado ao que a gente chama de boas práticas. Todo mundo quer que as suas técnicas sejam vinculadas a uma ideia de sustentabilidade. Quase todas as empresas que são parceiras de pesquisa estão buscando o uso correto e seguro das suas técnicas, ou seja, o uso sustentável.

O senhor é um dos idealizadores da Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS), junto com a Fepaf e mais duas universidades. Qual a importância do CAS nesse sentido de mostrar que a tecnologia aeroagrícola é sustentável?

O CAS surgiu de um projeto que eu tinha aqui na fundação com uma empresa da área de defensivos, que era uma certificação de qualidade da aviação agrícola. Porém, quando ocorreu uma crise muito grande com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), que propôs a proibição de aplicação aérea de uma classe de produtos, nesse momento, a gente precisava de uma ferramenta que pudesse mostrar para o setor que a aviação agrícola podia ser feita com qualidade, com segurança. Então, a gente adaptou a ideia do programa de certificação de qualidade para boas práticas e criou o programa CAS. Isso foi em 2012. Depois, ele demorou mais dois anos para ser colocado em prática e aí foi que se tornou um programa nacional, apoiado pela indústria e por uma série de entidades, E, na verdade, a ideia de boas práticas acabou suplantando tudo o que tinha antes e foi muito bem aceita pelo mercado. O CAS, hoje, tem apoio da CropLife e algum recurso para poder manter o programa rodando, pois não é cobrada taxa de certificação das empresas de aviação agrícola, mas a sociedade enxerga um benefício muito grande porque a gente advoga pelas boas práticas. E isso tem um valor muito grande no mercado hoje.

Falando em sustentabilidade da ferramenta, o senhor também está ligado a programas de preservação das abelhas.

Desde 2012, eu apoio esses movimentos no sentido de levar a perspectiva do uso correto e seguro da aviação agrícola. Eu participei, por exemplo, de um programa de proteção dos polinizadores muito grande e muito interessante do Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal), entre outros movimentos. Eu sempre participei no sentido de mostrar: – olha, a aviação agrícola não é inimiga das abelhas; se bem utilizada, podem conviver perfeitamente.

A tecnologia embarcada na aeronave proporciona maior segurança operacional, como o senhor já havia comentado em palestras…

Na verdade, a gente tem tecnologia, tem pesquisa, a gente tem um universo que pode se beneficiar de uma ferramenta bem utilizada. Então, o que eu diria? Na verdade, não tem restrição. A gente tem muita possibilidade de evoluir na técnica, de evoluir nas boas práticas, de evoluir no entendimento da melhor forma de utilizar a tecnologia. Eu sempre entendo que o caminho nunca deve ser o de proibir, o caminho deve ser o de esclarecer. É aquela velha história:  um adolescente pegou o carro do pai emprestado, se acidentou, causou uma tragédia. Não é por causa disso que nós vamos proibir as pessoas de andar de carro. Esse imediatismo de proibir é errado. O que precisa é ter, de fato, um uso correto e seguro da ferramenta.

QUALIDADE
Antuniassi é defensor das boas práticas aeroagrícolas, inclusive foi um dos idealizadores da Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS)

Na agronomia, são poucas universidades que têm uma disciplina voltada à aplicação aérea. O conteúdo normalmente faz parte da área de mecanização. E eu já ouvi agrônomos dizendo que saíram da universidade, praticamente, sem noção alguma sobre aplicação aérea. Essa questão não acaba por afastar ainda mais a sociedade dessa ferramenta?

São poucas as escolas que têm disciplinas específicas de aviação agrícola. Eu tenho aqui em nível de pós-graduação, mas não tem essa mesma disciplina na graduação. A gente dá algumas aulas esporádicas. É um problema. Por outro lado, acredito que a principal forma de entrada dos alunos nesse mundo, não seria uma disciplina específica de aviação agrícola, mas a inserção da aviação agrícola em outras disciplinas. Por quê? Porque a disciplina que trata de controle de pragas, por exemplo, insetos, tem que usar de uma maneira positiva e correta a aviação agrícola. O mesmo deveria ocorrer nas disciplinas que tratam do controle de doença e do controle das ervas daninhas. A aviação agrícola tinha que estar bem-posicionada nas várias disciplinas da fitossanidade. Eu acho que seria muito importante porque você consegue permear. A capilaridade seria melhor. No entanto, a gente nem sempre tem os professores treinados para apresentar a aviação agrícola como ferramenta. Então, sim, ter uma disciplina de aviação agrícola seria legal, mas mais importante seria ter uma boa forma de enxergar a aviação agrícola nas várias disciplinas da fitossanidade.

O avanço dos drones de aplicação pode vir a mudar a visão sobre o setor agrícola como um todo, uma vez que as pessoas têm mais simpatia pelos drones?

O drone é uma ferramenta nova e veio para ficar. É mais uma modalidade de aplicação e vai complementar o avião e o terrestre. Isso não vai nem ajudar nem atrapalhar na percepção da aviação agrícola pela sociedade, porque é uma técnica nova. Eu não vejo antagonismo, eu vejo sinergismo. Eu acho que o drone vai colaborar com as outras técnicas de aplicação.

O senhor vê a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém/PA, em novembro de 2025, como uma oportunidade para o setor aeroagrícola mostrar sua eficiência e que é um parceiro para o desenvolvimento sustentável?

Há muitas formas de enxergar a COP 30. Como oportunidade de exposição, eu acho legal, tem que investir. Agora, o público desses eventos é um público que vem, em geral, muito posicionado, com a cabeça muito feita. Então eu tenho algumas dúvidas com relação ao quanto você consegue mobilizar as pessoas. Ninguém vem aqui participar de um evento desse sem já ter a sua opinião formada. Trata-se de um fórum político. As cabeças já vêm moldadas. É só um fórum para debates. Ninguém vai vir aprender aqui.

COMPARTILHE:

WhatsApp
Telegram
X
Facebook
LinkedIn
Pinterest

Este website utiliza cookies para fornecer a melhor experiência aos seus visitantes.