De origem humilde e natural de Sanga Funda – antigo distrito de Osório hoje pertencente a Terra de Areia, o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), 66 anos, é uma das principais vozes em defesa do agronegócio na Câmara Federal, onde também preside a Frente Parlamentar da Agropecuária. Já no fim do segundo mandato à frente da FPA (que abrange 225 deputados e 32 senadores), ele faz um balanço positivo do seu trabalho nesses dois anos, mas salienta que muita coisa ainda precisa ser feita pelo setor. Em entrevista à Revista Aviação Agrícola – concedida em Porto Alegre, ele conta que sua vida sempre esteve ligada ao agro – da infância na agricultura familiar até a fase adulta, quando trabalhava na venda de produtos agropecuários pelo Rio Grande do Sul.
Da roça, onde acordava às 2h30 da manhã para tirar leite das vacas na propriedade da família, à venda de peixes todos os dias antes de ir para escola e do ofício como auxiliar de padeiro, ele chegou à política no início dos anos 80. Foi vereador (1983/88), vice-prefeito (1993/96) e prefeito reeleito de Osório (1997/2002). Também presidiu a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) no biênio 1999/2000; deputado estadual reeleito (2003/10) e presidiu a Assembleia Legislativa gaúcha em 2008. Ainda foi secretário de Estado da Habitação (2003/06). Elegeu-se deputado federal em 2010 e está em seu terceiro mandato na Câmara. Atualmente, também preside o MDB gaúcho.
“O gosto pela agricultura eu sempre tive”, assinala. Mas explica que o setor acabou se tornando sua principal bandeira na atuação parlamentar há cerca de uma década, quando iniciava seu primeiro mandato em Brasília. De lá para cá, tornou-se uma referência no tema agrário e trabalha fortemente para defender sua expansão e a conquista de mercados no exterior. Alceu Moreira também faz um grande elogio ao papel da aviação agrícola na evolução do agro no Brasil.
Fale sobre a sua infância, o que vocês plantavam?
Alceu Moreira – Éramos uma família de sete irmãos em uma área de terra em torno de 12 a 15 hectares. A gente tinha tambo de leite e com uma particularidade que as pessoas talvez nem percebam. Naquela época, não tínhamos caminhões refrigerados. Então o caminhão tinha que passar na madrugada, porque precisava chegar no entreposto do leite antes do sol sair, senão o leite ficava ácido. Como éramos os terceiros ou quarto produtores, no começo da linha, acordávamos às 2h30 da manhã para tirar leite, porque o caminhão passava entre as 4h30 e 5 horas da manhã para levar tudo em tarros. Então a gente tirava o leite das vacas, botava no tarro, pegava no carrinho de mão e levava até a estrada. A (BR) 101 (hoje uma rodovia duplicada em Terra de Areia) ainda era uma estrada de saibro…
Onde foi isso?
Alceu Moreira –Sanga Funda (hoje município de Terra de Areia). O lugar onde eu nasci. Nós também tiramos leite numa localidade chamada Perua, lá em Osório, onde tínhamos um terreno arrendado. Até os cinco anos eu fiquei ali, depois a gente foi morar no Maquiné, num lugar chamado Jaguarão. Continuamos tirando leite, mas aí o pai colocou olaria para fazer tijolo e cerâmica. E depois a gente voltou para Sanga Funda, de onde saí ainda muito pequeno. E aí, sim, lá tínhamos tambo de leite, tinha alguns animais. Era um lugar muito pequeno, mas era muito bom. Também plantávamos milho, mandioca, essas coisas do dia a dia, hortigranjeiros. Eu estudava em um colégio que ficava distante em torno de três quilômetros e meio até chegar ao quinto ano. Depois fui estudar numa escola de Terra de Areia, fazer o Ginásio (hoje equivalente aos anos finais do Ensino Fundamental), no Padre Mendonça (Instituto de Educação Cenecista Padre Mendonca). Eu caminhava seis quilômetros a pé para ir e seis para voltar. Chegava em casa muito cansado, mas almoçava, trocava a roupa e ia para roça de novo, para trabalhar até o horário do trato das vacas. Depois, tirando leite para levantar no outro dia, às 4 da manhã. Era uma vida bastante difícil, com muito pouco recurso. Foi, na verdade, uma infância em que não pude brincar, porque não tinha tempo. Mas, em compensação, me ensinou a ter limites e humildade para conversar com as pessoas e a agir com muita força e decisão.
O senhor também vendeu insumos pelo Rio Grande do Sul, certo? Neste período, o que mais chamou a atenção do senhor?
Alceu Moreira – Bom, primeiro eu fui vender produtos veterinários. Eu trabalhava para um laboratório do Rio de Janeiro e não conhecia um palmo além de Porto Alegre e acabei saindo para vender produtos veterinários trabalhei com isso por onze anos. E o que me chamou atenção naquela época era, na verdade, uma agricultura completamente diferente da que eu conhecia. Fui para a região de Passo Fundo, Santa Rosa, Santo Ângelo, descortinando a lavoura de trigo, de soja, de milho, uma produção de leite com muito mais volume, com muito mais tecnologia e ainda com grandes cooperativas… conheci toda a fronteira, toda a Zona Sul, tudo isso. O Estado a palmo. No meio desse processo, colocamos alguns produtos agrícolas e veterinários. Primeiro em Osório, depois em outros municípios no litoral, até chegar a oito lojas. E aí nós entramos no ramo de defensivos agrícolas. Foi quando conheci bem a lavoura de arroz. Conheci muito a aviação agrícola de Capivari, daquela região.
Uma transformação…
Alceu Moreira – Uma transformação completa. Na época eu já fazia política, já era vereador, depois vice-prefeito, depois prefeito por dois mandatos (em Osório). Depois vim para deputado estadual e federal. E o gosto pela agricultura eu sempre tive. Mas aprofundar mesmo, transformar a agricultura na pauta principal aconteceu no meu mandato em Brasília. Faz dez anos.
Dez anos que o senhor se aproximou mais da questão agrária…
Alceu Moreira – Mas não foi por acaso. Eu não estava pela questão agrária. Eu fui para a questão agrária por causa da injustiça que faziam com os produtores, com um laudo antropológico fraudulento, um crime que eles faziam pelos partidos de esquerda. Faziam um laudo antropológico fraudulento e tomavam a terra das pessoas. Aqui, no Rio Grande do Sul, propriedades em média de 11 hectares eram subtraídas das pessoas, porque tinha um laudo antropológico fraudulento e aí eu entrei nisso. Fiz a CPI da Funai, do Incra* e coisa e tal muito mais pela indignação. A própria terra de quilombolas, que, cá para nós, eu não tenho absolutamente nada com relação a que os índios tenham as terras, que os quilombolas tenham as terras. Só não pode é tirar da pessoa que comprou com o suor do rosto. O próprio Estado deu aos imigrantes que chegaram aqui. Aí vem um laudo antropológico fraudulento, uma falcatrua, um ato de vigarice pura, que acaba tirando as pessoas. Por indignação, acabei entrando. Ainda quando eu cheguei à Câmara (dos Deputados), nós estávamos votando o Código Florestal. Eu passei um dia na Embrapa Campinas, discutindo todos os 570 artigos do Código Florestal. Todas as vírgulas, todas as palavras “sim” e “não” e os “pega-ratões” no meio do texto. Acabei me transformando em uma pessoa que conhecia bastante isso. O doutor Evaristo de Miranda (atual chefe-geral da Embrapa Territorial) me ajudou muito nesse processo. Foi o Código Florestal e essas pautas de Justiça que me colocaram dentro do agro e acabei indo para a Frente Parlamentar da Agricultura.
(*) A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi instituída em 2015 e teve seu relatório final aprovado em 2017, pedindo o indiciamento de 67 pessoas, entre lideranças comunitárias, antropólogos e servidores federais.
Que balanço o senhor faz desses dois anos à frente da FPA? Qual foi o grande desafio e conquista em 2019 e quais agora em 2020?
Alceu Moreira – Bom, o que está acontecendo agora? Há pautas que você vai vencendo e há outras que são particularidades que tu precisas vencer durante o período. Por exemplo, uma decisão judicial que pode prejudicar o agro. Vamos pegar o caso, por exemplo, da decisão definir que o Código Florestal não tem força legal em relação à Mata Atlântica. Então, se nós formos dizer que o Código Florestal não tem, um município do Espírito Santo vira um município absolutamente improdutivo. Tudo vai virar Mata Atlântica. Quem é que faz isso? Os partidos de esquerda vão para lá, fazem argumentação e, se vai para o Judiciário e não tem um trabalho qualificado de convencimento, de conteúdo técnico bem feito, tu acabas perdendo isso, não é? Agora, por exemplo, acabamos de aprovar (em novembro) a Lei da Conectividade (PL 172/20)*. É a disponibilização do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que é o fundo que financia a telecomunicação e é um recurso que pagávamos para consertar orelhões. E estão lá mais de R$ 20 bilhões. Este fundo será certamente o garantidor que vai permitir que mais de R$ 250 bilhões entrem no Brasil para colocar tudo isso. Foram grandes vitórias. Mas nós temos coisas que ainda estão pendentes, como é o caso da regularização fundiária. Nós precisamos ampliar isso para dar a escritura por registro a essas pessoas, porque o Estado por mais diversos momentos deu a terra e nunca deu a escritura pública e o registro. Então ele não é dono disso. Tem que fazer. Tem a questão dos próprios defensivos, que está lá para ser votada (PL 6.299/2002). E nós acabamos nos transformando em reféns de minorias, porque, como os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia, DEM-RJ) e do Senado (Davi Alcolumbre, DEM-AP) são pessoas que não têm coragem para botar isso em votação, nós não conseguimos utilizar as moléculas mais novas utilizadas no mundo, porque está proibido ideologicamente de aprovar o novo. Isso é um absurdo. Toda a evolução tecnológica e pesquisa científica deveria dar para nós a possibilidade de usar as moléculas mais novas, porque isso é muito mais eficiente, menor volume, menor deriva, menor dano, menor intoxicação.
(*) O PL 172/2020 é um substitutivo da Câmara ao PL 103/07 do Senado, que altera a Lei Geral de Telecomunicações. Basicamente, ele permite a destinação de recursos do Fust para a ampliação da conectividade no campo, focada em inovações tecnológicas. Ele também favorece investimentos em telecomunicações em áreas urbanas com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), além da conectividade para escolas em áreas remotas. O projeto foi aprovado no dia 20 de novembro e no dia 26 foi enviado à sanção do presidente da República. Até então, recurso poderia ser usado somente para expansão da telefonia fixa.
Esses são os desafios?
Alceu Moreira –São os desafios. Mas não é só isso. Nós temos a Lei do Gás (PL 4476/20), que vai reduzir o custo da energia em torno de 40% e está para ser votada no Senado. A questão dos navios, da cabotagem (PL 4199/2020), também a ser votada (na Câmara). Esta se refere ao trânsito dos navios dentro do País. Não é possível que tu compres o saco de milho do Mato Grosso e ele chegue no Rio Grande do Sul com quase uma vez e meio do preço. Quer dizer, o milho custa R$ 40 e tu pagas R$ 90 aqui (no RS) por causa do frete. Não tem lógica isso. Tu tinhas que carregar um navio num rio e trazer, encostar aqui, para poder alimentar os aviários e coisa parecida. Tem a Legislação Ambiental (PL 3729/2004), que o (deputado) Kim Kataguiri (DEM-SP) tem o relatório pronto para ser votado e infelizmente, por resistência ideológica, não se vota. E aí tem um custo Brasil gigante, com mais de R$ 170 bilhões represados, não apenas no agro, mas também na indústria nas grandes cidades, por causa de uma Legislação Ambiental arcaica. Temos ainda a questão do crédito agrícola, que continua sendo um crédito de balcão de banco, quando no mundo todo isso já saiu do balcão do banco há muito tempo. Nós queremos mercado de capital. Queremos um documento da agricultura que garanta produtividade e liquidez, sirva como forma de lastrear o financiamento no mercado de capital. E saia do banco, onde precisa ter conferência de documentos, mais cartório, mais isso, mais spread bancário. A taxa Selic é 2% e o dinheiro chega no produtor a 17%. Isso não tem lógica. Tem que chegar no produtor a 3%, 4% no máximo. É só isso? Claro que não. No dia 20 (de novembro), por exemplo, a ministra da Agricultura Tereza Cristina inaugurou um QR Code que identifica o trator por sua propriedade. Sem o cidadão pagar absolutamente nada. Mas cada um vai saber que essa máquina foi comprada na nota tal, do João, do Pedro. Essa máquina é aquela que ninguém pode mais deixar de identificar.
Em 2020, o senhor assumiu a FPA dizendo que o agro tinha que se comunicar melhor. Que precisava apresentar melhor seus predicados. O que mudou de lá para cá – as pessoas entendem melhor o papel que o agro tem na vida delas – não só em comida, mas em matérias primas inclusive para sustentabilidade ambiental (biocombustíveis e substituição de derivados do petróleo em tintas etc.)?
Alceu Moreira – Levou muito tempo para que os produtores acordassem para isso. Ainda não acordaram definitivamente. Eles não querem considerar comunicação e imagem como custo de produção. E financiar esse processo é caro. Se temos um processo de crítica do agro brasileiro na Alemanha, primeiro é preciso identificar se essa crítica é científica, se é jornalística ou é comercial. Se é comercial, está cotejando o mercado. Estão desvalorizando nosso produto para poder vender os deles. Se ela é científica, temos então que botar os cientistas para fazer o debate, contrapor isso, caso não tenham razão. Se ela é jornalística, vamos ter que ter uma agência de publicidade para poder chegar no ouvinte, no telespectador, no leitor dos jornais. Tem que chegar lá, mas custa dinheiro. Tem que ter diagnóstico e construir todas essas peças de comunicação para deixar tudo claro. Agora o próprio governo começa a produzir peças mostrando, por exemplo, no mapa do Brasil onde é que se produz soja. E todo mundo vai perceber que a maioria da produção brasileira não tem nada que ver com a Amazônia. Isso nós estamos fazendo agora, mas, se evoluímos muito o agro na parte de lavoura, o que trabalhamos com menor eficiência foi comunicação e imagem.
Mas, no contexto da pandemia, o público tem percebido melhor o alto desempenho (e toda a tecnologia necessária para isso) do agro no País e como ele é essencial em suas vidas…
Alceu Moreira –Claro que está. Até porque as pessoas, quando vão para casa, passam a elaborar a própria alimentação. Os fast foods ficaram e nós estamos comendo feijão, arroz, carne e ovos muito mais do que antes. As pessoas voltaram a fazer comida com o gosto da comida feita pela mãe, pela avó. Readquirimos odores, cores e sabores que tínhamos esquecido. Para fazer isso, tem que ter produtos na prateleira. Então, as pessoas passaram a pensar: “e se não tivesse?”. Se fosse como em outros países, onde há problemas de abastecimento, como fazer? “Eu gostaria de fazer arroz, mas só tem massa, eu queria fazer pão, mas não tem farinha.” Mas poderíamos ter trabalhado, humanizado muito mais isso do que fizemos. Não estamos preparados para fazer comunicação e imagem. Por quê? Porque no outro lado nós temos novelas entrando nas casas das pessoas das 14 às 22 horas. O cidadão sentado no sofá absorve tudo o que a novela passa. Mas não há novela sobre o agro, falando do agro, das virtudes do agro. Aliás, não tem nada, só tem coisas ruins. Para contrapor isso tem que ter realmente inteligência estratégica para mostrar às pessoas o inverso disso. Avançamos muito, mas estamos longe do ideal.
No mercado externo o senhor sentiu a diferença? Onde?
Alceu Moreira –O mercado tem uma demanda muito maior que a nossa capacidade de produção. Mas, por exemplo, nós temos dificuldade para trabalhar o mercado europeu. E por que o mercado europeu é tão importante? Pelo seu tamanho? Não, pelo tamanho era melhor vender para a Ásia, onde nós já estamos vendendo. É que lá (no mercado europeu) é uma grife. Se tu vendes carne para o Reino Unido, então tu tens a melhor carne do mundo. Se tu vendes qualquer produto agrícola para a Europa, tu tens realmente produto qualificado para fazer isso. A Europa sabe disso e impõe todos os empecilhos. Quem é que põe o frango? Era a França. Se chega o frango brasileiro lá, é claro que o francês fica contrariado. E ele vai dizer que o frango foi produzido com contaminação e tem todos os problemas. É comercial esta guerra e isso é normal. Não adianta ficar fazendo discurso reativo, querendo achar que os caras têm raiva de nós. Não, eles estão defendendo o mercado deles. É preciso discutir, ter a compreensão clara de onde vem o problema e imediatamente ir para a competição de mercado. Já estamos estrategicamente muito melhor do que estivemos, mas ainda falta. Por exemplo, nós temos grande parte do mercado árabe. Poderiam nos comprar muito mais do que compram – são 2,2 bilhões de pessoas. Nós é que não temos estrutura para poder chegar ao mercado e vender com eficiência. Esse é o nosso problema por enquanto, mas nós aos poucos vamos chegando às pessoas. Fomos ao Egito e lá nos pediram 12 milhões de toneladas de alfafa, porque eles têm todos aqueles animais que precisam de feno e um deserto enorme. Onde é que nós temos a produção de alfafa? Quem organiza isso para poder suprir este mercado de maneira permanente? Para fazer isso, é preciso pegar o sistema cooperativo. A cooperativa tem que assumir este processo, junto com o Ministério da Agricultura. E a cooperativa estava pronta para exportar? Sim, a cooperativa de aves e suinocultura estava. A de alfafa, não. Então aos poucos vai se pegando esses nichos de mercado, organizando o sistema cooperativo com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que fez agora convênio com a cooperativa, para poder atingir mercados. Então a Apex traz o comprador de alfafa para cá, com todas as despesas pagas. Ele vem para a cooperativa e diz o que quer do produto, e aí diz que o volume é “X”. Um conjunto de cooperativas do Brasil que tem solo e clima diz que vai produzir e fornecer. Há milhares de produtos que podem ser contratados assim. Um portfólio que podia ser de oito, nove, dez produtos, mas nós temos condições de vender 100, 170 produtos para um país.
Segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil passou a exportar para 51 novos mercados em 2020 – declaração da ministra Teresa Cristina em agosto. O senhor acompanhou isso de perto, participando de missões oficiais na Europa, Ásia e Oriente Médio. O que foi essencial nessa abertura de mercados?
Alceu Moreira –Ela era presidente da Frente e eu era vice. E, ao chegar (ao Ministério, em 2019), em março já organizou uma expedição pelo mundo inteiro, da qual participei. Fazer-se presente, estar na embaixada, colocar o adido agrícola, dar sustentação a ele, fornecer todas as informações necessárias para ir conquistando o mercado. O mercado tinha uma necessidade para a compra de alimentos, mas o Brasil não se apresentava de tal maneira que pudesse sair do conteúdo diplomático e ir para o conteúdo comercial. A diplomacia pode fazer o contato? Pode. Mas quem é que faz costura depois para acertar o comércio? Isso faltava. Para se ter uma noção, a Apex, por exemplo, não tinha gerência agrícola. Criou no ano passado. Cinquenta por cento da Apex deveria ser agrícola, mas a ela não cuidava da agricultura. Agora, vamos estar nas 26 feiras de alimento mais importantes no mundo, instalados, com estandes, com todos os produtos para oferecer. Nós estamos, por exemplo, querendo abrir um porto em Portugal, com calado de 23 metros para navio de grande porte, porque nós queremos ter uma entrada na Europa, num porto que opere em parceria com o Brasil. Então eu saio com hortigranjeiros daqui e, seis dias depois, estou no porto de Portugal. Dois dias depois eu coloco este produto nas prateleiras dos supermercados. Produtos que jamais imaginávamos poder vender para a Europa.
O senhor avalia que há dois pesos e duas medidas no discurso dos outros países sobre o Brasil? O mercado aceita e certifica o produto brasileiro? Mas, politicamente, por exemplo, quando o tema é o acordo Mercosul/Comunidade Europeia, vem o discurso dos defensivos e da Amazônia.
Alceu Moreira –Toda a vez que a gente fala sobre esses assuntos, é preciso perceber o seguinte: nós não estamos tratando com um corpo de duas faces. Estamos tratando, na verdade, com um corpo multilateral. Para cada coisa que tu falas, reflete uma face deste corpo. Por exemplo, se eu for discutir com a Irlanda que eu quero vender carne bovina para eles, eles dizem “não, de jeito nenhum”. Vai ter o acordo do Mercosul com a Comunidade Europeia, mas a Irlanda só vai começar a comprar carne do Brasil no último ano dos dez do acordo. Isso porque nós produzimos carne três vezes mais barata do que eles. Eles quebram se nós chegarmos com a carne lá. Então eles vão se defender como podem. Para isso, vão, por exemplo, dizer que a carne brasileira tem problema, mas é para garantir espaço no mercado.
Pura competição…
Alceu Moreira – Competição. Mas e a França e a Alemanha? Bom, depende do país, do momento político. Agora, por exemplo, quando o (Joe) Biden (presidente eleito nos Estados Unidos) fez o discurso ambiental, ele estava discursando mesmo para o Brasil? Com certeza, não. Aquela parte do discurso dos U$ 20 bilhões (para ajudar o Brasil a combater o desmatamento) era o discurso para o eleitor americano. Ele queria esta parte do eleitorado que dá atenção à Amazônia e ele queria esses votos. Mas ele vai agir? Mas o Bolsonaro é muito mais amigo do (Donald) Trump (atual presidente dos EUA)? Ora, a amizade entre dois presidentes é irrelevante na relação diplomática e comercial entre dois países. País não tem amigo, tem interesses. A diplomacia vai ter que recompor esse processo. Agora, na questão ambiental, tudo o que se diz do Brasil é mentira? Não, não é. Nós temos que cada dia mais ter preocupação com a Amazônia. Botar as Forças Armadas, trabalhar, a regularização fundiária, poder fazer o controle daquelas áreas todas, reduzir o máximo possível as queimadas, ter controle de manejo, não permitir a venda de madeira ilegal.
Como se poderia mostrar ao europeu comum que o Brasil tem o melhor programa de biocombustível do mundo e é mais eficiente que os próprios agricultores europeus no uso de defensivos?
Alceu Moreira – Isso, hoje, a grande maioria do pessoal científico sabe. Interessa dizer isso? Não. A Europa inteira não tem condições de ampliar sua produção. Ela sabe disso. Só que ela tem grande parte da sua economia na agricultura. Se o Brasil chega, eles ficam fora. Eles vão resistir ao máximo. Agora, nós estamos tratando dessa questão com a eficiência desejada? Não. Aí que está o detalhe. Nem o governo. Nem o anterior e nem este. Agora tem o governo de (Jair) Bolsonaro. É como se fosse um pêndulo (pega uma caneta). Tu prendes ele na esquerda por muito tempo. E o pessoal aceita o pêndulo como uma área de conforto. Então um dia ele larga e a força centrípeta vai bater na direita radical. Bate do outro lado. Ela fica aqui? Não, ela não tem sustentação ideológica aqui. Este movimento é o movimento de rebeldia, não é de construção de consenso nem de convergências. É como o rio, que enche pelas duas margens e sempre volta para o leito. A política também vai voltar para o leito. Então vão aprender a fazer consensos, a conversar com as pessoas sobre o que concordamos. Nós estamos encontrando de novo um país que vai tratar das coisas de maneira mais suave, que vai ver o cidadão que discorda como alguém que contribui, não como alguém que tem que ter raiva. Com o amadurecimento da nossa democracia, indo para o centro, vamos ter um país muito mais conciliador, mais aglutinador do que é hoje. Isso nos permitirá ter planejamento estratégico de comunicação e imagem para dizer no Brasil que nós temos que fazer o nosso dever de casa. Ao mesmo tempo, é preciso eficiência e eficácia para mostrar o que é verdade sobre o Brasil do ponto de vista científico, do ponto de vista jornalístico e do ponto de vista comercial.
Internamente, ainda temos a velha retórica do agronegócio inimigo da natureza. E a própria aviação é exemplo disso, já que, mesmo sendo altamente regulada e com exigência de capacitação, é bandeira contra, pelos movimentos políticos. O senhor sente que esse tipo de discurso está perdendo espaço? Qual seria o caminho para o setor?
Alceu Moreira –Ele (o discurso) vem perdendo espaço. Na verdade, quando tu tratas de aviação agrícola, tu estás pegando um fator ideológico marcante: a grande maioria da esquerda queria marcar o pequeno produtor rural. Por quê? Porque ele é em muito maior volume, maior quantidade. Então, se eu faço agricultura familiar e me assenhoro da agricultura familiar, que não usa aviação agrícola, eu vou banir a aviação agrícola como uma forma de inviabilizar a grande propriedade. Porque na cabeça de quem estava no governo o Brasil devia ser um somatório de pequenas propriedades. E tinha que ter batido de maneira ideológica, mas por um raciocínio de fundo eleitoral: “o grande vota na direita e o pequeno, em maior quantidade, vota conosco; assim continuamos ganhando eleição”. Ora, a aviação agrícola está exatamente no meio disso. Quer dizer, permitir que a grande lavoura dê lucro, seja rentável, contrapõe esse discurso. Então, o que estamos trabalhando? Tanto o pequeno, como o médio, quanto o grande, todos podem ser rentáveis. Não há competição entre eles. Não precisa usar o banimento da aviação agrícola como um subterfúgio para o grande produtor dar errado. Todos os mercados estão disponíveis, para pequenos, médios e grandes produtores. Então, é preciso quebrar essa ideologia de se inviabilizar uma parte por uma questão de interesse eleitoral.
Como o senhor vê a importância da aviação agrícola no Brasil?
Alceu Moreira –Tivemos uma evolução da exigência no mercado de alimentos no mundo, com a ampliação das fronteiras de fornecimento, principalmente agora na pandemia. São 26 países que nunca nos compraram nada e abrem as portas para comprar do Brasil. E outros 74 países ampliam seu portfólio de produtos à diversificação – quando que nós imaginávamos que iríamos estar produzindo grão-de-bico, gergelim em grandes volumes, quando iríamos imaginar que estaríamos produzindo tilápia para vender para o mundo? Então, amplia-se a diversificação do mercado. Com a diversificação, cria-se uma necessidade que é latente há muito tempo – aliás, nas últimas três décadas, de evolução da produtividade sem aumentar a área plantada. Ora, imagine como seria fazer isso sem a aviação agrícola para o controle de praga e ervas em grandes distâncias. Seria completamente impossível. É claro que com o avanço da tecnologia nós vamos ter novos equipamentos na aviação agrícola. A exemplo dos drones, e outras tecnologias. Eu diria com toda a tranquilidade, que a aviação agrícola foi decisiva na grande revolução da produtividade agrícola nacional. Com certeza, equipamentos que chegaram para ficar definitivamente, empresas que têm um grau de expertise, qualificação para terceirizar serviços qualificados para as mais diversas atividades do agro. Tenho absoluta certeza de que o que nós temos que fazer é dar condições, crédito adequado, tempo de amortização, para cada dia conseguir capitalizar mais essas empresas, porque a cada dia elas têm domínio de novas tecnologias, com alto grau de precisão, eficácia e eficiência que dão ao produtor uma segurança muito maior e um custo muito menor. Por esta razão, eu digo com toda a franqueza que a política agrícola do Brasil precisa definitivamente abraçar a aviação agrícola como um equipamento imprescindível na produtividade, no controle de praga e ervas, na produção de alimentos e, principalmente, na qualidade com menor risco ambiental.
Ao assumir seu segundo mandato à frente da FPA, neste ano, o senhor teria mencionado que uma das metas em 2020 era elaborar uma planilha de custo do agro – conseguiu? Que conclusão?
Alceu Moreira – Está pronta há muito tempo. Inclusive trabalhando já os setores para reduzir custos. Já reduzimos muito e vamos reduzir muito mais. A própria Lei do Crédito, que nós aprovamos, reduz enormemente os entraves cria outros documentos de garantia. Por exemplo a possibilidade de se dar parte da terra como garantia. Antes, quem tinha uma propriedade que valesse R$ 20 milhões e precisasse de R$ 1 milhão, tinha que dar como garantia de hipoteca toda a terra de R$ 20 milhões.
Durante a pandemia, tivemos preços melhores para o produtor. Mas a alta do dólar prejudicou também os custos (avião agrícola, toda a manutenção e equipamentos são pela moeda americana). E tivemos também inflação. O senhor acha que dá para manter a margem de lucro de maneira sustentável?
Alceu Moreira – Mercado não são peças de medidas exatas para se montar a figura que se deseja. O mercado é mercado. Tu abres mercado internacional e logo depois tem uma pandemia. Tem um consumo muito maior de produtos, caso do arroz, por exemplo. Nós ficamos quatro anos com o produtor plantando arroz com prejuízo. Agora ele colheu 8,9 milhões de toneladas e o consumo foi a quase 14 (milhões de toneladas). Subiu o preço. O que se pode fazer? É a lei de mercado. Bom, os produtores de arroz vão plantar mais arroz nos próximos quatro, cinco anos, vão aumentar a produtividade e daqui a pouco o preço equilibra. A carne bovina: o cara levava três anos e quatro meses para produzir 240 quilos de carne em pouco mais de dois hectares. Agora o preço da carne subiu. Cabe o confinamento. Aí ele vai produzir 240 quilos de carne em dois anos ao invés de três anos e quatro meses em 18 metros quadrados ao invés de dois hectares. Mas é possível se produzir vacas em quatro ou cinco meses, como um leitão? Não. Tu vais ter que esperar para aumentar o nível, o volume de produção para o preço estabilizar de novo. São coisas do mercado, é assim mesmo.
Qual a sua expectativa sobre as relações Brasil/EUA sob governo de Joe Biden, especialmente para o agro e tecnologias para o campo? Além de ser importante para outros como produtos e tecnologias.
Alceu Moreira –A gente precisa perceber o seguinte, a evolução da relação com os países a respeito do comércio agrícola se dá por segundos e centímetros todos os dias. Dizer, formular qualquer coisa, adivinhar isso, depende da nossa qualidade diplomática, a capacidade de fazer este debate.
Este tema ganha importância até pela questão da aviação agrícola brasileira, que é o principal mercado fora dos EUA para as fabricantes de aviões agrícolas norte-americanos…
Alceu Moreira – No caso dos Estados Unidos, vamos trabalhar o seguinte: em alguns casos nós somos competidores frontais, em outros nós somos competidores parceiros. Em outros, nós temos formulação de produção solidária, queremos trabalhar no continente e eles produzem alguma coisa e nós outra. Depende do que tu tratas. Certamente, se eu começar a exportar milho, os americanos não vão gostar, eles têm muita produção de milho. Agora, há produtos que nós temos e eles não têm por causa inclusive do clima. E eles, para compor isso, para poder fornecer para um continente, eles compõem com o Brasil. Isso é um corpo multifacetado, depende do interesse.
E sobre a China? O recente posicionamento do Planalto sobre a questão da vacina chinesa não pode ter reflexo nas relações comerciais do agro entre os dois países?
Alceu Moreira – Olha, se tivesse que ter, teria que ser com os americanos. Quem mais fala mal dos chineses são os americanos. E quem mais compra dos chineses são os americanos. Ah, mas se tiver boi gordo aqui e na Argentina, ele (o chinês) prefere o boi gordo da Argentina porque tem ligação ideológica? Provavelmente sim. E que volume isso tem no total do fornecimento? Quase nada, é incipiente.
Qual será o grande desafio do próximo presidente da FPA? Aliás, já há um nome que possa ser adiantado?
Alceu Moreira – Acho que a FPA deve eleger o (deputado federal) Sérgio Souza (MDB-PR, atual vice-presidente). O foco será continuar essas pautas que nós temos. Aprofundar muito. Principalmente conseguir maioria no Senado, que nós não conseguimos. Conseguimos na Câmara, mas no Senado estamos com dificuldade.
Como será o trabalho do senhor em 2021 – já que segue sendo uma das principais lideranças do agro no País?
Alceu Moreira –Depois que tu entras como a gente entra, como é no caso da FPA, tu acabas te transformando, querendo ou não, numa referência. As pessoas querem muito ouvir a gente. Então, a ideia é tentar conseguir ser presidente da Comissão de Agricultura na Câmara. Vou conversar com o partido para ver se isso é possível. Mas, principalmente, continuar defendendo os interesses do agro independentemente da posição em que a gente esteja. Na Frente Parlamentar muitos líderes são muito qualificados e nos ajudam, a gente pode trabalhar com setores específicos. Mas eu vou me dedicar muito neste período que vai vir agora na reorganização do Poder Judiciário no Brasil. Na minha visão o Poder Judiciário está de uma maneira em que todo mundo decide tudo em todos os lugares. Nós queremos atribuir com clareza o que o Poder Judiciário pode e nos lugares específicos. Esse ordenamento vai reduzir muito a judicialização do agro brasileiro.