Perguntado se o que veio primeiro foi o piloto agrícola ou o produtor rural, Alexandre Burin não exita: “o produtor rural”. No entanto, a aviação agrícola é a paixão deste operador privado, que divide seu tempo entre a lavoura, o comando das aplicações aéreas e a prestação de serviços aeroagrícolas para terceiros. “As minhas férias tem início quando eu começo a trabalhar com o avião”, fala entusiasmado, um dos seis sócios da Aero Farm Serviços de Pulverização e Aviação Agrícola. Uma história que começou com um grupo de agricultores da região de Sinop/MT, que resolveu dividir uma aeronave para o trato de suas lavouras.
Primeiro um Air Tractor AT-402 dava conta do serviço. Quatro anos depois houve necessidade de aumentar a capacidade da aeronave e ocorreu a troca por um AT-502. A demanda cresceu, e mais um AT-502 foi incorporado à frota. Com gestores das fazendas vizinhas solicitando o serviço, o grupo de operadores privados resolveu criar a empresa aeroagrícola, que hoje conta com um AT-502 e um AT-802, este também é usado no combate a incêndios florestais.
Com duas aeronaves, Burin, que também tem treinamento para voar no combate a incêndio, divide o trabalho com mais um piloto agrícola – quando necessário contrata mais um por temporada. A criação no meio agrícola e o fato de seguir trabalhando com o cultivo de soja e milho, além da criação de gado, para o comandante é o diferencial que leva para a operadora aeroagrícola. “Eu sei quanto custa realmente uma aplicação e como eu tenho que fazer para ela ser o mais eficiente possível”, reforça o operador privado/comercial.
Quando você resolveu fazer o curso de piloto agrícola?
Eu fiz o curso de Técnico em Agropecuária no Ensino Médio, e no estágio voltei a acompanhar de perto as operações aeroagrícolas. Eu já estava fazendo os cursos de piloto e aí tive certeza que queria ir em frente na aviação agrícola. Eu tinha 17 anos quando fiz a instrução e fiquei esperando completar 18 anos para fazer o voo solo. Aprovado no PP (piloto privado) e no PC (piloto comercial), fiz as horas necessárias para ingressar no curso de aviação agrícola, o Cavag, e eu me formei piloto agrícola com 19 anos.
Onde você fez o Cavag?
Eu fiz em Cachoeira do Sul, com o sr. Laudelino Bernardi (Fundador da Aero Agrícola Santos Dumont, com sede em Cachoeira do Sul/RS). Quando terminei o curso, ele me chamou para trabalhar na sua empresa como freelancer – voar quando os pilotos mais experientes não estavam dando conta. Era um ano que não tinha muito serviço no Rio Grande do Sul. Foi quando a C.Vale (Cooperativa Agroindustrial), do Paraná, me chamou para trabalhar. Depois, eu vim para o Mato Grosso entre 2003/2004. Meu pai e meu irmão vieram somente em 2012/2013, em busca de expansão.
Por que um grupo de produtores rurais resolveu criar a Aero Farm?
Nasceu da dificuldade de encontrar mão de obra. Na verdade, havia a necessidade de fazer as aplicações de forma rápida e eficiente. Eu prestava serviço para alguns desses produtores, que hoje são meus sócios. Eles fizeram a proposta para eu poder comprar um avião com eles. E criamos esse grupo de operadores privados que mais tarde resolveu registrar a operadora para prestar serviço para terceiros. Montamos o escritório em Sorriso/MT e base no município de União do Sul/MT. E estamos aí até hoje. Estamos indo para 11 anos.
A Aero Farm também trabalha no combate a incêndios florestais?
A Aero Farm é parceira da Aero Agrícola Rondon (Tangará da Serra/MT) no combate a incêndio e, neste ano, fomos para a linha de frente. Inclusive, contratamos mais um piloto somente para essa temporada. Nós sempre vamos auxiliar no combate às chamas, mas há necessidade de um planejamento do governo federal para não deixar a situação chegar a esse ponto.
*Conforme dados do Monitor do Fogo Mapbiomas divulgados dia 12 de setembro, de janeiro a agosto de 2024, os incêndios no Brasil haviam atingido 11,39 milhões de hectares do território do País. Desse total, o equivalente a 49% foi consumido pelo fogo apenas no mês de agosto. (Fonte Agência Brasil)
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Registro de Burin com o engenheiro agrônomo e mecânico Alan McCracken, reconhecido consultor internacional em aplicações aéreas, um dos precursores da tecnologia de baixa vazão
O senhor está sempre em busca de novos conhecimentos, tem feitos cursos, a sua empresa aderiu ao programa Boas Práticas Aeroagrícolas (BPA) Brasil. O que motiva o senhor a buscar esse aperfeiçoamento contínuo?
Eu tento acompanhar alguns cursos e palestras. Eu queria ser mais participativo, porque eu gosto muito do que eu faço, quando eu estou dentro do avião estou feliz. Eu quero participar mais do Sindag. No entanto, é muita correria. Quando se mexe com lavoura, com gado, o tempo acaba sendo curto.
A adesão da Aero Farm ao BPA tem auxiliado nos processos de gestão da empresa?
Com certeza. Sempre temos que buscar conhecimento, novas parcerias. Quando se fala em aviação agrícola, eu sempre digo: – o primeiro voo de cada safra parece que é o primeiro da vida. Então, temos que nos dedicar ao máximo para aquilo tudo dar certo. Toda a área que eu faço é como se fosse a primeira da minha vida. Estou sempre em busca do meu melhor. O BPA tem nos auxiliado a melhorar nossa performance na gestão da empresa e como piloto agrícola, quando estamos aplicando.
Como uma empresa nova no mercado – a Aero Farm começou a operar em 2021, qual o diferencial que ela tem?
O diferencial que ela tem é justamente eu conhecer os dois lados da moeda. Eu estou dos dois lados da mesa. Ou seja, eu tenho conhecimento técnico em relação à aviação agrícola e em relação à lavoura. Eu considero fundamental hoje pensar como o produtor pensa.
O senhor incentiva seus funcionários a se aperfeiçoarem?
Nós procuramos sempre estimular a troca de conhecimento entre a equipe. Também valorizamos treinamentos e qualificações, que abordem questões que deem suporte ao dia a dia das pessoas, como inteligência emocional e educação financeira
Quando o senhor contrata um piloto, o que leva em consideração?
Como eu sou piloto agrícola, não é fácil escolher um profissional. Para nós, aqui da Aero Farm, o piloto tem que ser um pouco de tudo. Ser um bom piloto, ter um bom relacionamento com colegas e clientes, ter conhecimento técnico. É primordial que ele saiba o que está fazendo e para que serve a ferramenta que ele está usando. Se vai aplicar um herbicida, precisa saber o tipo de bico, que tipo de gota usar, entender de meteorologia. Ainda deve ter noções de manutenção do avião, para saber o que está acontecendo com a máquina. Então, não adianta eu ter um piloto excelente, mas que não tem conhecimento técnico. Também ter um piloto excelente, tem conhecimento técnico e não se relaciona bem com a equipe vai dar problema. É um conjunto de fatores que acaba deixando bem complexa a escolha de um profissional. Não é fácil ter um piloto. Uma coisa é ter um piloto que vai lá e faz o serviço uma vez na fazenda e vai embora. Outra coisa é um cara que vai estar permanentemente na fazenda. Não vai dar certo se um desses requisitos não estiver alinhado.
Como seria o ideal para uma aplicação eficiente?
É um conjunto de fatores. O sucesso da aplicação começa no misturador. O dosador que está fazendo a calda, a parte técnica de solo, precisa ter um conhecimento alto. Se nós não tivermos uma mistura de calda bem-preparada para colocar no hopper do avião, não tem como fazer uma aplicação eficiente. Então, a sustentabilidade vem do todo.
E o mercado está exigindo cada vez mais empresas com processos sustentáveis. Como a Aero Farm se posiciona a esse respeito?
A gente cumpre com todas as normas e legislações ambientais. Hoje, se a gente não seguir a regulamentação em todas as suas instâncias perde mercado. Cuidamos muito de atender o receituário corretamente, as recomendações da bula, as janelas climáticas de aplicação, para não causar danos ao meio ambiente.
A aviação agrícola, especialmente, é um setor que tem uma regulamentação própria, fiscalizada por órgãos da esfera federal, estadual e, em alguns casos, municipais. Isso exige do administrativo conhecimento da atividade. Como se dá esse treinamento dentro da Aero Farm?
É uma empresa nova, mas eu tenho experiência de 24 safras como piloto agrícola. Na parte burocrática da empresa, nós somos assistidos pela Mosmann Assessoria e Consultoria Aeroagrícola. Além de nos orientar, o treinamento de nossa equipe todo é realizado via consultoria. Neste ano, com o Congresso da Aviação Agrícola em Mato Grosso, conseguimos levar toda nossa equipe para assistir às palestras. Foi bem produtivo. A gente sempre tenta levar nossos profissionais para aprender e ter esse contato com as demais pessoas do setor.
Como produtor, piloto agrícola e operador privado e comercial, do que o setor está carente?
Na minha opinião, o produtor rural tem pouco conhecimento sobre o que é a aviação agrícola. Desconhece que o setor é altamente regulado. Nós queremos fazer uma reunião com os agricultores e chamar o Ibravag e o Sindag para mostrarem a força da aviação agrícola, que ela não está só na fazenda. Aqui no Mato Grosso, a maioria dos aviões agrícolas são de uso privado. Precisamos chamar o produtor para perto e acolhê-lo. O produtor, muitas vezes, não sabe as implicações que estão por trás de uma aplicação aérea. O Ibravag e o Sindag são as entidades mais indicadas para orientar esses produtores.
Como o senhor vê esses pedidos de proibição da aviação agrícola?
No nosso entender, a aviação agrícola é uma vítima. Uma falha pode ter ocorrido com qualquer outra ferramenta de aplicação, mas atiram no avião porque ele é de fácil visibilidade. Nós acreditamos que não vai ser proibida. No entanto, ela pode ser restringida por legislações indiretas, que não dizem respeito especificamente às aplicações aéreas. Por exemplo, estão falando em taxação de aeronaves importadas em 20%. Isso vai começar a inviabilizar a compra de equipamentos de fora. A conclusão da regulamentação da reforma tributária pode vir a prejudicar as empresas, com o aumento da alíquota para as aeroagrícolas. Então, vão sufocando aos poucos o setor. Por isso, é importante um encontro com os produtores para explicar o que está acontecendo nos bastidores da aviação agrícola.
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Apaixonado por aviação agrícola, Burin também fez treinamento para combate a incêndio e atua no auxílio contra as chamas em parceria com a Rondon
Qual o impacto desses constantes ataques à ferramenta e ao agro?
O principal atacado hoje é o produtor rural, infelizmente. Quem põe a comida na mesa é acusado de ser o responsável por contaminar o meio ambiente, por fazer queimadas. O governo está colocando a culpa do fogo no agro. Nós estamos loucos tentando segurar o fogo nas fazendas. Ninguém quer queimar sua loja. O produtor não quer colocar fogo em suas terras. Não tem mais ninguém no mundo que protege a natureza igual ao agricultor brasileiro. É lamentável esse ataque contra o agro. O País que mais preserva o meio ambiente é o Brasil. O fogo está acontecendo porque o cerrado é seco.
Você fala em produzir mais por hectare, o chamado crescimento vertical?
Sim. Nós, os produtores rurais brasileiros, estamos trabalhando muito nisso. Nós temos tecnologia para fazer duas safras na mesma área, temos trabalhos voltados ao melhoramento dos cultivares. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolve muitas pesquisas voltadas para a inovação e sustentabilidade do setor, com o propósito de garantir maior competitividade do agronegócio brasileiro. Nós queremos agregar. E estamos conseguindo ser efetivos nas nossas plantações.
Qual o diferencial da aviação agrícola em relação às outras ferramentas de aplicação?
Vamos começar pelo amassamento zero. Só neste quesito, o serviço da aviação agrícola se paga. O rodado de um terrestre, tendo como base a nossa fazenda, amassa entre 3% a 4% por hectare. Se fizermos uma conta rápida: 65 sacos por hectare menos 3%, por exemplo, dá dois a três sacos de prejuízo por hectare só por amassamento. Outro diferencial do uso de aviões é a rapidez, sem contar que podemos entrar na lavoura aproveitando os melhores horários de aplicação. Além disso, não há disseminação de doença por contato. No caso do trator, ele pode passar em um solo contaminado e levar a doença/fungo para a lavoura inteira. Com o avião esse risco não existe. Também não há compactação de solo, além de proporcionar uma grande economia de água em relação ao trator, que chega a usar dez vezes mais água por hectare que a aeronave.
Quando falamos em rapidez, qual a vantagem dos aviões agrícolas sobre outras ferramentas?
Hoje, nós temos uma aeronave de 3 mil litros, o Air Tractor-802, que é o maior avião agrícola que existe atualmente. Ele chega a fazer cinco mil hectares em um dia. Já o pulverizador terrestre, em um dia bem trabalhado, chega a 500 hectares. O avião aplica dez vezes mais que o trator na mesma faixa de tempo. Para fins comparativos, estamos falando de uma máquina grande que se equipara à capacidade do AT-802. Em uma fazenda menor, tem trator que faz 100 hectares, outros 50 hectares por dia.
Vocês já estão usando drone de aplicação?
Ainda não. No entanto, acreditamos que o drone de aplicação é uma ferramenta complementar ao avião agrícola e pode ser usado em aplicações em uma área menor da fazenda ou em plantações próximas a moradias – pois a sua área de exclusão (áreas próximas a mananciais de água, povoados e matas nativa) é menor do que a da aviação. Também pode ser usado para fazer aplicações em plantações nas encostas de morros. Ou seja, o drone cobriria essa faixa onde o avião não pode aplicar. O drone, claro respeitando suas características, ele pode substituir o operador costal, podendo ser usado ainda para alguma aplicação de produtos noturnos, como os biológicos.
Como o senhor vê o futuro da aviação agrícola é do agro brasileiro?
As duas coisas não têm como parar. O mundo precisa de alimentos, e a demanda é muito alta e segue crescendo em proporção ao aumento da população e de seu poder aquisitivo. Um exemplo é a China, onde o consumo de alimentos tem crescido a partir do maior poder de compra de seu povo. Porém, produzir mais, não quer dizer desmatar mais. Nós temos tecnologia para produzir mais e ao mesmo tempo proteger a natureza. E nesse processo a aviação agrícola é fundamental.