Com o propósito de se aproximar cada vez mais do setor e avançar na prática de uma regulação mais responsiva e participativa, a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) estará com estande no Congresso da Aviação Agrícola do Brasil 2024 (Congresso AvAg). Postura que está sendo levada para as mudanças em curso na Resolução 472, que estabelece as medidas sancionatórias aplicáveis quando do cometimento de infrações. A ideia é atender reivindicação do setor e incluir a figura da “advertência” – hoje, só existem as penalidades de multa pecuniária, suspenção ou cassação das atividades. No rol, entre as mudanças que visam a conformidade regulatória, também estão previstos instrumentos transacionais e consensuais, como o termo de ajuste de conduta e a obrigação de fazer e de não fazer.
Diretor do órgão, o major-brigadeiro do ar R1 Luiz Ricardo de Souza Nascimento entende que advertir o regulado com bom histórico junto à Agência, quando incidir em infração de baixa gravidade e que não coloque em risco a segurança da operação, pode ser capaz de alcançar o objetivo pedagógico da fiscalização em um contexto de contínuo amadurecimento da sistemática regulatória, sobretudo em face da atenção especial que a Agência tem dedicado aos pequenos operadores. Lembra que nos últimos dois anos, fizeram palestras sobre manutenções e operações aéreas, além de capacitações voltadas à implementação do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO) mais simplificado. “A ideia é essa. Que a gente consiga realmente estar próximo, entendendo a necessidade e cuidando da segurança do setor.”
Nascimento explica que o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) 137 foi a primeira normativa que contemplou esse espírito da regulação responsiva. A interação entre regulador e regulado foi determinante para a simplificação do RBAC 137, aproximando as regras à realidade dos operadores, sem renunciar à segurança operacional. “Então, a ideia de flexibilização, de desburocratização, um pouco mais de compartilhamento da responsabilidade com entidades representativas de classe, como o próprio Sindag e o Ibravag, têm facilitado muito essa mudança de conceito”, reforça o major-brigadeiro, que foi relator da mudança no RBAC 137.
CAMPANHA HUMANITÁRIA
Por sinal, essa aproximação também rendeu bons frutos durante a catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul. A Anac autorizou, em tempo recorde, o transporte de cargas de alimentos, entre outros itens essenciais para as populações isoladas, no hopper do avião agrícola.
Para Nascimento, a medida só foi possível porque o órgão regulador, certificador e fiscalizador está mais próximo dos regulados, entendendo melhor suas necessidades e operações. “Isso nos dá condições para atendermos de forma rápida e nos dá uma confiança muito grande ao tomar esse tipo de decisão”, assinala o diretor. Assim, foi desenvolvida a missão humanitária coordenada pelo Ibravag, com apoio do Sindag, levando suprimentos às comunidades sem acesso por terra (matéria completa na edição Abril/Junho 2024).
“Compartilhamento da responsabilidade (…) têm facilitado muito essa mudança de conceito”
Com a palavra o diretor da Anac, major- brigadeiro do ar R1 Luiz Ricardo de Souza Nascimento
Quais foram os mecanismos que a Anac usou para a tomada de decisão rápida e eficiente frente ao desastre climático que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, com a agência autorizando os aviões agrícolas a transportarem cargas de alimentos, produtos de higiene e limpeza, roupas, cobertores, entre outras necessidades, para as comunidades isoladas?
Nós pensamos na capacidade e característica de operação dos aviões agrícolas e, também, pela regionalização, levando em consideração a quantidade de aviões registrados no Rio Grande do Sul conforme nossa base de dados. Assim, foi quase instantâneo considerarmos que as aeronaves, que devido às condições climáticas não estavam operando na pulverização, poderiam ser utilizadas nesse transporte pontual. E ainda mais que diante das muitas pistas alagadas, nós entendemos que o avião agrícola poderia ser um grande instrumento de capilaridade pelo interior do Estado.
Essa resposta rápida ao setor faz parte da proposta de uma Anac com maior interação com as necessidades não só de seus regulados, mas também da sociedade?
Com certeza. A interação com o setor é bastante interessante para a gente ter esse conhecimento precípuo da sua operacionalidade. Estarmos próximos do regulado, nos dá essa condição de tomar uma decisão rápida e com confiança, como foi a liberação dos aviões agrícolas para atender o povo gaúcho, diferente da sua função no dia a dia, que é a aplicação aérea em lavouras.
A relação entre a aviação agrícola e a Anac está mais próxima. No seu entender, a que se deve essa disposição do operador e o que temos a avançar nesse processo?
Nós acreditamos que essa aproximação entre Anac e regulados é uma característica da regulação responsiva. Lembro que a regulação responsiva é um projeto prioritário dentro da agência para todos os setores da aviação. A mudança do RBAC Nº 137, que ocorreu no ano retrasado e que eu fiz o relato, foi a primeira normativa que contemplou esse espírito da regulação responsiva, facilitando em muito o processo. Então, a ideia de flexibilização, de desburocratização, um pouco mais de compartilhamento da responsabilidade com entidades representativas de classe, como o próprio Sindag e o Ibravag, têm facilitado muito essa mudança de conceito.
Vocês entendem que os operadores estão mais receptivos às orientações da Anac?
Nós consideramos fundamental para a atividade aeroagrícola ter esse entendimento, essa proximidade com a Anac. O fato de o Sindag e o Ibravag fazerem ações que mostram para os regulados, para os operadores, a vantagem de estarem mais próximo da Agência, terem um entendimento melhor do que é a regulação. Assim, fica muito mais fácil para o regulado, vamos dizer assim, ajudar a mudar o regulamento, mostrando as suas dificuldades. As alterações no RBAC 137 são um exemplo disso. Nós simplificamos muitas coisas, exatamente, porque grande parte das empresas é familiar, formada pelo piloto e seu avião, e fica difícil ter as mesmas regras aplicáveis à uma empresa grande, uma empresa de táxi aéreo ou mesmo de linha aérea comercial. Por exemplo, o SGSO foi bastante simplificado. Antes precisava de manuais enormes, de programas muito grandes de treinamento. Isso foi flexibilizado, ouvindo o próprio setor. Nessa empresa, em que é só o piloto proprietário que voa, não precisa de um manual de transmissão de doutrina. Por que ele vai fazer um manual para só ele ler? Então, são coisas que foram mudando a partir dessa aproximação com o setor e pelo amadurecimento do conceito dentro da agência que esse tipo de operador merece uma atenção especial nossa no sentido de estarmos próximos.
Nas fiscalizações, o setor reclama que muitas vezes é multado sem antes ser orientado. Lembrando que mais de 60% das empresas de aviação agrícola são de pequeno porte, com direito à fiscalização orientadora, o que a Anac tem feito para aprimorar a forma de agir das fiscalizações?
Realmente é um tema muito caro para nós. Fiscalizar é uma atividade precípua da Anac. A agência regula, certifica e fiscaliza. Então, a fiscalização sempre vai acontecer. Atualmente, quando nos deparamos com algum ato infracional não temos a capacidade de fazer diferente – ou aplicamos uma providência administrativa preventiva ou, certamente, teremos que aplicar uma penalidade. Se a fiscalização lavrar um auto de infração e no curso da apuração concluir que, de fato, a infração foi cometida, nos termos da nossa regulamentação de enforcement atual (Resolução 472), a conclusão do processo somente poderá levar à aplicação de multa pecuniária, cumulada ou não com penalidade restritiva de direitos, na forma de suspensão temporária da atividade ou de cassação por 2 (dois) anos. Para mudar essa realidade, estamos atualizando a Resolução 472. Nesse novo normativo, que esteve em consulta pública e está em fase final na Agência para ser aprovado, antes de aplicarmos uma multa pecuniária ou uma punição um pouco mais severa, o regulado poderá receber uma advertência ou, até mesmo, firmar um compromisso consensual junto à Agência com vistas a promover sua conformidade regulatória sem, que isso implique, de imediato em uma punição severa. Com isso, ao mesmo tempo que esperamos o aprimoramento e garantia da excelência da segurança da aviação com o avanço em uma cultura responsiva no setor, em que cada elo entenda, zele e cumpra seu papel no sistema, esperamos que esse desenvolvimento se dê com um menor número de multas e cassações, especialmente para àqueles regulados de pequeno porte e que possuam bom histórico de conduta junto à Anac. Estamos bem contentes por avançarmos na mudança desse conceito.
O que está previsto para a nova regulamentação?
Nós vamos ter outras ferramentas, como os casos de ajuste de conduta, onde o regulado se compromete a mudar a ação que levou ele a cometer a infração. Terá também outros tipos de punições, como por exemplo a advertência e a obrigação de fazer ou de não fazer. A advertência, na verdade, seria aquela condição de falar: – você fez errado, você está dizendo que não sabia ou foi por algum motivo que entendemos que pode ser aplicada uma advertência, então, na próxima, a gente vai multar ou suspender. Hoje, a legislação não permite isso. Hoje não existe essa figura para nós. Não conseguimos dar uma advertência. É isso que está nessa mudança já tendo em vista o conceito de regulação responsiva. Isso é, o regulado vai entender que fez algo errado, mas que ele vai melhorar e se comprometer a não infringir mais a regra.