Marcos Fava Neves AR 01

Agro brasileiro precisa estar atento ao movimento do mercado

O alerta é do professor universitário Marcos Fava Neves, referência mundial em gestão estratégica e agronegócio

Publicado em: 02/04/25, 
às 18:50
, por IBRAVAG

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O ano de 2025 começou com os olhares voltados às medidas de Donald Trump que retornou à Casa Branca. Desde a posse em 20 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos vem ocupando os noticiários anunciando a retirada da maior potência econômica global do Acordo de Paris, taxação das importações da China, Canadá, México e, na conta dos minérios de ferro, o Brasil também sofre os impactos dessas medidas protecionistas. Um cenário propício a desenhar uma mudança no mapa do comércio internacional e, sobretudo, envolvendo o agronegócio.

A grande pergunta é como a movimentação global vai refletir na produção brasileira? E quem responde esta e outras questões, como o potencial de crescimento das culturas atendidas pela aviação agrícola, é o engenheiro agrônomo Dr. Marcos Fava Neves, um dos nomes mais respeitados internacionalmente na área do agronegócio e gestão estratégica.

O professor titular da Faculdade de Administração da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto/SP – que também é professor Internacional da Universidade de Buenos Aires/Argentina e da Universidade de Purdue, em Indiana/EUA – faz uma análise conjuntural do momento. Para isso, o fundador da Harven Agribusiness School parte de diferentes variáveis, que vão desde o dólar, preço dos combustíveis e política internacional, até os desdobramentos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

E considerando os avanços do agro brasileiro, inclusive no quesito sustentabilidade, predicado prestigiado pelo mercado europeu, Fava Neves compartilha da ideia de que poderá ocorrer uma reconfiguração das cadeias de suprimentos. E, com isso, originar oportunidades de bons negócios para o Brasil. Especialmente, se continuar investindo – e comprovar seus avanços – no que diz respeito a uma agropecuária alinhada com as boas práticas.

A taxação das importações da China, Canadá e México pelos Estados Unidos podem repercutir no agronegócio brasileiro?

As mudanças na política tarifária dos Estados Unidos podem impactar todo o comércio internacional. As taxas de 25% sobre todos os produtos importados do Canadá e do México, anunciadas em fevereiro de 2025, foram prorrogadas por 30 dias com acordos de maior segurança nas fronteiras para diminuir a imigração ilegal e tráfico de drogas; enquanto os 10% anunciados sobre os produtos advindos da China foram respondidos com retaliações. Olhando para o agro, o México é o principal exportador de frutas e açúcar para os Estados Unidos, o que, talvez, possa abrir uma janela de oportunidade para produtos brasileiros em terras norte-americanas. Já o Canadá é um grande exportador de grãos, proteína animal e óleo de canola para o país. No caso da carne (bovina e suína), o fluxo canadense poderia acelerar para grandes importadores da proteína brasileira, como Japão e Coreia do Sul, aumentando a competitividade. Já a redução de entrada do óleo de canola nos Estados Unidos pode resultar em maior demanda interna de soja e abrir espaço para a oleaginosa brasileira. No entanto, se o Canadá retaliar com elevação de impostos sobre o etanol, o Brasil também é um mercado potencial para cobrir o gap; mesmo que o governo Donald Trump já tenha demonstrado que não deve priorizar o uso do biocombustível. Além disso, o “tarifaço” de Trump pode gerar inflação e alta de preços dos insumos agrícolas, que tem o preço estabelecido em dólar, como fertilizantes e defensivos – alguns deles advindos do Canadá, inclusive. As incertezas acerca desse tema ainda são grandes, diante do que realmente pode se concretizar ou não. Por isso, o olhar às movimentações do mercado deve ser mais atencioso do que nunca.

É possível que ocorra alguma mudança no mapa das exportações da agropecuária diante dos anúncios de Trump? O Brasil pode ampliar sua fatia no mercado global, inclusive na Europa?

Sim, é possível. A conduta de tarifas aplicada por Trump pode desencadear uma reorganização das cadeias de suprimentos, após os impactos no curto prazo. Nesse sentido, os países mais “prejudicados” podem buscar alternativas de comércio, abrindo janelas de oportunidade para o agro brasileiro; foi o que aconteceu no mandato passado de Trump, quando a China passou a comprar milho brasileiro, após embates com o presidente norte-americano. Na questão da sustentabilidade ambiental – algo que o mercado europeu valoriza bastante –, se o agronegócio brasileiro continuar a investir e comprovar seus avanços nesse quesito, se tornará uma alternativa atrativa para esses compradores. Por outro lado, a política externa adotada no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, com a normalização das relações com o presidente Vladimir Putin, pode favorecer as exportações russas de produtos agrícolas para os Estados Unidos, alterando também essa dinâmica, visto que o país norte-americano é o terceiro principal parceiro comercial do nosso País.

A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, com o presidente Donald Trump prometendo linha dura contra restrições ambientais, pode levar outros países a abandonarem a luta global contra as mudanças climáticas?

Sim, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris já foi anunciada e deve ser efetivada a partir de 2026, colocando o país junto ao Irã, Líbia e Iêmen, como os únicos fora do pacto, desde 2015. Apesar de afirmarem que as metas não serão alteradas, a saída da principal potência econômica global do acordo, bem como o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, tende a aumentar a fragilidade da cooperação internacional ou até estimular outros países a seguirem no mesmo caminho. A Argentina, por exemplo, sob a gestão de Javier Milei, sinalizou que avalia sua saída do Acordo e levanta dúvidas sobre a participação neste ano na COP-30, em Belém (PA).

Como o agronegócio brasileiro pode se beneficiar dos posicionamentos do mandato Trump, inclusive no que diz respeito à política externa?

Os efeitos podem ser positivos ou negativos. Em relação às vantagens, os posicionamentos protecionistas podem estimular países que costumam comprar ou vender produtos aos Estados Unidos a diversificarem seus parceiros, abrindo espaço para o Brasil. Além disso, a pretensão do republicano em colocar o mercado interno em primeiro lugar pode reduzir a presença do país norte-americano no mercado global. A posição do presidente Trump em revisar acordos comerciais como o Nafta* (substituído pelo USMCA) gera incertezas no comércio global, reduzindo a credibilidade dos Estados Unidos como um parceiro comercial “confiável”, o que também pode levar os países que estabelecem relações comerciais com os norte-americanos a considerarem alternativas para negociações, incluindo o Brasil.

*Nafta – Sigla em inglês para Acordo de Livre Comércio da América do Norte, existente desde 1989, incluindo os Estados Unidos e o Canadá. Em 1994, incluiu o México, estabelecendo a eliminação de tarifas alfandegárias entre os três países. Em 2018, o Nafta foi substituído pela USMCA, sigla em inglês que indica  Acordo Estados Unidos, México e Canadá, ou Nafta 2.0. O acordo propõe incentivar zona de livre comércio entre os membros mediante uma nova versão.

SUGESTÃO
Fava Neves destaca que a COP 30, para o Brasil, será uma oportunidade estratégica  para reafirmar seu papel como líder global em produção sustentável de alimentos, fibras, bioenergia e outros agroprodutos.

O fato de os EUA distanciarem-se da luta global contra as mudanças climáticas, enquanto o Brasil mantém sua agenda voltada a uma agropecuária sustentável pode  beneficiar o agro nacional? O que o Brasil precisa fazer para mostrar sua força neste cenário?

É uma ótima oportunidade para o Brasil continuar desenvolvendo sua agenda sustentável e mostrar ao mundo a sua capacidade em se tornar o maior fornecedor global sustentável de alimentos, fibras e outros agroprodutos. O desafio nesse quesito é a comunicação, portanto, para mostrar força nesse cenário, precisamos trabalhar para comunicar de forma eficaz as iniciativas sustentáveis que fazemos aqui. É claro que ainda existem desafios a serem superados, como o desmatamento ilegal, por exemplo, que deve ser combatido com reforços na fiscalização, mas há muita coisa boa sendo feita também, como iniciativas de agricultura regenerativa, bioinsumos, sistemas integrados e de baixo carbono, dentre diversas outras práticas. Isso precisa ser visto lá fora.

Em 2024, a frota brasileira, a segunda maior do mundo ficando atrás somente da dos EUA, cresceu 7,21% em relação a 2023, sendo o Brasil o maior comprador de aeronaves da Air Tractor e Thrush no mundo. Este crescimento exponencial pode estar ligado a uma agricultura mais precisa focada em tecnologia de ponta e na sustentabilidade?

Sim, esse crescimento aponta que o Brasil tem investido cada vez mais em soluções tecnológicas para aumentar a eficiência agrícola e reduzir os impactos ambientais. Essas aeronaves têm sido empregadas na pulverização aérea e no monitoramento de lavouras, permitindo uma aplicação mais precisa de defensivos e fertilizantes, utilizando apenas o que é necessário em cada local, o que costumo chamar de “gestão por metro quadrado”. Tecnologias que vêm para complementar e tornar a agricultura ainda mais eficiente.

Como o senhor vê a perspectiva de crescimento das culturas como soja, milho, trigo, algodão e cana-de-açúcar, que – entre outras – são atendidas pela aviação agrícola, diante deste cenário que se está desenhando?

Essas culturas têm um grande potencial de crescimento, na medida em que a população global está em constante evolução e há perspectivas de aumento de renda e elevação do consumo. O aumento da soja e do milho pode ser sustentado pela maior demanda por ração, puxada pelo consumo de proteínas animais, isso porque, em média, 80% da soja e do milho é utilizado na nutrição animal. Temos também boas perspectivas para os biocombustíveis como biodiesel e etanol de milho. A cana-de-açúcar deve ser impulsionada pela maior busca por energia renovável, enquanto o algodão pode ter seu crescimento atrelado a maior busca por sustentabilidade na indústria têxtil, em detrimento de fibras sintéticas. Por fim, as projeções de crescimento para o trigo também são positivas, com aumento de consumo e uso para alimentação animal.

Mesmo atento às boas práticas no manejo, o agronegócio brasileiro e a aviação agrícola são constantemente atacados. Como esses dois setores devem responder a seus detratores para mostrar que estão alinhados ao manejo sustentável da terra?

Precisamos comunicar com transparência e de forma clara e precisa os dados desses setores, para combater as desinformações e fake News, que geralmente são veiculadas com o intuito de prejudicar suas respectivas imagens. O Brasil precisa mostrar tudo o que é feito em ambos os setores em relação à adoção de tecnologias sustentáveis, políticas públicas, desenvolvimento de inovações tecnológicas, parcerias com instituições de pesquisa, dentre outras inúmeras iniciativas que auxiliam o agro brasileiro e a aviação agrícola a contribuírem com ações sustentáveis. Precisamos reconhecer que a melhora na comunicação nos últimos anos foi bem relevante; e seguimos trabalhando por isso.

A COP 30, que ocorrerá de 10 a 21 de novembro deste ano, na cidade de Belém, no Pará, pode ser um espaço para o agro brasileiro mostrar para o mundo que está avançando nas metas para combater as mudanças climáticas?

Sem dúvidas! Neste ano, também acontece no Brasil a Conferência Global do IFAMA (a Organização Mundial de Agronegócios, fundada pelo Prof. Ray Goldberg, criador do conceito de agronegócio). Ela será realizada em Ribeirão Preto (SP) em junho e deve reunir representantes de mais de 20 países. No evento, será elaborada uma carta conjunta para posicionamento do setor na COP-30, buscando demonstrar aspectos como responsabilidade sustentável e o reconhecimento da importância do agro para o futuro da humanidade. Especialmente para o agro brasileiro, a  COP 30  será uma oportunidade estratégica  para reafirmar seu papel como líder global em produção sustentável de alimentos, fibras, bioenergia e outros agroprodutos. O Brasil pode caminhar na transformação da narrativa sobre esse setor ao mostrar resultados concretos, tecnologias inovadoras e compromissos futuros em direção à sustentabilidade.

Os ataques ao agro, bem como à aviação agrícola, são os mesmos de décadas atrás, quando ainda não havia a tecnologia existente hoje. O que falta para a sociedade ver tanto os avanços do agro, bem como da ferramenta aeroagrícola, que trabalha com tecnologia de ponta, possibilitando aplicações cada vez mais eficientes?

Falta reconhecimento diante da importância que ambos os setores possuem no cotidiano das pessoas. O agro tem um papel primordial na garantia de oferta de produtos que necessitamos para viver. Está presente desde que acordamos, seja no lençol de algodão da cama ou na camiseta que usamos para vestir, até nos cosméticos, na mesa do almoço, na locomoção para o trabalho, na bebida do happy hour e por aí vai. Consequentemente, as tecnologias desenvolvidas para aumentar a eficiência desse setor deveriam ser vistas com a mesma admiração, já que auxiliam na redução dos custos de produção e permitem que o uso de recursos seja mais preciso e com menor impacto ao meio ambiente.

RESPEITO
Para Fava Neves, a importância do agro no dia a dia das pessoas desde o momento que acordam, até final do dia, quando se deitam, requer que as tecnologias, como a aviação agrícola, responsáveis por aumentar a eficiência desse setor, sejam vistas com maior admiração

O setor aeroagrícola está estruturado e mantém um Indice de Inflação próprio, o IAVAG, que leva em consideração três variáveis que impactam o setor – o dólar, os combustíveis e o INPC. Diante do cenário que se desenha nos Estados Unidos e suas relações com o mundo, como a moeda americana deve se comportar a curto e a médio prazo?

No curto prazo, a conduta de tarifas adotada por Trump pode levar à valorização do dólar, o que impacta diretamente o preço de produtos de combustíveis como gasolina e diesel, que tem o preço estabelecido na moeda norte-americana; ou mesmo de insumos diretos do agro como defensivos e fertilizantes. Por outro lado, essas mesmas medidas podem ocasionar uma desaceleração à economia do país e até aumentar a inflação e o desemprego a médio/longo prazo.

A questão dos combustíveis também afeta as operações aeroagrícolas, inclusive quando falamos de biocombustíveis. Hoje, pelo menos 30% da frota aeroagrícola brasileira é movida a etanol, produzido a partir da cana-de-açúcar. Como o senhor vê a produção de cana-de-açúcar no Brasil e essa movimentação no preço do etanol?

As perspectivas para a safra 2025/26 de cana-de-açúcar são positivas. As chuvas acima da média nos últimos 4 meses ajudaram a reverter o déficit hídrico causado pela estiagem no final da última moagem. Assim, a região Centro-Sul poderá compensar grande parte da quebra da temporada 2024/25, que teve uma média de 69,7 t/ha (-10,8%). No entanto, fatores como as ondas de calor, área destinada ao replantio, investimentos no manejo agrícola e estratégias adotadas para o impacto dos incêndios ainda influenciarão o volume final da colheita, previsto para 630 a 650 milhões de toneladas. Quanto ao etanol, com a entressafra da cana-de-açúcar em curso, os estoques do biocombustível no Centro-Sul seguem em queda. Além disso, é necessário se atentar às movimentações no mercado internacional, com a inclusão do etanol no Memorando de Tarifas Recíprocas, anunciado dia 13/02 por Donald Trump, bem como sua posição favorável ao petróleo e outras fontes não renováveis.

Para finalizar, o senhor tem entre seu escopo de palestras uma que fala sobre o futuro da produção de alimentos. Então, para onde caminha o nosso agro?

Nosso agro caminha para a evolução, com avanços tecnológicos, práticas sustentáveis e regenerativas, e eficiência produtiva para garantir a segurança alimentar global. Aqui nós temos os recursos necessários para prover alimentos, fibra e bioenergia e, ao mesmo tempo, preservar e recuperar o meio ambiente, algo que é impossível em outras frentes industriais; ou mesmo em outros países. Que a gente possa, cada vez mais, valorizar esse setor que me enche de orgulho e que abastece as casas dos brasileiros e do mundo.

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