A Ciência tem que ser soberana: Entrevista com o médico toxicologista e doutor em Saúde Coletiva Ângelo Zanaga Trapé

Médico e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há mais de 40 anos Ângelo Zanaga Trapé INTEGRA ou coordena estudos sobre agrotóxicos e saúde de produtores rurais e é referência na área de Toxicologia no País

Publicado em: 20/04/21, 
às 10:00
, por IBRAVAG

COMPARTILHE:

WhatsApp
Telegram
X
Facebook
LinkedIn
Pinterest
[esi INSERT_ELEMENTOR id="1794" cache="private" ttl="0"]
Assista a entrevista completa em vídeo acima

Doutor Ângelo Zanaga Trapé, 69 anos completados em março, é referência na área de toxicologia no Brasil. Nascido em São Paulo, capital, reside há vários anos em Campinas, no interior paulista, onde construiu sua trajetória na saúde seguindo a tradição familiar – seu pai era médico psiquiatra na capital e sua irmã mais velha concluiu a faculdade de Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Trapé formou-se médico em 1977, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde começou a atuar como docente em 1983. Sua experiência principal é na Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, abordando temas como agrotóxicos, exposição, monitoramento, saúde do trabalhador e contaminação.

Não é por acaso que sua tese de doutorado em Saúde Coletiva pela Unicamp, defendida em 1995, foi sobre o tema Agrotóxicos, um problema de saúde pública. Trabalho elaborado a partir de entrevistas com pessoas que diziam terem sido expostas e intoxicadas por defensivos agrícolas. Ao seu currículo somam-se a coordenação da área de Saúde Ambiental do Departamento de Saúde Coletiva; do Ambulatório de Toxicologia do Hospital das Clínicas da Unicamp; e do Programa de Atenção à Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp – atividades desenvolvidas até 2017, ano em que se aposentou. Além disso, o médico foi responsável pela implantação do Laboratório de Análises Toxicológicas em Material Biológico da FCM (Labtox), setor que coordenou até 2017. Também integra o C3, Comitê Científico Consultor do International Life Science Institute ILSI Brasil. É membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS). Ainda, preside o Instituto de Pesquisas e Educação em Saúde Prof. Dr. Waldemar Ferreira de Almeida (Inpes).

Ângelo Trapé sustenta que o debate sobre o tema agrotóxico é prejudicado pela falta de informação e por uma série de ideias equivocadas que se consolidaram não só no imaginário popular, como também nas percepções de diferentes instituições. Afirma ainda que o impacto dos defensivos agrícolas na saúde da população, especialmente nos trabalhadores rurais, é superdimensionado por conta da superficialidade dos dados disponíveis e pelo preconceito. “Isso é o grande mito que foi construído no Brasil”, assegura.

Na entrevista concedida à Revista AvAg, Trapé toca no espinhoso tema dos agrotóxicos. Entre outras coisas, explica como foi arrastado para uma polêmica, quando propôs uma pesquisa sobre os reais efeitos da utilização do Paraquat nas lavouras brasileiras. O médico elogia a qualidade e a precisão da pulverização feita pela aviação agrícola no Brasil e salienta a sua importância em um país com plantações de grande escala.

HOME OFFICE: Mesmo em casa, por conta da pandemia, Ângelo Trapé segue com suas atividades, frisando sempre a sua atuação pautada pela Ciência
Foto: Siomara Regina Jacobucci/divulgação

Como foi sua infância e juventude? Como veio a escolha pela medicina e, em seguida, pela Toxicologia?

Ângelo Trapé – Eu sou de uma família de São Paulo, sou nascido na capital de São Paulo. Meu pai era médico psiquiatra em São Paulo, formado pela Faculdade de Medicina da USP. E minha irmã mais velha também se formou na USP, médica. Então eu já tinha uma história de envolvimento com as questões de Medicina. E o curioso é que, aliado a isso, eu sempre vivenciei muito a área rural. A família de minha mãe é de Americana, perto de Campinas, e tinha fazendas. E outros primos tinham fazenda na região noroeste do Estado, em Araçatuba. Eu gostava muito disso tudo. Então, depois que meu pai faleceu, achei que eu deveria caminhar na linha da Medicina, que sempre me entusiasmou muito. Minha primeira intenção era fazer Cirurgia. Em 1971, entrei na Unicamp e sou da décima turma de sua Faculdade de Ciências Médicas. Comecei trabalhando como médico clínico e, logo após a minha formação, fui trabalhar um período na rede básica de saúde, em posto de saúde de Campinas. E arrumei uma atividade na Cooperativa Agropecuária de Holambra, aqui em Jaguariúna – em uma área desmembrada em dezembro de 1991, para integrar o então recém-emancipado Município de Holambra. Eu já tinha feito uma especialização em Medicina do Trabalho.

O fato curioso é que meu primeiro atendimento a um caso de intoxicação foi por solicitação de um médico veterinário, que me chamou para ajudá-lo a atender duas mulas. Elas estavam caídas num campo de plantio de palmas, onde havia sido aplicado um inseticida do grupo dos organofosforados. E ele (o veterinário) tinha o antídoto, que é atropina em doses cavalares. Eu o ajudei a injetar a atropina e salvamos os animais. Havia ocorrido uma pulverização acima de onde um indivíduo trabalhava com os animais puxando um arado. Veio uma deriva e esses muares acabaram tendo uma intoxicação aguda.

Depois comecei a identificar mais alguns casos de indivíduos que não aplicavam corretamente, não usavam (os agroquímicos) de maneira adequada e tive a oportunidade de fazer um curso com um professor, chamado Waldemar Ferreira de Almeida, que é um dos pilares da toxicologia de defensivos agrícolas no Brasil. Ele era do Instituto Biológico. Nós fizemos alguns estudos e ele me ensinou muito sobre toxicologia. Foi contratado pela Unicamp e a universidade abriu a sua área de Saúde Ambiental. Eu trabalhava na prefeitura e na (Cooperativa) Holambra, e ele me convidou para vir para a Unicamp. Fui contratado na década de 80 e comecei a trabalhar com ele, especificamente na questão de toxicologia dos defensivos agrícolas.

Além da vida profissional, poderia destacar suas pesquisas e o trabalho na Unicamp?

Ângelo Trapé – Claro. Na ida para a Unicamp, começamos a fazer trabalhos em conjunto em relação a indivíduos que tinham exposição aos pesticidas na época. No início, na década de 80, montamos um programa chamado de Vigilância Epidemiológica em Ecotoxicologia de Pesticidas, onde saíamos a campo e solicitávamos aos serviços de saúde que, caso identificassem indivíduos com sintomas como dor de cabeça, náusea, ânsia de vômito, sudorese, suor, tontura, tudo, e que tivesse aplicado algum produto na lavoura, nos chamassem. E a gente ia até o município ver se isso era uma intoxicação ou não. Fruto desse trabalho, fui construindo toda a minha atividade didática e a minha formação. E até a minha tese de doutorado – Agrotóxicos, um problema de saúde pública, que eram entrevistas que eu fazia com indivíduos que diziam ter tido exposição (a defensivos), intoxicação. A partir daí, passei a coordenar, na década de 90, a área de Saúde Ambiental.

Implantei um programa de atenção à saúde de pessoas expostas a agrotóxicos na Região Metropolitana de Campinas, que foi inserido no curso de Medicina. Então, a cada 15 dias, a gente saía a campo com cinco alunos do quinto ano de Medicina, mais enfermeira e biólogo. Em conjunto com secretarias municipais de Saúde e de Agricultura de municípios da Região Metropolitana de Campinas até sul de Minas Gerais, a gente convidava os agricultores a passarem por uma entrevista e fazer coleta de sangue. Os alunos os atendiam e depois a gente examinava tudo: sistema nervoso central, periférico, hepático, renal, urinário, enfim, tudo para uma avaliação completa do indivíduo. E, a partir daí, desenvolvemos outras pesquisas e eu montei o Labtox, Laboratório de Análises Toxicológicas em Material Biológico. Nesse laboratório, realizamos algumas pesquisas importantes, principalmente nos anos 2000.

Em 2010, fizemos um projeto interessante para definir padrões de acetilcolinesterase – uma enzima que se altera na exposição de inseticidas organofosforados – em população não exposta, junto ao Hemocentro da Unicamp. Definimos então quais eram os níveis de acetilcolinesterase em homens e mulheres brasileiras não expostas, porque os padrões que tínhamos ainda eram norte-americanos. Em 2014, realizamos uma pesquisa muito grande, com mil agricultores na região da Serra da Ibiapaba, no Ceará. Em oito municípios que produzem hortaliças e frutas, em uma região muito bonita, a 300 quilômetros de Fortaleza. Junto com o Centro de Referência do Trabalhador de Tianguá, que é uma das cidades-sede dos oito municípios, analisamos quase 900 agricultores familiares, com exames e entrevistas para averiguar as condições de saúde de agricultores com exposição de longo prazo. A média de exposição era de 16 anos e o interessante é que o padrão de morbidade, os padrões de doença e de saúde daquela população, não foram diferentes da população brasileira em geral. Só o índice de massa corporal – obesidade e sobrepeso, que foi superior aos 50% do que era a média brasileira. Lá chegava a quase 70% da população com sobrepeso e obesidade.

PARCERIA: Com a esposa, a bióloga sanitarista Siomara Jacobucci, que também atua no Inpes

Essa obesidade tinha algum motivo especial?

Ângelo Trapé – Era uma característica de hábito alimentar, porque o pessoal do Nordeste come muito cuscuz. Comem carnes gordurosas, porque eles precisam ter energia para trabalhar. Foi um achado que nós tivemos lá. Não só lá. Em 2016, nós fizemos um mesmo estudo na região meio-norte do Mato Grosso, em cinco municípios produtores de soja, algodão: Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Tapurah, Ipiranga do Norte e Cláudia. Lá também avaliamos mil agricultores e o curioso: os padrões de morbidade e de saúde não se diferenciaram dos encontrados na Serra da Ibiapaba, apesar da tecnologia de aplicação no Ceará ser então muito mais rudimentar do que na região avaliada no Mato Grosso, com aplicações em grandes extensões, por aviões e tratores totalmente fechados.

Aí, a constatação foi de que, apesar de tecnologia rudimentar na Serra de Ibiapaba, eles se protegiam, usavam EPI (equipamento de proteção individual) corretamente. E lá (no meio-norte de MT) também nós encontramos muita obesidade e sobrepeso por hábito alimentar. Tem muitos gaúchos e paranaenses. Então, final de semana é costela gorda e muita bebida, com níveis de dependência alcoólica em mais de 30%, um negócio preocupante.

Então muitas vezes a sintomatologia do indivíduo é muito mais relacionada ao hábito de vida dele do que relacionada à exposição aos produtos químicos. Isso é o grande mito que foi construído no Brasil, porque as pessoas chegam e perguntam “você trabalha com agrotóxico?”, “Trabalho”. “Você se sente bem?” “Ah, eu não me sinto muito bem, tenho tontura, dor de cabeça…”. E se definia que isso era relacionado ao uso de agrotóxico. Em 2016 foi feito esse trabalho e, em 2017, nós fizemos um estudo, também nessa região meio-norte do Mato Grosso, publicado numa revista indexada agora, a Interamerican Journal of Medicine and Health. Foi uma dissertação de Mestrado de uma aluna da farmacologia (Karolyne Gramlich de Melo) para análise de resíduo de glifosato em urina de trabalhadores da soja. Um estudo piloto, com 30 trabalhadores, fazendo uma coleta antes deles aplicarem o glifosato, no último dia das aplicações e três dias após. Na pré-exposição e na pós-exposição não foi encontrado resíduo. Na alta exposição, eram níveis residuais muito baixos, similares aos encontrados na Alemanha, na Europa. Não eram resíduos capazes de impactar a saúde dos agricultores.

Outro projeto muito importante que realizamos e desenvolvemos durante cinco anos (de 2012 a 2016) foi patrocinado por uma empresa japonesa que está no Brasil há mais de 50 anos, a Ihara. Percorremos 25 localidades nas cinco regiões do País, onde treinamos profissionais de saúde e, em seguida, tivemos encontros com os agricultores. Fazíamos a coleta de sangue e entrevistas com os agricultores com exposição e contato direto. Caso encontrássemos alguma coisa, encaminhávamos para o serviço de saúde – treinado por nós anteriormente. E o dado importante: quando eu fazia essa capacitação prévia dos profissionais de saúde, que era mais uma atualização, em todas as localidades estavam sempre presentes a secretária de Saúde do município, a diretora regional de Saúde, a diretora da Vigilância Epidemiológica, da Vigilância Sanitária… E a primeira pergunta que eu fazia para a plateia: “Pra vocês, aqui nesta região, agrotóxico é um problema de saúde pública?”. E aí todo mundo falava: “É um problema de saúde pública”. Eu falava: “Muito bem, quais são os indicadores que vocês têm para dizer que agrotóxico é um problema de saúde pública? Quantas pessoas foram intoxicadas nos últimos dois anos aqui na região?”. “Não temos esse dado, doutor”. “Quantas pessoas estão expostas a agrotóxicos aqui na região?” E o secretário de Agricultura: “Ah, nós não temos esse dado, doutor”. “Quantas pessoas morreram intoxicadas por agrotóxicos nos últimos dois anos aqui na região?” Respondiam: “nós não temos esse dado, doutor”. “Se vocês não têm dados, como é que vocês podem dizer que isso é um problema de saúde pública?”

Eu levantei, no ano passado, a taxa bruta de câncer por órgão no Mato Grosso. Problemas de câncer de mama, câncer de próstata, câncer de intestino, câncer de estômago, câncer de tireoide etc e tal. A taxa por órgão e por tipo de câncer é maior na capital Cuiabá do que no restante do Estado. E o Mato Grosso é um Estado agropecuário por excelência. Se o uso intenso de defensivos, de agrotóxicos, agroquímicos fosse tão impactante, a taxa bruta de câncer nos municípios agropecuários seria muito mais intensa do que na capital. Quer dizer, não há comprovação nenhuma, nenhum estudo mundial que indique que a exposição de longo prazo a defensivos, agroquímicos, agrotóxicos, usando corretamente (os produtos), usando com a tecnologia adequada, usando com proteção individual, seja determinante de alguma doença crônica. Existe a visão leiga de que os agricultores acordam de manhã, felizes da vida, e falam: “ah, hoje eu vou pulverizar, vou despejar agrotóxicos nas minhas lavouras”. E saem pegando baldes de defensivos e jogando nas lavouras. Isso é uma insanidade, porque é um produto caro. Hoje tem tecnologia de precisão, as aplicações são feitas dirigidas e bem direcionadas, sejam elas por via terrestre, sejam elas por aviões. São feitas com muita seriedade, com muita técnica e com muita precisão de aplicação. Então, isso é um pouco de minha história. Em 2017, eu me aposentei. Estruturei uma OSCIP, que é uma organização da sociedade civil de interesse público, chamada Inpes, Instituto de Pesquisas e Educação em Saúde e Sustentabilidade ao qual dei o nome do meu professor Waldemar Ferreira de Almeida.

Atualmente há alguma pesquisa em andamento?

Ângelo Trapé – Tem uma que começou. Olha só, em 2019, eu aprovei no sistema Cep/Conep, que é o Comitê de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, um projeto para análise de resíduo para Paraquat, que é um herbicida importante na dessecação da soja, para ver se tinha resíduo em urina de agricultores da região meio-norte (do Mato Grosso), em quatro municípios onde a gente já tinha trabalhado com glifosato. Selecionamos 100 agricultores de quatro municípios, contratamos quatro laboratórios. Era um projeto de doutorado da mesma aluna que fez o mestrado do glifosato. A instituição proponente foi o Inpes e quem financiou foi a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) Mato Grosso, porque o interesse delas era saber isso, né? O professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas foi junto com a doutoranda-orientanda dele para o Mato Grosso. Foram feitas as coletas entre final de dezembro e começo de janeiro, fevereiro, terminou em março. Pré, alta e três dias depois da exposição. Coletamos 225 amostras, acondicionadas em quatro laboratórios de Nova Mutum, Tapurah, Lucas do Rio Verde e Sorriso. Quatro laboratórios contratados, tudo acondicionado. Trouxemos essas amostras para o laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, no laboratório, em março de 2020. A pandemia entrou assolando tudo e a reitoria da Unicamp suspendeu qualquer atividade laboratorial presencial em laboratórios não-essenciais. Ficaram lá estocadas essas amostras, em junho se iria retomar. Aí eu dei uma entrevista a uma repórter. Ela disse assim, “eu sou uma repórter da (agência) Repórter Brasil”. Aí eu expliquei o que era, disse “olha, nós estamos fazendo uma pesquisa assim, parari-parará e tal”. Aí ela faz uma matéria dizendo que, como o Paraquat estava com uma previsão de banimento para 20 de setembro do ano passado, os resultados que a gente ia obter – porque seria o único estudo, inédito no Brasil para uma análise do Paraquat – poderia contribuir para a ação regulatória da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na visão da Anvisa, a exposição ao Paraquat dá (Mal de) Parkinson. Ela (a agência) faz uma matéria midiática, negacionista, dizendo que lobby do agronegócio usa pesquisa não concluída da Unicamp. Daí, os setores mais radicais da Unicamp soltaram notas falando que é um absurdo essa pesquisa, o que determinou o Comitê de Ética? E isso é outra coisa inédita: o Comitê de Ética em Pesquisa suspendeu a pesquisa, achando que haveria um viés (de interesse) na seleção dos participantes da pesquisa. Como se eu tivesse pegado os participantes e, ao invés de colocar um aplicador, um preparador de calda, eu selecionasse um gerente que fica dentro do escritório. Quer dizer, depois de 43 anos, eu rasgaria o meu diploma? Depois de quase dez pesquisas realizadas durante a minha vida, mais de milhares de agricultores examinados, dando contribuição grande da minha vida, eu faria um deslize ético nesse nível? E nós estamos judicializados, tentando fazer os testes nas amostras, porque a Unicamp diz que não faz. É um projeto do Inpes, proposto pelo Inpes, com a participação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, e nós vamos ver se conseguimos terminar ele na medida em que a Justiça permita que retiremos as amostras da faculdade. Porque a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp diz que não vai fazer as análises, porque eles não fazem análises de produtos letais como o Paraquat. Mas fizeram com o glifosato e já tem artigo publicado.

ATENDIMENTOS: Trapé e alunos do 5º ano de Medicina da Unicamp em trabalho de campo para buscar possíveis casos de exposição aos agrotóxicos, no início dos anos 2000. O grupo atuava com equipes locais de Saúde e Agricultura em municípios da região de Campinas e do sul de Minas Gerais.

Há alguma previsão de quando vai sair uma decisão da Justiça?

Ângelo Trapé – Nós estamos esperando uma decisão do juiz aqui de uma vara cível. Estamos com advogado, pedindo que, se a Faculdade de Ciências Farmacêuticas não vai fazer as análises, que ela libere para que um outro laboratório possa fazer. Além do fato de eu precisar de um estorno de tudo o que o Inpes, com o recebimento do financiamento, fez de investimento no laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, que foi muito grande. Quando você vai fazer um planejamento de pesquisa como esse, começa no sistema Cep/Conep, do Sisnep, que é o Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa, que tem a chamada Plataforma Brasil, onde você tem que seguir rigorosamente todos os pontos. Eles têm que aprovar se o financiador é idôneo para financiar. A Conep aprovou a Aprosoja como uma instituição idônea para poder financiar o projeto de pesquisa. Foi aprovado no dia 12 de dezembro de 2019. Então é um trabalho árduo que eu me dediquei meses para realizar. De repente, vem uma decisão não-científica, negacionista da ciência. Esse negacionismo da ciência é muito grave, porque o que está se sobrepondo à ciência é a ideologia, são interesses políticos e ideológicos. Acho que a ciência tem que ser soberana em tudo.

A sua tese de doutorado em 1995, foi sobre doenças relacionadas ao uso de defensivos. Como estava e como evoluiu essa questão nesses mais de 25 anos? Está igual, melhorou ou piorou?

Ângelo Trapé – Ao contrário, melhorou demais. Para você ter uma ideia, quando eu fiz o meu doutorado, fiz em cima de entrevistas com agricultores. Eu fazia uma série de perguntas. Na medida em que fomos melhorando, nos qualificando mais do ponto de vista científico na investigação desses casos, eu comecei a ver que, onde eu achava que iria encontrar muita doença crônica, foi ao contrário. Pegava indivíduos com 30 anos de exposição, fazia todas as análises no ambulatório, junto com meus internos de Medicina, discutindo com eles. Eu não achava nada que fosse caracterizado como uma relação do indivíduo ser hipertenso e usar defensivo, isso não tem nexo nenhum. Para você ter uma ideia, lembrando esse programa em que a cada 15 dias nós saíamos do ambulatório para algum município da região – toda sexta-feira a gente pegava uma van da Unicamp com cinco internos de Medicina, mais uma enfermeira e mais uma bióloga –, durante sete anos, de 2010 a 2017, não tivemos nenhum caso registrado de internação no Hospital das Clínicas da Unicamp de intoxicação por agrotóxico de origem ocupacional. Se pegar no Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), a quantidade de intoxicações agudas teve uma queda muito intensa. Por quê? Porque os treinamentos realizados pelos setores, tanto o setor privado como o setor público, para o uso correto dos defensivos foram muito intensificados. Então a melhora foi muito grande. Inclusive porque o controle social melhorou. Os programas de avaliação melhoraram. O acesso da população rural a serviços de saúde melhorou. As informações, vindas pela Internet, por celular, tudo, melhoraram. Não temos mais Jeca Tatu (personagem celebrizado pelo escritor Monteiro Lobato), que é aquele capiau que tinha amarelão, que era caipirão, ignorante. Hoje, além do agricultor ser mais protegido, há outro indicador que mostra que ele aplica corretamente isso. É o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa. Vale a pena entrar no site da Anvisa e ver o estudo que eles fizeram, de 2013 a 2017, onde mostram o risco toxicológico agudo. Ou seja, qual o risco que o indivíduo tem de se intoxicar agudamente comendo laranja, banana, batata, alface, verduras, feijão, etc e tal? Zero vírgula zero oito por cento. Qual o risco crônico do indivíduo, se comer isso a vida inteira? Zero. Isso é a definição da Anvisa, dizendo o seguinte: os alimentos produzidos no Brasil são extremamente seguros. Se pegar a questão da laranja, o Brasil é o maior exportador de suco de laranja do mundo. A Europa bebe suco de laranja da Cutrale, da Sucocítrico (empresa Sucrocítrico Cutrale, de São Paulo) há décadas. A laranja brasileira in natura é consumida em nível nacional, inclusive indicada em dietas onde o indivíduo tenha o chamado intestino preguiçoso. Se essa laranja fosse contaminada, os médicos não indicariam isso, ela não estaria sendo vendida no supermercado.

Até que ponto estatísticas de intoxicações no Brasil separam, por exemplo, vítimas de intoxicação por produtos domésticos e medicamentos?

Ângelo Trapé – Pois é. O que mais intoxica no Brasil é medicamento, principalmente anticoncepcionais. A maioria das crianças intoxicadas encontra o seu intoxicante no ambiente doméstico. Então vamos proibir os medicamentos? Não, é uma questão de administração. Se eu tomar 500 miligramas de aspirina, eu tiro a minha dor de cabeça. Se eu tomar 5 gramas de aspirina, eu posso ter um sangramento gástrico e morrer. Na média, nos Estados Unidos, morrem entre 150 e 200 pessoas por ano por uso inadequado de paracetamol. Vai-se proibir o paracetamol? Não. Tem que orientar e fazer ele ser usado corretamente. A tecnologia agroquímica, a tecnologia medicamentosa, a tecnologia dos produtos domissanitários são perigosas? São perigosas. Perigo é uma coisa, risco é outra. Risco é como você administra o perigo. Se o indivíduo aplicar o defensivo agrícola pelado, fumando e cantando Tico-Tico no Fubá, o risco será gigante. Se ele aplicar o produto usando equipamento de proteção individual, com a dose adequada que esteja na bomba ou no trator, protegido, o risco é mínimo.

Mas existe uma estatística que separa esses diferentes tipos de intoxicação?

Ângelo Trapé – Se você entrar no Sinitox, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, tem lá o número de medicamentos, quantos foram intoxicados por medicamentos, tudo. O problema é quando você entra no Sinitox, que é do Ministério da Saúde e que é organizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para conferir agrotóxicos domésticos e agrotóxicos de uso agrícola. Eles não diferenciam o que seja exposição de intoxicação. Então o indivíduo está andando de carro na zona rural e aí passa um avião pulverizando uma área de soja. Isso aí é típico, típico: ele sente o cheiro, vai ao pronto-socorro e fala assim: “Olha, eu passei num lugar ali, o avião ‘tava’ pulverizando e eu não estou me sentindo bem”. Aí abrem uma ficha e colocam que ele foi intoxicado. Eu vivenciei isso em Goiás. Isso é uma inverdade total. Mas é assim que se produz as estatísticas. É assim que se geram dossiês e atlas do uso de agrotóxicos no Brasil falando um monte de bobagens em cima de estatísticas equivocadas.

O senhor havia apontado certa vez o problema da baixa formação de toxicologistas no Brasil. Como está essa situação atualmente? Até que ponto a falta desses profissionais ajuda a empobrecer o debate sobre sustentabilidade e agricultura no País?

Ângelo Trapé – Na minha maneira de ver, está piorando, sabe? Porque a geração minha, como gerações anteriores, pegou uma situação mais precária e foi melhorando, trazendo uma estrutura científica melhor, uma visão não emocional, não ideologizada, não politizada. Isso está diminuindo. Muitos movimentos aí, pelo banimento dos agrotóxicos e tudo, fazem perseguição direta, falando que eu sou isso, sou aquilo. Não só eu, como outros. Espero poder contribuir mais. Até pensamos, junto ao Inpes, em montar algum curso modular, virtual, sobre o que é a Toxicologia, o que são os agroquímicos, risco, perigo. Há grupos trabalhando nisso. Mas está diminuindo o número de toxicologistas que têm uma visão um pouco mais científica da coisa.

O debate sobre sustentabilidade está empobrecendo, então?

Ângelo Trapé – É. Ele está empobrecendo, apesar das informações serem diferentes. Aliados, a nós, tem uns grupos que atuam na área da agricultura. E tem um profissional, um agrônomo que eu respeito muito, que se chama Francisco Graziano, Xico Graziano (agrônomo e político brasileiro). Ele publicou um livro agora junto com o Decio Gazzoni, que é um agrônomo também antigão, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Londrina, de soja, chamado Agricultura: fatos e mitos. Eu faço parte de um comitê científico chamado Comitê Científico da Agricultura Sustentável. Tem vários profissionais, biólogos, agrônomos, principalmente, da USP, da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), de institutos e eu, como da Unicamp, sou o único toxicologista lá, que trabalham na desmistificação da agricultura.

O Evaristo Miranda, que é (diretor) da Embrapa (Territorial), mostrando qual o percentual de área cultivada no Brasil, que eu acho que é 8%, 9% – na verdade, 7,8%, segundo estudo publicado em 2016 e praticamente confirmado pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) em 2017, apontando 7,6%. O Brasil produz tudo o que produz em uma área super pequena. Enquanto se fala que o Brasil está desmatando, o estudo mostra que a agricultura brasileira utiliza um percentual muito pequeno no território brasileiro.

A questão seguidamente repetida na imprensa nos últimos meses é a de que nos últimos anos foram liberados mais de 400 novos agrotóxicos no Brasil. Até que ponto isso é verdade? Já que, pelo que se sabe, nessa conta entram produtos genéricos (pelo fim das patentes de alguns produtos), além de biológicos.

Ângelo Trapé – O que está entrando agora são os genéricos, que são mais acessíveis, têm um valor menor. Não estão sendo liberados produtos mais tóxicos, produtos sem avaliação. Estão sendo liberados produtos de moléculas já utilizadas há décadas. O que me estranha muito são definições que a Anvisa tem, sem respaldo científico. Por exemplo, voltando ao caso do Paraquat rapidamente. O Paraquat tem uma estrutura molecular similar a um contaminante da heroína, que é o MPTP. Heroína é uma droga viciante. Então a visão da Anvisa é a seguinte: como a molécula do Paraquat é similar ao MPTP e, se o indivíduo se expuser ao Paraquat, ele pode sofrer Parkinson, porque, no indivíduo que usa heroína, esse MPTP atravessa a barreira hematoencefálica e lesa um feixe de neurônios chamados dopaminérgicos, que regulam o nosso movimento, dão sensação de alegria, de bem-estar, etc e tal. Mas, para você ter Parkinson, tem que ter uma queima, uma lesão de mais de 70% desse feixe de dopaminérgicos. Para você ter isso, tem que ter um ingrediente ativo sistematicamente presente no seu organismo. Como é que um indivíduo que aplica Paraquat num trator fechado, cabinado, vedado, uma vez ou duas vezes por ano, durante alguns dias, vai poder ter um produto desses no seu organismo capaz de dar Parkinson? Nos Estados Unidos já está registrado desde 1964 o Paraquat. E continua registrado. Na Nova Zelândia, no Canadá, na Austrália e na Argentina também. E esses são competidores do Brasil na questão agrícola. O pessoal não percebe isso. E aí, quando a gente tenta fazer um estudo para ver se tem resíduo do Paraquat depois que o indivíduo pulverizou, os setores, as organizações sociais de banimento se movimentam de uma forma tão violenta e tão radical, que eles impregnam a ação acadêmica da instituição. Eles vão contra o Comitê de Ética em Pesquisa, que tinha aprovado o projeto e exigem, pressionam para que suspenda a pesquisa. O de glifosato, que foi feito em 2017, foi aprovado com a mesma metodologia por este Comitê de Ética. Como não saiu nenhuma matéria midiática negacionista e não teve movimentação dentro da Unicamp, o Comitê de Ética ficou quieto.

VIAGEM: Junto com uma equipe da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), rumo a uma audiência pública em Sorriso, em 2015

Entre os novos produtos, até que ponto essas moléculas são seguras e poderiam diminuir o uso por serem mais eficientes?

Ângelo Trapé – É o que a gente espera. Eu não analisei todas as novas moléculas. Mas, com certeza, pelo que eu conheço, das experiências vivenciadas dos projetos de desenvolvimento de moléculas pelas empresas, o interesse deles é desenvolver moléculas cada vez menos impactantes para o ambiente e para a saúde. Está se usando muito produto biológico. Eu fui a Rondonópolis (MT), onde há um laboratório de análise de sementes em que se analisam produtos biológicos que combatem alguns tipos de doenças fúngicas. Quando for necessário pulverizar, pulveriza. Por exemplo, a Helicoverpa armigera, lembra dela? Aquela lagarta que apareceu em 2015 e comia até plástico, comia tudo. Não havia produto liberado para ela e foi preciso uma ação emergencial para importar o benzoato de emamectina. Estava liberado no mundo inteiro e no Brasil estava proibido por uma visão de que o benzoato de emamectina era neurotóxico. Mas é neurotóxico para uma espécie de rato. Foi preciso importar imediatamente para combater a Helicoverpa armigera. A praga destruiu centenas de alqueires de soja e de milho na Bahia, no Tocantins por uma questão de erro, de visão ideológica de proibir produto.

Há uma tendência de aumento do uso de biológicos? Até que ponto tais produtos são seguros?

Ângelo Trapé – É uma questão de se ver também. Às vezes esses biológicos podem até trazer uma contaminação maior. Eu não tenho vivência nem experiência de encontrar casos de contaminação e intoxicação por produtos biológicos, mas tem que ter uma avaliação melhor. Normalmente, é feita só a avaliação do produto químico.

Até que ponto seu nível de segurança é maior frente aos químicos e o quanto a ideia do biológico ser “mais ecológico” pode gerar uma falsa (e perigosa) sensação de segurança em seu manuseio e aplicação?

Ângelo Trapé – Se lembrar alguns anos atrás, na Alemanha, eles usavam biocompostagem e houve acho que 30 óbitos por uma contaminação por Escherichia coli (bactéria) e lesão renal. Trinta alemães morreram por causa de uso de produtos não químicos. Então é tudo uma questão de acompanhar, de avaliar. Eu não tenho hoje uma avaliação de quanto isso é seguro. A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) trabalha com isso, libera esses produtos, como libera os transgênicos, o que é outra questão absurda. Falar que transgênicos causam câncer… E nós usamos soja transgênica há décadas aqui no Brasil, sem problema nenhum. Inclusive essas vacinas aí contra a Covid-19… Isso é transgênico, organismo modificado geneticamente.

Qual, na sua opinião, é o principal problema que gera intoxicações no campo? É a falta de capacitação de aplicadores?

Ângelo Trapé – Falta de orientação técnica, falta de acesso à informação e algum desconhecimento, alguma visão muito leiga do agricultor. Acho que hoje é muito difícil você encontrar agricultores com esse nível. Pode ter algum erro, algum equívoco. Uma coisa mais acidental. Mas há coisa que é real: a questão, às vezes, do desconforto dos EPIs, os equipamentos de proteção individual em regiões muito quentes. O que também está melhorando muito. Nós temos EPIs com bastante qualidade hoje, mas que são mais caros. Interessante seria um subsídio aos pequenos e médios agricultores para que eles possam adquirir EPIs de boa qualidade, passando por licitação, passando por controle de qualidade de profissionais.

SEGURANÇA: Em 2014, com a equipe de saúde do Município de Itabela, na Bahia, no Projeto Cultivida, da empresa Ihara, focado em boas práticas no uso e manuseio de defensivos

Em 2016, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, divulgou uma nota informando que cada brasileiro bebe cerca de 7,36 litros de agrotóxicos por ano. Apenas dividindo o volume de produtos utilizados nas lavouras (inclusive as não-alimentares, como algodão) pela população. O dado teve a participação também da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Até que ponto esse tipo de atitude prejudica o debate?

Ângelo Trapé – O que eles fazem é pegar a quantidade de produtos comercializados no Brasil e dividir pela população. Se você pegar a quantidade de cigarros consumidos no Brasil e dividir pela população, eu e você fumamos 200 cigarros por ano. Nós comemos quase 30 quilos de frango por ano. Nós comemos quase 15 quilos de porco por ano. É uma coisa absurda. Nesta questão, eu indico um agrônomo chamado Caio Carbonari, que é da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu. Ele mostra quanto que o Brasil consome de agrotóxicos por hectare e quanto que o Brasil consome de agrotóxicos por alimento produzido. Por hectare, sabe qual é o país que mais consome agrotóxico no mundo? Japão. Por tonelada de alimento produzida, Japão de novo. Qual o país que tem maior longevidade no mundo? Japão. Por hectare o Brasil cai para sétimo lugar. Por tonelada de alimento, cai para décimo quarto, por aí. Quer dizer, isso aí é uma distorção absurda. Quem patrocina essas ONGs todas? São os países competidores do Brasil em alimento. Se o Brasil aumentar 100% da área agriculturável, sair de 8%, 9% e passar para 18%, consegue alimentar o mundo e ainda a população de Marte.

Aliás, no mesmo ano, a Abrasco divulgou uma nota contra o uso da aviação agrícola na aplicação de produtos contra mosquitos em áreas urbanas, pela publicação da lei que em 2016 incluiu a ferramenta aérea nas estratégias governamentais para o combate à dengue, zika e chicungunha. Na nota, a Abrasco justificou a posição dizendo que a aplicação atingiria indiscriminadamente residências, escolas e outros pontos povoados. Quando, na verdade, o avião usaria os mesmos produtos usados pelos fumacês em terra. Dá para dizer que há também um preconceito institucional no Brasil contra o que vem do agro?

Ângelo Trapé – Não tenha dúvida nenhuma. Pegue os estudos do Eduardo Araújo, veja a eficácia do trabalho que foi feito em 1975, no combate daquela epidemia que teve na Baixada Santista*. Quer dizer, passa o fumacê, as janelas ficam abertas, joga-se o fumacê dentro da casa. Uma eficácia baixíssima. Nós estamos falando de pulverização aérea, onde vai cair tudo em cima, inclusive, peridomiciliar (área fora da residência). Pode ter criadouro dentro da casa, mas a maioria é peridomiciliar. Além da possibilidade de você poder fazer uma pulverização de não sei quantos hectares, uma área gigante em que pode ser aplicado. Então seria uma proposta extremamente adequada e vamos monitorar. Há proposta de fazer treinamento com equipes de saúde, acompanhar os índices de infestação, ver se alguém tem alguma queixa. Quando começou a pulverização aqui em Campinas, anos atrás, com malathion, que é um fosforado, eu fiz um protocolo com a Prefeitura que era o seguinte: qualquer aplicador ou qualquer residente do bairro onde for aplicado o malathion, que tiver esses sintomas: dor de cabeça, um pouco de dor nos olhos, um pouco de náusea ou salivação, ou tontura, que seja encaminhado para o ambulatório de toxicologia e imediatamente para o Centro de Controle de Intoxicações. Nunca veio nenhum. Quem veio me procurar no ambulatório foram três supervisores que ficavam a um quilômetro de distância, dizendo que estavam passando mal, porque eles queriam pegar atestado para tirar umas férias. Eu não dei o atestado, obviamente. Então é isso, tem que fazer o monitoramento, porque o benefício dessa aplicação, dessa forma, seria imensamente maior do que o risco. A ideia seria fazer um piloto numa cidade onde se tenha muita estrutura vertical.

(*) Naquele ano a aviação foi usada com sucesso para eliminar mosquitos causadores de um surto de encefalite na região de Mongaguá, Peruíbe e Itanhaém. O agrônomo, piloto, ex-empresário, ex-diretor e hoje consultor do Sindag Eduardo Cordeiro de Araújo na época coordenou a equipe da Embraer a serviço da Superintendência de Controle de Endemias do governo paulista (Sucen) e relatou o sucesso das operações. O caso foi relatado em 2019, na edição nº 5 da revista AvAg – páginas 32 a 35.

APOIO: Trapé em um trabalho de campo como perito assistente  técnico da empresa Sucrocítrico Cutrale, no interior paulista

O que o senhor acha que falta ser feito para que a população possa se sentir segura? Entendendo o que é real e o que é mito… e, talvez, ajudar efetivamente a fiscalizar.

Ângelo Trapé – O ideal seria a gente poder ter um canal midiático que pudesse passar informações científicas corretas. A área federal tem um papel muito importante nesse momento. O Ministério da Agricultura, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Saúde deveriam ter um projeto comum para levar uma proposta de informação à população. Eu propus, no ano retrasado, à assessoria da ministra (da Agricultura) Tereza Cristina que fizéssemos um estudo nas cinco regiões do País, um estudo socioeconômico e agronômico: quanto que se usa por hectare, que produtos, quanto que se produz etc e tal. Além de estudo ambiental: analisar poços, mananciais, poços de escolas, rios e a avaliação da saúde dos agricultores das regiões onde são aplicados esses produtos. Nisso entrou a pandemia, parou tudo. Eu espero que a área federal tenha uma ação mais propositiva nisso, porque estamos num momento favorável. A ministra Tereza Cristina é uma das profissionais mais competentes, inteligentes e sérias que eu conheci na minha vida profissional. E ela tem total condição de liderar um projeto como este para a gente desmistificar.

Entre as ferramentas atualmente utilizadas nas lavouras no País, alguma pode realmente ser considerada mais propensa a problemas? E alguma é a mais segura?

Ângelo Trapé – Acho que a mais preocupante é a pulverização costal, bomba costal. Bomba costal e mangueira. É individual. Eu acho que a aplicação aérea, quando é bem-feita, segundo as normas técnicas e as orientações do Sindag, é extremamente eficaz e segura. Desde que respeitando todos os procedimentos técnicos e protocolos determinados na segurança, tudo.

Com a exigência de cada vez mais profissionalismo na agricultura, resumir o debate sobre agroquímicos a um embate ideológico entre grandes e pequenos, não está prejudicando a profissionalização dos pequenos? Considerando ainda que a própria agricultura ecológica é um importante laboratório de boas práticas, o que deveria cada lado fazer para resolver a questão?

Ângelo Trapé – Nem é cada lado, porque eu penso o seguinte: trabalha-se isso nas instituições de pesquisa, como a Embrapa, que é uma referência, e nas próprias empresas, com todas as possibilidades de combate a pragas e doenças para aumentar a produtividade agrícola. Então, é preciso ter esse entendimento e mostrar que a agroecologia pode ser importante. Agora, quando você está falando de produção em nível comercial, é preciso saber quando se usa um produto biológico ou quando se usa um produto químico. A Embrapa e outros institutos de pesquisa têm um papel fundamental para mostrar isso.

COMPARTILHE:

WhatsApp
Telegram
X
Facebook
LinkedIn
Pinterest

Este website utiliza cookies para fornecer a melhor experiência aos seus visitantes.