Em 2024, Ministério da Saúde projeta o número de 4,2 milhões de casos de dengue no Brasil, o que pode superar em 2,5 vezes o recorde de 2015. Diante desta epidemia nacional, urge a necessidade de utilizar a pulverização aérea no combate a vetores, conforme já é autorizado pelo marco legal da aviação agrícola, tanto no Decreto-Lei nº 917/1969, como pelo Decreto Federal nº 86.765/1981, ao preverem entre as atividades de aviação agrícola “outros empregos que vierem a ser aconselhados”. Assim, do ponto de vista legal, pode a aviação agrícola ser utilizada no combate a vetores.
Por conta disso, o Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA, ao disciplinar o trabalho da aviação agrícola, expressamente prevê a possibilidade de sobrevoo de aeronaves sobre as cidades quando houver combate a vetores, conforme art. 10, V, da Instrução Normativa MAPA nº 02/2008.
A Anac – Agência Nacional de Aviação Civil, ao disciplinar os requisitos operacionais da aviação agrícola, via Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) nº 137, definiu no item 137.3 (13), que as operações aeroagrícolas incluem “combate a insetos, combate a vetores de doenças ou outros empregos correlatos”. Ainda no RBAC nº 137, item 137.211(a), consta a possibilidade de sobrevoo “sobre áreas densamente povoadas, sobre embarcações ou sobre aglomerações de pessoas ao ar livre” quando o objetivo for o controle de vetores.
O Comando da Aeronáutica, igualmente, reconhece que as operações aeroagrícolas abrangem “combate a insetos”, e “a vetores de doenças”, segundo item 2.1.7, da Instrução do Comando da Aeronáutica ICA nº 100-39, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo – Decea. Esta instrução também dispensa o operador aeroagrícola de solicitar autorização ao Decea, salvo as situações descritas no item 5.1, da ICA nº 100-39.
Além da legislação aeroagrícola já existente, a Lei nº 13.301/2016, ao tratar de diferentes alternativas de combate a situações de iminente perigo à saúde pública, autorizou, de modo expresso, o uso de aeronaves. Esta lei surgiu no ano do surto de Zika Vírus, que se espalhou por todo o País, o que levou a OMS declarar emergência de saúde pública internacional.
A Lei nº 13.301/2016 estabeleceu três requisitos para o emprego de aeronaves no controle a mosquitos:
1) situação de iminente perigo à saúde pública (art. 1º., caput),
2) aprovação das autoridades sanitárias (inciso IV, parte final), e
3) comprovação científica da eficácia da medida (inciso IV, parte final).
Todas estas condições são atendidas para o uso de aviões ou drones no combate de vetores da dengue, pois há uma situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Saúde, sendo o uso de aeronaves uma medida de eficácia comprovada, utilizada em diferentes regiões do planeta.
De acordo com a agência norte-americana CDC (Center for Disease Control and Prevention), a pulverização aérea contra mosquitos e pragas é eficaz e segura1. Já na Espanha, o Serviço de Controle de Mosquitos da Província de Huelva, na região da Andaluzia, lançou em 2019 “Plano de Ação para controle de mosquitos”, com a utilização de aviões2. Sabe-se que a pulverização aérea no combate a mosquitos tem sido usada também em Angola, Coreia do Sul, Colômbia3, México e no Sul da Ásia. O Brasil também tem experiência bem-sucedida ocorrida em 1975 – quando a aviação ajudou a eliminar mosquitos que causavam um surto de encefalite no litoral paulista4. A OMS inclusive referenda a utilização de aeronaves para combate em grande escala e de emergência, informando, em estudo sobre combate a vetores, que “os aviões são especialmente adequados para o tratamento rápido de grandes áreas”5. Há, portanto, comprovação científica da eficácia da pulverização aérea no combate de vetores de doenças.
De acordo com o Informativo Semanal nº 01 do Centro de Operações de Emergências (COE) do Ministério da Saúde, uma das principais ações para o enfrentamento da dengue é o controle vetorial, com a aplicação de produtos fitossanitários com a formulação UBV – uma tecnologia de aplicação e significa Ultrabaixo Volume. No caso da aplicação aérea, é usada a formulação UBV. O Ministério da Saúde tem usado produtos fitossanitários, químicos ou biológicos, em formulação UBV, na aplicação terrestre, via os chamados fumacês. Podem ser os mesmos produtos e a mesma formulação para a pulverização aérea.
Desse modo, pode haver o combate vetorial via pulverização aérea, pois há comprovação científica da sua eficácia e os produtos aplicados já têm aprovação da autoridade sanitária nacional. Complementarmente, sendo a aplicação feita sob organização municipal, a autoridade sanitária competente para autorizar o controle vetorial é a Secretaria Municipal da Saúde, na medida em que é a autoridade máxima local do SUS – Sistema Único de Saúde, conforme o art. 1º da Lei nº 13.301/2016, combinado com o art. 9º, da Lei nº 8.080/1990 – a Lei do SUS. Se a pulverização for sob ordem estadual, sucessivamente, caberá à Secretaria Estadual da Saúde a aprovação da medida.
Importante ainda observar que, ao analisar a validade da Lei nº 13.301/2016, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5592, deu interpretação conforme a Constituição, para deixar expressa a necessidade de aprovação concomitante pelas autoridades sanitárias e ambientais. Logo, ficou esclarecido que as autoridades sanitárias e ambientais podem autorizar o emprego de aeronaves no combate a vetores. Isso significa que uma vez autorizado pela Secretaria Municipal da Saúde e pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, podem ser utilizadas aeronaves para pulverizar produtos fitossanitários no respectivo município contra mosquitos causadores de doenças. Ainda do ponto de vista ambiental, a autorização pode ser igualmente dada por licenciamento ambiental da empresa aeroagrícola.
Fica claro que o marco legal brasileiro dá segurança jurídica para o controle vetorial por pulverização aérea. Diante da nova epidemia de dengue, cabe às autoridades públicas fazer o uso desta ferramenta moderna para a proteção da saúde da população.